terça-feira, 4 de novembro de 2014

Évora, a última do ano: adeus à (estranha) temporada!

Antes da corrida, foi descerrada no páteo de quadrilhas uma placa assinalando os
30 anos de alternativa do cavaleiro Rui Salvador
"Nené" anunciou o fim da sua actividade de empresário taurino, após mais de 30
anos a engrandecer a Festa. Oxalá repense esta decisão e não a cumpra, para que,
com mais esta partida, o "poder" não caia em definitivo na rua...
Tomás Pinto terminou a sua época de consagração em beleza. Na foto, dando a
volta à arena com Ricardo Sousa e o valente primeiro-ajuda (Grupo de Évora)
O Engº Fernandes de Castro e seu filho Filipe deram aplaudida e justificada volta à
arena com Luis Rouxinol Jr. (sétimo toiro), pelo brilhante e sério desempenho dos
exemplares da sua ganadaria - que marcou a temporada e contribuiu decisivamente
pelo regresso da emoção e da seriedade às nossas arenas. Na foto de baixo, Luis
Rouxinol e seu filho, os grandes protagonistas desta última corrida do ano em Évora



Miguel Alvarenga - Domingo passado em Évora, um dia depois da que foi, durante anos e anos, a data oficial do encerramento da temporada tauromáquica, fechou-se a porta - com chave de ouro - à mais estranha época dos últimos anos, dominada pelo triunfo incontestável (contra factos, não há argumentos possíveis...) dos cavaleiros veteranos e pelo incompreensível eclipse das vedetas do futuro - uns limitaram-se a lidar encastes fáceis, outros pura e simplesmente quase desapareceram do mapa e o pretendente ao trono, Marcos Bastinhas, viu-se impedido de prosseguir a temporada por arreliadora lesão. E o pior - e mais grave - é que o triunfo dos antigos fez com que mal se sentisse a falta dos novos. O que, em termos de futuro, compromete e aflige.
A última corrida do ano em Évora, embora falte ainda (se o tempo o permitir) o Festival dos Bandarilheiros no próximo dia 29 em Santarém, decorreu em ritmo muito agradável e teve grandes momentos de bom toureiro, sobretudo os protagonizados por Luis Rouxinol e seu filho, Luis Rouxinol Júnior, e também por Tomás Pinto, um jovem cavaleiro que esta temporada subiu importantes degraus e "deu o litro" em todas as arenas por onde passou, denotando claramente a intenção e a ambição de chegar longe - e vai chegar. Tomás Pinto já não é uma promessa e já não é "o segundo", passou por mérito próprio a "primeiro" e é hoje uma certeza e uma figura de futuro. E com futuro.
Luis Rouxinol "rebentou a escala" na última actuação da temporada. Tudo o que fez foi bem feito e teve contornos de verdadeira apoteose. Com o cavalo "Douro" atingiu a perfeição e provocou a emoção. Difícil estar melhor do que ele esteve neste adeus à temporada.
Seu filho, Luis Rouxinol Júnior, traça um caminho próprio e de vincada personalidade, sem imitar o pai. Nem põe pares de bandarilhas. Tem uma raça e uma intuição invulgares, galopa com serenidade e imensa decisão para o patamar dos primeiros. Sofreu aparatosa queda, mas recompôs-se em segundos e desenvolveu depois uma lide empolgante e onde o principal factor foi a sua ambição, a força do seu toureio, a garra da sua arte. Cuidado com ele, meninos!
Homenageado antes da corrida com o descerramento de uma placa assinalando os seus 30 anos de alternativa, o grande Rui Salvador encerrou as comemorações dessa efeméride com uma actuação brilhante, a confirmar que os anos passam, mas ele mantém-se, intacto, inalterável e sempre igual a si próprio - é um vencedor nato, nasceu para triunfar e está para dar e durar.
É sempre agradável ver (reviver) o "toureiro antigo" de Francisco Núncio, toureiro de dinastia e com acrescidas responsabilidades por ser neto de quem é. Esteve acertadíssimo na brega, menos certeiro na cravagem da ferragem e isso motivou a decisão de recusar a volta à arena, apesar de autorizada pelo director de corrida. Até nisso, Núncio reafirmou a sua classe e a sua forma de estar "à antiga". É um toureiro que dá gosto ver "abrir o livro". Parabens, Francisco.
Em dia de aniversário (cumpria 36 anos de vida), Vitor Ribeiro também esteve em destaque diante de um Castro que não permitia distracções. É um toureiro de raça e de luta e, como sempre, impôs-se e triunfou, emocionando tudo e todos. Teve uma temporada "pequena", mas marcante.
Mais "discreto" e mais "à mercê" do toiro, sem se conseguir impor ao oponente e abusando de alguma velocidade, apesar de ter tentado emotivas sortes frontais, andou o jovem Mateus Prieto. Exibiu quatro cavalos, terminou com um aplaudido "violino" e deu volta, mesmo assim.
Nota muito alta para os toiros sérios, de excelente apresentação e comportamento "à antiga" - toiros de Verdade, é o que é - da ganadaria Fernandes de Castro, que indiscutivelmente marcou a temporada pela emoção, pela seriedade e pelo gosto de voltarmos a ver, juntamente com outras divisas, o regresso dos toiros a uma Festa onde proliferavam, com agressivos abusos, os "animais domesticados". Justificadíssima a volta à arena do ganadero e de seu filho Filipe no sétimo toiro da corrida, um toiro de bandeira e que foi à luta até ao último momento da sua presença em praça. Os toiros foram recolhidos a cavalo por valentes e eficientes campinos, tendo um deles sofrido aparatosa colhida, sem consequências de maior.
Tarde de êxito, também, para oa valentes forcados dos grupos de Évora e do Aposento da Moita.
Pelos eborenses foram caras, todos ao primeiro intento e com oportuna e destacada intervenção de todo o grupo, João Madeira, Rui Gomes, Ricardo Sousa e Gonçalo Rovisco (este último numa heróica pega e com um par de braços do outro mundo). Grande e poderoso, como sempre, a rabejar, esteve Manuel Rovisco.
Pelos moitenses, que incompreensivelmente participaram este ano em apenas cinco corridas (o que se passou?), pegaram Salvador Pinto Coelho (à terceira), o valente e experiente José Maria Bettencourt e o também valoroso José Henriques, ambos à primeira e em sortes muito aplaudidas. Excelente, também, a actuação de todo o grupo.
Quando dava primeiras-ajudas a um companheiro, o forcado João Morais, do Aposento da Moita, ficou inanimado na arena, vivendo-se na praça momentos de grande dramatismo. Levado para a enfermaria, foi transportado do Hospital de Évora, onde se confirmou ter sofrido um traumatismo craniano, já se encontrando em casa em recuperação, como ontem noticiámos.
A corrida foi dirigida com aficion por João Cantinho, assessorado pelo médico veterinário e antigo forcado Feliciano Reis. Ao início da função, nas cortesias, guardou-se um minuto de silêncio pela memória de Augusto Gomes Júnior, pioneiro dos nossos toureiros a pé em arenas de Espanha (recentemente falecido com 100 anos de idade) e do matador espanhol José Maria Manzanares, que morreu na semana passada aos 61 anos.
O empresário António Manuel Cardoso "Nené", com mais de 30 anos de aplaudida actividade, anunciou que "cortava aqui a coleta". Oxalá repense esta decisão e não a cumpra. Para que o "poder" não caia definitivamente na rua...

Fotos Emílio de Jesus/fotojornalistaemilio@gmail.com