sexta-feira, 24 de julho de 2015

Campo Pequeno, ontem: tão cedo, não viveremos uma noite assim!

No início da corrida, os Forcados de Santarém foram condecorados com a Ordem
de Mérito
, atribuída pelo presidente da República, que se fez representar no
Campo Pequeno pelo Prof. Valente de Oliveira
Faltaram toiros, mas sobrou Pablo! Maestria de Hermoso de Mendoza foi mais
que suficiente para rubricar duas empolgantes actuações... onde tudo pareceu
fácil. Público de Lisboa voltou a entregar-se ao navarro
Uma vez mais, João Moura Júnior reafirmou a sua incontestada liderança nesta
temporada de absoluta e definitiva consagração
João Telles "explodiu" finalmente ontem no Campo Pequeno, disse o que quer e
para onde vai



Lotação esgotada na oitava e última corrida da primeira parte da Temporada Sensacional do Campo Pequeno, praça em delírio com a histórica comemoração do centenário do glorioso Grupo de Forcados Amadores de Santarém, que saíu pela porta grande, feito inédito em mais de cem anos de existência da Monumental de Lisboa e noite de apoteose do toureio a cavalo com momentos únicos em memoráveis actuações de Pablo Hermoso, de João Moura Jr. e de João Ribeiro Telles. A noite terminou com um ambiente que dificilmente se repetirá e que se junta assim ao histórico "mano-a-mano" de Ventura e "El Juli" como dois momentos marcantes e únicos do esplendor que se vive este ano no Campo Pequeno. E na temporada nacional.

Miguel Alvarenga - Este é, sem sombra de dúvidas, o ano grande do Campo Pequeno. Que vive uma época de esplendor, insisto, só comparável à das recordadas Fabulosas Corridas de Verão da década de 60, quando à frente da primeira praça do país estava esse Homem único que foi Manuel dos Santos. Pode não haver lugar a comparações possíveis, foram e são tempos distintos, mas a verdade é que o fantástico trabalho que tem sido desenvolvido por Rui Bento e pela Dama de Ferro, a Drª Paula Mattamouros Resende, há-de ficar também no anais da História do Campo Pequeno e marca para todo o sempre esta época de verdadeira glória que se vive na Monumental de Lisboa - que ontem fechou, com lotação esgotada, a primeira parte de uma temporada que não tem sido só "sensacional" de nome, tem-no sido mesmo de verdade.
E este é também o ano grande dos forcados e das pegas memoráveis. Depois das brilhantes actuações de todos os grupos que passaram pelas oito primeiras corridas do ano na capital e entre as quais há que destacar a de Marcelo Loia (Barrete Verde de Alcochete) na Corrida TV e a de Pedro Espinheira na noite de homenagem a Mestre Batista, a nocturna de ontem consagrou uma vez mais, sem que isso fosse minimamente necessário (todo o mundo reconhece tudo aquilo que em cem anos de existência significou a trajectória do Grupo de Forcados Amadores de Santarém), o mais antigo grupo de forcados do mundo - que, caso inédito, abriu a porta grande e por ela saíu apoteoticamente "em ombros", como prémio pela memorável actuação de ontem e por obra e graça das três voltas que deu à arena esse miúdo franzino, pequeno, cara de ainda jovenzinho, de nome António Goes, autor da quinta pega da noite, pega não, um pegão do outro mundo, quatro vezes sofreu violentos derrotes, quatro vezes esteve para sair e quatro vezes ali ficou, braços de ferro, coração de gigante, e o público levantou-se como que impelido por uma mola, acho que ninguém ficou sentado, e o honrou minutos a fio com a mais estrondosa ovação que nos últimos anos se ouviu numa praça de toiros. Três voltas e muitas mais dava, não fosse humildemente recolher à trincheira e se juntar aos seus, honrados e orgulhosos, que o abraçaram, apertaram e beijaram pelo seu feito histórico, quando todos continuavam de pé e o aclamavam em delírio numa noite que vai ficar gravada por muitos anos na memória de todos.

Seis pegas enormes

Pega enorme, como enormes foram ontem todas as outras pegas dos Amadores de Santarém, a do cabo Diogo Sepúlveda (que forcado, meu Deus, como recua, como toureia, como se fecha, com que decisão e com que técnica o faz), a de João Grave (valente e técnico forcado de ilustre dinastia, o único que concretizou à segunda, porque na primeira sofreu alto derrote, fez o pino sobre o toiro e caíu, mas depois foi-se de novo a ele com o costumeiro querer e lá ficou com perfeição e rigor), a do consagrado Luis Sepúlveda (outro forcado de eleição e também de dinastia), a de Lourenço Ribeiro (perfeita, fantástica) e a última, de João de Brito (que quase esteve fora da cara do toiro e se emendou com arte e com saber, também com a coesa ajuda de todos os companheiros).
O grupo esteve sempre bem a ajudar, David Romão implacável a rabejar, Ricardo Tavares também - foi inteiramente merecida a volta final que todos deram no último toiro e mais que justificada a saída triunfal pela porta grande, um feito único e histórico em mais de cem anos de Campo Pequeno.
A corrida começou com um minuto de silêncio em memória do grande forcado que foi Luis Freire Gameiro e logo a seguir, com a atribuição da Ordem de Mérito agraciada aos Amadores de Santarém pelo presidente da República, tendo o cabo Diogo Sepúlveda recebido as insígnias de tão honrosa condecoração das mãos do Prof. Dr. Luis Valente de Oliveira, Chanceler das Ordens de Mérito, em representação do Prof. Cavaco Silva. Ao intervalo foi descerrada no átrio da praça uma placa assinalando a comemoração do centenário do grupo e ao longo da corrida houve brindes dos forcados ao representante do presidente da República, aos dois antigos forcados Francisco e Luis Gameiro (filhos de Luis Freire Gameiro, falecido na semana passada) e também a Nuno Megre, glória nunca esquecida (como é que alguém o poderia esquecer?) dos Amadores de Santarém. Noite grande, emotiva e carregada de um simbolismo único.

Pablo e a apoteose do toureio a cavalo

Apesar do pouco empenho dos toiros da ganadaria de Mestre David Ribeiro Telles, de que apenas se destacaram os dois últimos e muito em particular o último (texto), os três cavaleiros encarregaram-se de pôr e de dar o que nos toiros não havia e por isso, mercê da sabedoria e da inteligência de Pablo, de Moura e de Telles, quase não se deu pela pouca transmissão e pela escassa emoção que os caracterizou no geral (aos toiros, obviamente).
Esta nova linha da afamada ganadaria, que teve sempre comportamento duro e emotivo, resultante agora do trabalho desenvolvido a partir da introdução de um semental de encaste Murube de Francisco Romão Tenório, permitiu dar um toque mais "light" aos temidos toiros de Telles, proporcional ao toureio de arte que estes toureiros interpretam, retirando, contudo, a emoção e a transmissão que se deseja e é, afinal, a grande essência do espectáculo tauromáquico.
Os toiros de ontem estavam corpolentos, muito bem apresentados, proporcionaram grandes pegas e só não condicionaram artisticamente o espectáculo porque, na verdade, estavam em praça três grandes toureiros e todos eles a viver momentos únicos nas suas carreiras.
Os dois de Pablo Hermoso pouco investiram. Valeram as magníficas montadas do rejoneador e a sua imensa arte, a sua forma tão peculiar de interpretar o toureio a cavalo. Tudo o que fez parecia fácil, houve momentos que galvanizaram o público, num misto de bom toureio e de estético bailado, maravilhoso, empolgante mesmo. O público lisboeta voltou a manifestar o seu grande carinho por Pablo e Pablo voltou também a corresponder. Houve ligeira oposição (assobios) quando no quarto terminou a lide com o "carroucel" de bandarilhas curtas, mas Pablo Hermoso calou os poucos assobios com um magnífico e perfeito par de bandarilhas montando o elástico cavalo "Pirata". Viveu momentos altos com o "Churumay", com o "Berlin" e com o "Disparate". Manteve, em suma, o altíssimo nível que em 25 anos de alternativa tem pautado as suas actuações em Portugal - onde continua a ser um ídolo, indiscutivelmente.

Moura Júnior na liderança

João Moura Júnior foi ontem protagonista no Campo Pequeno de mais duas marcantes actuações, onde voltou a reafirmar, sem discussão possível, a sua liderança nesta temporada de máxima consagração.
Um toque violento no primeiro toiro e outro quando entrou em terrenos apertados para cravar o terceiro curto no quinto da ordem, foram as nódoas negras de duas lides monumentais e onde a perfeição, o risco, o querer e a sua serena determinação voltaram a marcar pontos.
Houve brega perfeita, interpretou a "hermosina" para mostrar que também sabe, deixou na arena o perfume raro e único da maestria mourista e levou o Campo Pequeno ao rubro com ferros "dos que dão dinheiro" e marcam, na verdade, a diferença e a força de um toureiro que chegou ao mais alto dos patamares.
Vive um momento de sólida grandeza e continua a dar mais e mais em cada actuação. O público levantou-se a aplaudi-lo, sobretudo no quinto toiro da corrida, faena que empolgou e deixou bem marcada a posição e o estatuto de primeira figura que alcançou e que já mostrou que não vai largar por nada deste mundo.
Teve no fim o bonito gesto de entrar em praça para dar a volta a bater palmas ao forcado António Goes, a quem entregou simbolicamente o tricórnio. Deram a volta juntos e depois deixou-o sózinho - um pequeno e tão simples pormenor que confirma a grandeza de um Toureiro. E de um Homem.

O grande "tiro" de Telles

João Ribeiro Telles está de novo em alta e a impor-se, depois de uma trajectória mais apagada em 2014, que não deu sequência ao ano triunfal de 2013. Ontem no Campo Pequeno deu por fim o grande "tiro" que todos esperavam - e ele, mais que todos, desejava.
Moralizado, bem montado, com a máquina toda oleada, esteve bem no seu primeiro toiro (que não dava para muito, mas a que espremeu com arte todo o sumo) e desenhou uma lide fantástica no último. Teve um pormenor importante: para que não dissessem que conquistava o público pela facilidade dos "violinos", ontem nem os tocou...
Viu-se um João Telles com vontade e com consistência, com argumentos, a tourear a gosto e com verdade, com risco, com ousadia e a colocar emoção em todos os ferros. Esteve acima da média e voltou a impor-se magistralmente entre os primeiros. Foi, de facto, um "tiro" certeiro e decisivo  e que faz dele agora um dos mais importantes cavaleiros desta temporada. E um dos mais sérios competidores para João Moura Júnior.
Estiveram em praça excelentes bandarilheiros e todos eles dignos de aplauso e referência: José Franco "Grenho" e José Manuel Rodríguez, Diogo Malafaia, Benito Moura e Jorge Alegrias, Nuno Oliveira e João Curto. E a corrida foi bem dirigida por Manuel Gama, também ele antigo forcado dos Amadores de Santarém. Ontem, os reis da histórica noite.

Fotos Emílio de Jesus e Maria João Mil-Homens