No início da corrida, os Forcados de Santarém foram condecorados com a Ordem de Mérito, atribuída pelo presidente da República, que se fez representar no Campo Pequeno pelo Prof. Valente de Oliveira |
Uma vez mais, João Moura Júnior reafirmou a sua incontestada liderança nesta temporada de absoluta e definitiva consagração |
João Telles "explodiu" finalmente ontem no Campo Pequeno, disse o que quer e para onde vai |
Lotação esgotada na oitava e última
corrida da primeira parte da Temporada Sensacional do Campo Pequeno, praça em
delírio com a histórica comemoração do centenário do glorioso Grupo de Forcados
Amadores de Santarém, que saíu pela porta grande, feito inédito em mais de cem
anos de existência da Monumental de Lisboa e noite de apoteose do toureio a
cavalo com momentos únicos em memoráveis actuações de Pablo Hermoso, de João
Moura Jr. e de João Ribeiro Telles. A noite terminou com um ambiente que
dificilmente se repetirá e que se junta assim ao histórico
"mano-a-mano" de Ventura e "El Juli" como dois momentos
marcantes e únicos do esplendor que se vive este ano no Campo Pequeno. E na temporada nacional.
Miguel Alvarenga - Este é, sem sombra de
dúvidas, o ano grande do Campo Pequeno. Que vive uma época de esplendor,
insisto, só comparável à das recordadas Fabulosas Corridas de Verão da década
de 60, quando à frente da primeira praça do país estava esse Homem único que
foi Manuel dos Santos. Pode não haver lugar a comparações possíveis, foram e
são tempos distintos, mas a verdade é que o fantástico trabalho que tem sido
desenvolvido por Rui Bento e pela Dama de Ferro, a Drª Paula Mattamouros Resende, há-de
ficar também no anais da História do Campo Pequeno e marca para todo o sempre
esta época de verdadeira glória que se vive na Monumental de Lisboa - que ontem
fechou, com lotação esgotada, a primeira parte de uma temporada que não tem
sido só "sensacional" de nome, tem-no sido mesmo de verdade.
E este é também o ano grande dos
forcados e das pegas memoráveis. Depois das brilhantes actuações de todos os
grupos que passaram pelas oito primeiras corridas do ano na capital e entre as
quais há que destacar a de Marcelo Loia (Barrete Verde de Alcochete) na Corrida
TV e a de Pedro Espinheira na noite de homenagem a Mestre Batista, a nocturna
de ontem consagrou uma vez mais, sem que isso fosse minimamente necessário
(todo o mundo reconhece tudo aquilo que em cem anos de existência significou a
trajectória do Grupo de Forcados Amadores de Santarém), o mais antigo grupo de
forcados do mundo - que, caso inédito, abriu a porta grande e por ela saíu
apoteoticamente "em ombros", como prémio pela memorável actuação de
ontem e por obra e graça das três voltas que deu à arena esse miúdo franzino,
pequeno, cara de ainda jovenzinho, de nome António Goes, autor da quinta pega
da noite, pega não, um pegão do outro mundo, quatro vezes sofreu violentos derrotes, quatro
vezes esteve para sair e quatro vezes ali ficou, braços de ferro, coração de
gigante, e o público levantou-se como que impelido por uma mola, acho que
ninguém ficou sentado, e o honrou minutos a fio com a mais estrondosa ovação
que nos últimos anos se ouviu numa praça de toiros. Três voltas e muitas mais
dava, não fosse humildemente recolher à trincheira e se juntar aos seus, honrados
e orgulhosos, que o abraçaram, apertaram e beijaram pelo seu feito histórico,
quando todos continuavam de pé e o aclamavam em delírio numa noite que vai
ficar gravada por muitos anos na memória de todos.
Seis pegas enormes
Pega enorme, como enormes foram ontem
todas as outras pegas dos Amadores de Santarém, a do cabo Diogo Sepúlveda (que
forcado, meu Deus, como recua, como toureia, como se fecha, com que decisão e
com que técnica o faz), a de João Grave (valente e técnico forcado de ilustre
dinastia, o único que concretizou à segunda, porque na primeira sofreu alto
derrote, fez o pino sobre o toiro e caíu, mas depois foi-se de novo a ele com o
costumeiro querer e lá ficou com perfeição e rigor), a do consagrado Luis Sepúlveda
(outro forcado de eleição e também de dinastia), a de Lourenço Ribeiro
(perfeita, fantástica) e a última, de João de Brito (que quase esteve fora da
cara do toiro e se emendou com arte e com saber, também com a coesa ajuda de
todos os companheiros).
O grupo esteve sempre bem a ajudar,
David Romão implacável a rabejar, Ricardo Tavares também - foi inteiramente
merecida a volta final que todos deram no último toiro e mais que justificada a
saída triunfal pela porta grande, um feito único e histórico em mais de cem
anos de Campo Pequeno.
A corrida começou com um minuto de
silêncio em memória do grande forcado que foi Luis Freire Gameiro e logo a
seguir, com a atribuição da Ordem de Mérito agraciada aos Amadores de Santarém
pelo presidente da República, tendo o cabo Diogo Sepúlveda recebido as
insígnias de tão honrosa condecoração das mãos do Prof. Dr. Luis Valente de
Oliveira, Chanceler das Ordens de Mérito, em representação do Prof. Cavaco
Silva. Ao intervalo foi descerrada no átrio da praça uma placa assinalando a
comemoração do centenário do grupo e ao longo da corrida houve brindes dos
forcados ao representante do presidente da República, aos dois antigos forcados
Francisco e Luis Gameiro (filhos de Luis Freire Gameiro, falecido na semana
passada) e também a Nuno Megre, glória nunca esquecida (como é que alguém o
poderia esquecer?) dos Amadores de Santarém. Noite grande, emotiva e carregada
de um simbolismo único.
Pablo e a apoteose do toureio a cavalo
Apesar do pouco empenho dos toiros da
ganadaria de Mestre David Ribeiro Telles, de que apenas se destacaram os dois
últimos e muito em particular o último (texto), os três cavaleiros
encarregaram-se de pôr e de dar o que nos toiros não havia e por isso, mercê da
sabedoria e da inteligência de Pablo, de Moura e de Telles, quase não se deu
pela pouca transmissão e pela escassa emoção que os caracterizou no geral (aos
toiros, obviamente).
Esta nova linha da afamada ganadaria,
que teve sempre comportamento duro e emotivo, resultante agora do trabalho
desenvolvido a partir da introdução de um semental de encaste Murube de
Francisco Romão Tenório, permitiu dar um toque mais "light" aos
temidos toiros de Telles, proporcional ao toureio de arte que estes toureiros
interpretam, retirando, contudo, a emoção e a transmissão que se deseja e é,
afinal, a grande essência do espectáculo tauromáquico.
Os toiros de ontem estavam corpolentos,
muito bem apresentados, proporcionaram grandes pegas e só não condicionaram
artisticamente o espectáculo porque, na verdade, estavam em praça três grandes
toureiros e todos eles a viver momentos únicos nas suas carreiras.
Os dois de Pablo Hermoso pouco
investiram. Valeram as magníficas montadas do rejoneador e a sua imensa arte, a
sua forma tão peculiar de interpretar o toureio a cavalo. Tudo o que fez
parecia fácil, houve momentos que galvanizaram o público, num misto de bom
toureio e de estético bailado, maravilhoso, empolgante mesmo. O público
lisboeta voltou a manifestar o seu grande carinho por Pablo e Pablo voltou
também a corresponder. Houve ligeira oposição (assobios) quando no quarto
terminou a lide com o "carroucel" de bandarilhas curtas, mas Pablo
Hermoso calou os poucos assobios com um magnífico e perfeito par de bandarilhas
montando o elástico cavalo "Pirata". Viveu momentos altos com o
"Churumay", com o "Berlin" e com o "Disparate".
Manteve, em suma, o altíssimo nível que em 25 anos de alternativa tem pautado
as suas actuações em Portugal - onde continua a ser um ídolo,
indiscutivelmente.
Moura Júnior na liderança
João Moura Júnior foi ontem protagonista
no Campo Pequeno de mais duas marcantes actuações, onde voltou a reafirmar, sem
discussão possível, a sua liderança nesta temporada de máxima consagração.
Um toque violento no primeiro toiro e
outro quando entrou em terrenos apertados para cravar o terceiro curto no
quinto da ordem, foram as nódoas negras de duas lides monumentais e onde a
perfeição, o risco, o querer e a sua serena determinação voltaram a marcar
pontos.
Houve brega perfeita, interpretou a
"hermosina" para mostrar que também sabe, deixou na arena o perfume
raro e único da maestria mourista e levou o Campo Pequeno ao rubro com ferros
"dos que dão dinheiro" e marcam, na verdade, a diferença e a força de um toureiro
que chegou ao mais alto dos patamares.
Vive um momento de sólida grandeza e
continua a dar mais e mais em cada actuação. O público levantou-se a
aplaudi-lo, sobretudo no quinto toiro da corrida, faena que empolgou e deixou
bem marcada a posição e o estatuto de primeira figura que alcançou e que já
mostrou que não vai largar por nada deste mundo.
Teve no fim o bonito gesto de entrar em
praça para dar a volta a bater palmas ao forcado António Goes, a quem entregou
simbolicamente o tricórnio. Deram a volta juntos e depois deixou-o sózinho - um
pequeno e tão simples pormenor que confirma a grandeza de um Toureiro. E de um
Homem.
O grande "tiro" de Telles
João Ribeiro Telles está de novo em alta e a
impor-se, depois de uma trajectória mais apagada em 2014, que não deu sequência
ao ano triunfal de 2013. Ontem no Campo Pequeno deu por fim o grande
"tiro" que todos esperavam - e ele, mais que todos, desejava.
Moralizado, bem montado, com a máquina
toda oleada, esteve bem no seu primeiro toiro (que não dava para muito, mas a
que espremeu com arte todo o sumo) e desenhou uma lide fantástica no último.
Teve um pormenor importante: para que não dissessem que conquistava o público
pela facilidade dos "violinos", ontem nem os tocou...
Viu-se um João Telles com vontade e com
consistência, com argumentos, a tourear a gosto e com verdade, com risco, com
ousadia e a colocar emoção em todos os ferros. Esteve acima da média e voltou a
impor-se magistralmente entre os primeiros. Foi, de facto, um "tiro"
certeiro e decisivo e que faz dele
agora um dos mais importantes cavaleiros desta temporada. E um dos mais sérios competidores para João Moura Júnior.
Estiveram em praça excelentes
bandarilheiros e todos eles dignos de aplauso e referência: José Franco
"Grenho" e José Manuel Rodríguez, Diogo Malafaia, Benito Moura e
Jorge Alegrias, Nuno Oliveira e João Curto. E a corrida foi bem dirigida por
Manuel Gama, também ele antigo forcado dos Amadores de Santarém. Ontem, os reis
da histórica noite.
Fotos Emílio de Jesus e Maria João Mil-Homens