Segunda lide de Rui Salvador foi um portento, uma lição. Parecia o Salvador de há trinta anos! |
O matador francês Juan Bautista deu muitos passes, mas apenas cumpriu... |
Bastinhas ontem esteve apenas vulgar - e com velocidade a mais... longe do seu melhor |
Maurício do Vale cantou com Pinto Basto o fado de Mestre Batista |
O espectáculo de ontem iniciou-se com um bonito e aplaudido momento de Fado e de Cante Alentejano nas vozes de António Pinto Basto, Teresa Tapadas e Gustavo Pinto Basto e do Grupo Coral de Monsaraz |
D. Francisco de Mascarenhas, que foi em 1958 na Moita o padrinho da alternativa de Mestre Batista (depois de o terem chumbado no Campo Pequeno...), recebeu calorosa ovação no início da corrida |
Miguel Alvarenga - Ontem no Campo
Pequeno, Rui Salvador prestou a mais bonita e a mais emotiva das homenagens que
se podiam ter prestado à memória desse cavaleiro eterno que é e será para todo o sempre José Mestre
Batista e de que ele próprio foi, também em Lisboa, o último afilhado de alternativa.
Depois de ter andado meio à deriva no
seu primeiro toiro, um sobrero de Falé Filipe (por ter apresentado manifesta
debilidade nos currais o de Luis Rocha que lhe cabia em primeiro lugar) que
brigou o tempo todo e andou sempre danado para o atirar ao chão, sofrendo Rui
evitáveis encontrões no cavalo, entrou depois em praça no sexto da noite com
a decisão e a raça de outros tempos, o enorme brio profissional que sempre o
caracterizou e a ousadia daqueles "ferros impossíveis", impróprios
para cardíacos e que põem sempre as coisas "en su sítio". Esteve
enorme, magistral e em plano de tremenda maestria, pisando terrenos de grande
compromisso, saindo airosamente e com aquela arte e aquele toque de suprema
magia, fazendo lembrar o Rui Salvador de há trinta anos. Foi uma actuação para
recordar, para acabar de vez com a má sorte que tem tido no Campo Pequeno, a
marcar de forma decisiva o querer e a garra de um Toureiro que, não estando bem
no primeiro toiro, veio para a luta no segundo com todas as suas armas e com o
seu coração de gigante, dizer que não baixa os braços e nunca se dá por
vencido, era o que faltava. Foi, acima de tudo, uma lição na qual os mais novos
(não vale a pena voltar a falar da falta de ambição de alguns que oito dias
antes estiveram naquela mesma arena...) deviam pôr os olhos - e seguir à risca,
se é que ainda querem ser alguém. Grande Rui Salvador!
E numa temporada onde o toureio a pé
está de novo a levantar a cabeça, mais pelo empurrão que lhe têm dado os
estrangeiros que aqui toureiam (primeiro "El Juli", agora Álamo), do
que propriamente pela existência de figuras nacionais, os melhores momentos da
noite de ontem em Lisboa foram precisamente protagonizados pela arte, pelo
temple, pela entrega e pelo valor de Juan del Álamo, a nova vedeta de Espanha -
que se provou merecer por inteiro esta presença no Campo Pequeno, onde veio
pelo seu valor e pelo lugar que neste momento ocupa no panorama taurino
mundial, muito mais que pelo simples facto de ser apoderado por Rui Bento, o
director de Actividades Tauromáquicas da primeira praça do país. Isso será
apenas e só uma coincidência, mas também a confirmação do estatuto de grande
taurino internacional do nosso antigo matador de toiros.
Juan del Álamo entusiasmou o público do
Campo Pequeno com uma primeira faena de muito bom nível e de muito bom gosto,
onde pontificou a classe e os bons modos de um toureiro que vive
indiscutivelmente o seu momento - e o está a aproveitar e a desfrutar como deve
ser.
No segundo e último toiro da noite,
outro bom exemplar de Falé Filipe, relaxou (no bom sentido), deixou adormecer a
sua muleta e o resultado foi uma faena templadíssima e compassada, pés parados,
a cintura a dobrar-se e o toiro a investir, como que hipnotizado, numa bonito e
arrepiante bailado de maravilha, de pleno domínio e de suprema realização
artística. Melhor era impossível e Juan del Álamo conquistou o Campo Pequeno,
como noutros tempos o conquistaram grandes e lembrados nomes como
"Paquirri", Dámaso González, "Currillo", "Niño de la
Capea" e Ruiz Miguel. Esperemos que volte depressa.
O outro matador, o francês Juan
Bautista, não teve nem de perto, nem de longe, o nível e o glamour de Juan del
Álamo. Esteve acertado com os dois toiros de Falé Filipe, bem de capote, deu
muitos passes de muleta, limitou-se a cumprir, mas sem alardes de grande
destaque.
E Joaquim Bastinhas andou demasiado ao
largo no seu primeiro toiro, nunca cravando de frente. Deu o show costumeiro,
cravou o par, saltou do cavalo, foi muito aplaudido, mas esteve longe do seu
melhor. No segundo, voltou a estar apenas vulgar e nem deu volta à arena.
Grande, grande, esteve Pedro Espinheira,
cabo dos Amadores do Ribatejo, com um pegão à primeira muito idêntico, quase
igual, ao de Marcelo Loia, uma semana antes. O grupo não esteve à altura e a
pega valeu pela decisão do grande forcado, que aguentou monumentais derrotes, a
fuga do toiro ao grupo e ali se manteve, de pedra e cal, sem nunca sair,
fechado de braços e pernas como os maiores.
Outra valente pega de João Guerreiro, à
segunda, marcou ontem a triunfal presença do Grupo do Ribatejo no Campo
Pequeno.
Pelos Amadores de Monsaraz pegaram
Nelson Campaniço (à terceira) e Luis Rodrigues numa emotiva pega à primeira.
Joaquim de Oliveira bandarilhou com a
arte e o poderio com que se está a revelar como um dos primeiros em Portugal,
sendo mesmo obrigado a agradecer as calorosas ovações do público de montera em
mão, sagrando-se também um dos triunfadores da nocturna de ontem no Campo
Pequeno. Diogo Malafaia não esteve feliz com as bandarilhas, havendo ainda a
destacar dois grandes pares dos subalternos da quadrilha de Bautista.
Duros, a pedir contas, mas lidáveis, os
três toiros de Luis Rocha. De boa nota os de Falé Filipe lidados a pé, com
destaque para o segundo (quarto da noite) e para o último.
O espectáculo iniciou-se com um bonito
espectáculo de Fado a cargo de António Pinto Basto, Teresa Tapadas e Gustavo
Pinto Basto e que contou com intervenção especial de Maurício do Vale, que
cantou com António o fado de Mestre Batista que o falecido João Braza
imortalizou. Aplaudida presença, também, dos cantares alentejanos com a
actuação do Grupo Coral de Monsaraz.
Nesta sexta corrida da temporada do
Campo Pequeno, que foi a do jornal "Correio da Manhã", prestou-se
emotiva homenagem à memória do saudoso cavaleiro José Mestre Batista. Ao início
da corrida, a viúva do cavaleiro, Tininha Batista, recebeu na arena as
homenagem da administração do Campo Pequeno, na pessoa da Drª Paula Resende e
depois, na presença do presidente da Câmara de Reguengos e de António Garçoa,
antigo bandarilheiro de confiança de Batista, fez ao Museu do Campo Pequeno a
oferta de uma casa castanha de seu marido. Durante a corrida, Bastinhas e os
forcados brindaram a Tininha Batista e Rui Salvador ergueu o tricórnio aos céus
oferecendo a primeira lide ao seu padrinho de alternativa e a segunda a Luis
Miguel da Veiga, companheiro de Batista em mais de 400 corrida nos anos de ouro
de 60.
A primeira grande ovação da noite foi
para a presença na arena, de novo vestido de toureiro, de Mestre Luis Miguel da
Veiga, que participou simbolicamente nas cortesias, bem como o cavaleiro
francês Luc Jalabert, o primeiro toureiro gaulês a receber a alternativa em
Portugal, no Campo Pequeno, apadrinhado por Mestre Batista. Duas nostálgicas
presenças numa noite de emoções e gratas recordações.
Manuel Gama dirigiu ontem a corrida de
Lisboa, com o habitual acerto, mas com algumas condescendências. Não se
entendeu muito bem porque autorizou a volta à arena a Salvador e ao forcado no
segundo toiro da noite, nem como a permitiu a Juan Bautista no terceiro, depois
de não ter exibido o lenço branco ao matador. Presumo que Bautista desconheça
essa nova moda dos lenços (mas alguém o devia ter instruído nesse sentido) e
que Gama apenas tenha tido um gesto de boa educação ao não mandá-lo retirar-se assim que este
iniciou a volta não autorizada. Enfim...
Resumindo e concluindo, apesar de ter
sido a corrida com menos público desta temporada no Campo Pequeno (cerca de
meia entrada), a primeira praça do país voltou a marcar pelo glamour e continua
a ir "a mais", permanecendo indiscutivelmente na moda. A corrida foi de oito toiros, como eram as mistas de antigamente, mas não resultou enfadonha, teve ritmo e durou poucos minutos mais que a da semana passada, a da TV, de triste memória.
Ontem deu-se
mais um passo importante em prol da reconsolidação do toureio a pé, mercê da
arte de Juan del Álamo. E assistimos a uma lição enorme de raça e de brio
profissional de Rui Salvador, que vai marcar esta temporada.
Fotos Emílio de
Jesus/fotojornalistaemilio@gmail.com