sexta-feira, 17 de julho de 2015

Campo Pequeno, ontem: foram-se os Canas e nem houve foguetes...

Manuel Telles Bastos reafirmou a elegância e a classe (tanta!) do seu toureio
antiga"
, mas esteve longe do apoteótico triunfo de 14 de Maio
A primeira lide de Duarte Pinto teve nível. A segunda, o melhor, mesmo, é
esquecer... Mais um cavaleiro que não soube aproveitar uma belíssima
oportunidade para sair triunfador da primeira praça do país...
A actuação de Miguel Moura no terceiro da ordem foi a mais aplaudida da noite.
No seu segundo, não repetiu o triunfo e abusou de mostrar as habilidades do
cavalo "Pinguim"...



Miguel Alvarenga - Pese embora o incontestado e reconhecido valor dos três jovens cavaleiros de dinastia que o integravam, o cartel da corrida de ontem no Campo Pequeno era o menos apelativo e o que fugia, de algum modo, ao altíssimo nível (exceptuando também o vulgaríssimo elenco da Corrida TV) que têm tido todos as anteriores da Temporada Sensacional na primeira praça do país. Os maiores atractivos de ontem eram, verdade seja dita, os toiros de Canas Vigouroux e o Concurso de Pegas. A data também não era das melhores - há sempre imensa gente a ir de férias no dia 15 - e por isso se compreende que as bancadas tenham registado a mais fraca afluência de público deste ano em Lisboa. Mesmo assim, meia casita pode considerar-se uma vitória. Esperava menos.
Os toiros de Pedro Canas Vigouroux não desiludiram as expectativas que rodeavam a sua presença no Campo Pequeno. Exceptuando o último, o sobrero lidado por Duarte Pinto - por o seu segundo toiro (quinto da ordem) ter manifestado evidentes debilidades, recolhendo aos currais - que foi manso e não serviu, os restantes sairam encastados e destacaram-se o segundo e terceiro da noite, tendo neste o ganadeiro recolhido muito justamente os aplausos do público no centro da arena, não dando no entando a volta que, merecidamente, lhe fora concedida pelo director de corrida Rogério Jóia. No que à apresentação diz respeito, não houve um consenso geral, houve toiros mais pequenos e outros mais encorpados, com mais trapio e mais no tipo da ganadaria. Houve, isso sim, unanimidade quanto à seriedade que impuseram e às poucas facilidades que deram aos toureiros e aos forcados. Manteve-se, inabalável, o carisma e o selo de toiros temidos, de uma ganadaria séria e dura. Mas, hoje, já longe do "terror" de outros tempos, quando se celebrizaram pela "sopa de corno" que invariavelmente davam aos forcados nas antigas corridas de Samora. A linha da ganadaria mudou e os Canas, mantendo a seriedade, estão hoje mais brandos...
Como se tratava de um Concurso de Pegas, vamos começar pelos Forcados - que foram, na verdade, os maiores protagonistas da noite de ontem.
Muito embora nas últimas corridas as grandes pegas efectuadas no Campo Pequeno se tenham ficado mais a dever aos forcados de cara do que propriamente à intervenção colectiva dos grupos - cito, como exemplos, a de Marcelo Loia na Corrida TV e a de Pedro Espinheira na quinta-feira passada - há que lembrar que uma pega é sempre feita por oito elementos e não apenas por um.
A pega que ontem venceu o concurso ficou a dever-se muito mais à decisão e ao querer do forcado da cara, o valente Guilherme Santos (quinta pega da noite), do que propriamente à intervenção dos restantes elementos dos Amadores de Beja, grupo que ganhou pelo segundo ano consecutivo. Foi uma pega de valor. Mas houve pegas mais perfeitas.
A de Nuno Toureiro (segunda da corrida), dos Amadores de Monforte, foi uma pega tecnicamente correcta e com intervenção coesa e pronta de todo o grupo a ajudar o brilhante forcado da cara, que esteve bem a citar, a recuar e se fechou com galhardia, aguentando derrotes sem nunca sair.
A última pega da noite, que coube também aos forcados de Monforte (por Duarte Pinto ter lidado no fim o sobrero em lugar do quinto toiro, que lhe pertencia e a este grupo, mas foi devolvido por incapacidades), embora executada à segunda tentativa pelo valente Vitor Carreiras, foi também uma grande e emotiva pega, com o forcado decidido e a querer, depois de na primeira intervenção ter sido violentamente derrotado.
Pelos Amadores de Beja, a primeira pega (terceira da corrida) foi executada com brilhantismo por Miguel Sampaio e aqui o grupo esteve muito melhor a ajudar do que na pega vencedora. É verdade, ficámos todos sem saber quem constituía o júri... porquê o anonimato?...
Os Amadores de Cascais abriram a noite com uma pega ao segundo intento a cargo de Ventura Doroteia e tiveram uma mais triunfal intervenção na quarta pega da noite, a centésima da carreira do valente cabo Joel Zambujeira, que esteve perfeito a recuar e a fechar-se com a usual decisão, muito bem ajudado por todos os companheiros. 100 pegas são uma vida e este é um dos grandes forcados da actualidade.
Agora os cavaleiros. Que se ficaram ontem a meio do caminho, isto é, tiveram apenas meios-triunfos, já que brilharam os três na primeira parte e depois do intervalo não conseguiram igualar os triunfos anteriores. Está bem que os toiros também ajudaram menos e o que melhor se evidenciou ainda foi Manuel Telles Bastos, apesar de não ter repetido o brilhantismo da primeira lide. Miguel Moura esteve meio desacertado na cravagem, sofreu um toque violento e abusou de mostrar as habilidades do excelente cavalo "Pinguim". Duarte Pinto perdeu por completo os papéis diante do manso sobrero e tudo correu em plano de desastre. Não esteve mal nos compridos, depois falhou o primeiro curto (acontece) e seguiu-se uma sucessão de desencontros do cavaleiro consigo próprio numa actuação daquelas que atiram qualquer toureiro ao fundo e que o melhor, mesmo, é esquecer. Foi só mais um que não soube aproveitar uma belíssima oportunidade de sair triunfador da primeira praça do país. A realidade é que, ao contrário do que muitos querem fazer crer, oportunidades não faltam, nem nunca faltaram a todos os toureiros, sem excepção. Muitos ficaram pelo caminho, outros ainda aí andam a penar e a maçar-nos, pela simples razão de que as deixaram passar ao largo. Mas de falta de oportunidade não se queixem, que é mentira.
Na primeira parte, Manuel Telles Bastos pôs em grande destaque a elegância e a distinta classe do seu toureio "à antiga", foi pena não ter resultado a intenção do primeiro comprido à "porta gaiola" (que viria a concretizar no segundo), mas depois cresceu e esteve ao seu melhor nível, de grande cavaleiro que é, destacando-se na correcta brega e na sempre emotiva e verdadeira forma como aborda os toiros e reúne ao estribo, como os livros mandam.
O segundo toiro tinha tudo para dar uma lide brilhante e Duarte Pinto aproveitou-o inteligentemente, fazendo sobressair a emoção do seu toureio frontal, vencendo o piton contrário, cravando com rigor, consentindo. Chegou ao público e teve o bonito gesto de, quando ia embora, aplaudir o toiro e com ele repartir o triunfo.
O mais clamoroso êxito da noite foi o de Miguel Moura no terceiro da ordem, outro grande toiro de Canas Vigouroux, a que o jovem benjamim da dinastia de Monforte deu lide perfeita. Tudo foi em crescendo e a praça entrou em verdadeiro alvoroço, levantou-se o público e brilhou Miguel na arena, com brega correcta, praticamente sem intervenção dos bandarilheiros e ferros com a marca - única, inigualável - da Casa Moura. Actuação brilhante. E agora, também, Miguel Moura sobre a mesa onde Rui Bento e a administradora do Campo Pequeno irão nos próximos dias delinear a segunda parte da temporada.
Sobretudo na colocação dos toiros para as pegas, bom desempenho dos bandarilheiros ontem intervenientes no Campo Pequeno: João Ribeiro "Curro" e António Telles Bastos (um jovem Senhor Toureiro), Marco Sabino e Joel Piedade e os veteranos João Ganhão e Nuno Oliveira.
E foi assim a nocturna de ontem em Lisboa: vieram os Canas, foram-se os Canas e, feitas as contas, não houve grandes razões para deitar muitos foguetes. A corrida valeu por metade, o melhor ainda foram as pegas.
O director Rogério Jóia teve carradas de razão quando concedeu a volta à arena, no terceiro toiro, ao ganadeiro Pedro Canas Vigouroux e, como sempre, pautou a sua actuação pelo usual manifesto desejo de ajudar e empurrar os toureiros para a frente. O Campo Pequeno é o Campo Pequeno e um pouco menos de condescendência e de maior rigidez (estilo Reinhardt), às vezes, não lhe ficaria mal. Esteve bem quando recusou mais um ferro a Miguel Moura na segunda parte da corrida. E não esteve bem quando permitiu mais um a Duarte Pinto no último da noite e muito menos, ainda, quando exibiu o lenço branco, permitindo-lhe a injustificada volta à arena - que o cavaleiro, consciente do desastre que protagonizara, recusou dar.
Foi, em suma, uma corrida assim-assim. Venham Pablo, Moura e Telles na próxima. Será melhor, certamente.

Fotos Maria João Mil-Homens