Há alguns anos que a "Palha Blanco" não registava uma enchente como a de ontem |
Pedrito de Portugal recebeu assim o seu segundo toiro. Vinha com ganas de triunfar, mas depois... |
Momento da aparatosa colhida de Pedrito no seu segundo toiro, felizmente sem consequências de maior |
António Telles esteve razoável no primeiro toiro, muito bem no segundo e nem parecia ele no terceiro... |
Miguel Alvarenga - Somos, graças a Deus,
amigos de verdade há muitos anos e por isso sei bem do que falo: o empresário
Paulo Pessoa de Carvalho é um romântico da Festa e um apaixonado pela Festa,
foi um valente forcado e é um empresário meio doido. Mas no bom sentido.
Começou por anunciar para a corrida de ontem em Vila Franca de Xira, a
tradicional mista do Colete Encarnado, a apresentação como matador de Manuel
Dias Gomes, a quem até Osvaldo Falcão disponibilizou o capote de passeio usado
na tarde da alternativa em Badajoz por seu irmão, o grande e saudoso José
Falcão. Caíu nas graças da difícil aficion vilafranquense. E depois caíu em
desgraça no mesmo seio quando decidiu, de repente, alterar tudo e montar um
"mano-a-mano" entre António Telles e Pedrito de Portugal. Mas foi em
frente, indiferente à chuva de críticas que lhe foram fazendo nas redes
sociais. Arriscou, foi ousado, foi diferente - e o resultado foi uma praça
cheia, um Colete Encarnado como noutros tempos, uma moldura humana de
entusiasmo e de calor nas bancadas da "Palha Blanco". Por isso e pelo
escasso brilhantismo artístico da corrida - às vezes, estas coisas acontecem e
ontem a montanha acabou por parir um ratito - ele foi o grande triunfador da
tarde. E era ele quem merecia ter saído em ombros. A Festa precisa de tardes
como a de ontem, de praças cheias, de discussão, de calor nas bancadas. E
precisa de empresários doidos como o Paulo é. Precisa de coisas diferentes - e
mais nada.
Pelo entusiasmo, pela expectativa e pelo
ambiente que rodeou esta corrida, ela tinha que ter terminado com o Telles e o
Pedrito em ombros. Mas ficou muito aquém do que se esperava - e, sobretudo, do
que se impunha.
O público foi à praça para rever
Pedrito. Pese embora o enorme cartel que António Telles tem em Vila Franca - e
tem mesmo - ontem os aficionados estavam ali para voltar a ver Pedrito de
Portugal. E a verdade é que, apesar de todos os incidentes de percurso que têm
marcado a sua carreira (mal conduzida... o que o Pedrito podia e devia ser, e
não é...), o toureiro ainda leva gente às praças.
Infelizmente e feitas as contas, Pedrito
esteve muito bem no seu primeiro toiro e por ali se ficou. Mas vinha com ganas
e vinha com vontade. Provou-o ao receber destemidamente o seu segundo toiro de
joelhos em terra, com uma "larga afarolada" de ambição e de querer. O
exemplar de Falé Filipe era complicado, pedia um toureiro com poder e Pedrito é
um toureiro de arte. Faltou-lhe ofício para dar a volta a um toiro que
procurava sistematicamente o vulto e que o acabou mesmo por colher de má
maneira. Abreviou. E também é de justiça referir que tudo o vento levou...
Pedrito foi altamente prejudicado pela ventania que se fez sentir em Vila
Franca. O vento, mais que qualquer toiro, é o pior inimigo do toureio a pé.
No último, com mais qualidade, voltou a
dar um ar da sua imensa graça, da sua classe, do seu temple, da sua entrega.
Resumindo, toureou muito bem para quem
toureia tão pouco, para quem acusa a falta de sítio. No primeiro toiro, foi o
Pedrito de outros tempos. Mesmo assim, faltou muito para o êxito sonhado - e
que todos queríamos, para bem do renascimento de um Pedrito que faz falta e
também para o eternamente adiado regresso em força do toureio a pé, sobretudo
depois do memorável triunfo de "El Juli" em Lisboa. Valeu, isso sim,
repito, a aposta ganha pelo empresário Paulo Pessoa de Carvalho.
António Ribeiro Telles começou mal,
deixando três compridos mal colocados no primeiro e fantástico toiro de Charrua que
lidou. Recompôs-se nos curtos.
No segundo, também de excelente nota,
triunfou com uma actuação "à António", muito boa.
No último, um toiro bravo e que pedia
contas, nem parecia o António Telles... Andou descontrolado, meteu-se
(educadamente, mas meteu-se) com o público, sofreu violentos "encontrões"
e "perdeu os papéis", coisa que nunca costuma acontecer com ele. O
director de corrida mandou a música tocar e António mandou-a parar, depois
pediu-a outra vez. Foi uma tourada à antiga...
Os valentes Forcados de Vila Franca
estiveram, como estão sempre, à altura do seu enorme prestígio. Três pegas à
primeira e o grupo sempre extraordinário a ajudar, com a usual coesão.
As duas primeiras pegas, de Rui Godinho
e Ricardo Patusco (não desfazendo, é um dos forcados que mais admiro) foram
excelentes e perfeitas pela técnica e pela raça de ambos, mas tiveram pouca espectacularidade por que os toiros seguiram o
seu caminho sem derrotar e sem brigar. A última, de Pedro Castelo, resultou
mais emotiva. O consagrado forcado saíu lesionado numa perna e a coxear e só
por isso não deu volta à arena, recolhendo nos médios a calorosa ovação do
público.
Com toiros que não foram fáceis,
viram-se grandes pares de bandarilhas de Joaquim Oliveira e Fábio Machado,
Cláudio Miguel e Pedro Gonçalves, tendo os quatro agradecido reconhecidas
ovações de montera em mão. Ao fulgor e à raça dos mais novos - Cláudio, Fábio e
Oliveira estiveram poderosos e magistrais - impôs-se, com a arte
costumeira e o poderio de sempre, apesar da idade e da "gordura"
(tens mesmo que emagrecer...) o saber e a técnica do veterano Pedro Gonçalves e isso, meus
amigos, há que reconhecê-lo. Esteve ali, ao lado do seu Maestro de sempre,
quando devia ter estado na Monumental de Madrid, onde toureava o novilheiro
Miguel Ángel Silva, a cuja quadrilha pertence. Esteve ali e deu a cara. Sem as
faculdades de outros tempos. Mas com a mesma dignidade. De sempre.
Por fim, as cortesias. Pedrito de
Portugal fê-las à usança espanhola, atravessou a praça, recolheu os aplausos e
deixou António Telles a fazê-las à portuguesa. Houve quem criticasse. Eu
aplaudo. E apoio. E explico por quê: há tradições estúpidas que não têm que
vigorar por uma vida inteira. As cortesias à portuguesa remontam aos primórdios
da nossa Festa, no tempo em que as corridas eram quase só com cavaleiros e os
capinhas eram figuras secundárias, ficando ali espectados no centro da arena, a
olhar para o ar, enquanto os cavaleiros recolhiam os aplausos do público. Os
tempos mudaram e nunca fez sentido para mim que andassem os cavaleiros e fazer
de primeiras figuras e a cumprimentar as pessoas à roda da praça e ficassem os
matadores com cara de parvos na arena, parados, a olhar...
Fez Pedrito muitíssimo bem em quebrar a
tradição e acho que deveria ser sempre assim nas corridas mistas.
A iniciar a segunda parte da corrida houve um momento musical. Com a voz (off) da fadista Maria Armanda, dançaram o pasodoble dedicado a Pedrito Micaela Rato e David Fernandes. Um momento aplaudido.
Uma nota final para a acertada direcção
de corrida desempenhada pelo sempre eficiente, recto e aficionado Manuel Gama,
que ontem esteve assessorado pela médica veterinária Drª Francisca Claudino.
Outra nota final: apesar do apoio da
revista "Flash", a quem os aficionados têm que estar gratos pelo
muito apoio que tem dado à tauromaquia, foram muitos poucos os
"vip's" que estiveram na praça. Vi José Moutinho e o fadista António
Pinto Basto com os filhos. Pelos vistos, o "jet-set" que há anos
corria atrás de Pedrito, agora virou-lhe as costas. É pena. Mas ele também tem
culpas no cartório, pela forma pouco serena com que se tem deixado dirigir.
Mesmo assim, repito: ainda tem glamour e ainda leva gente às praças. E o
toureio a pé em Portugal ainda precisa dele.
Só uma pergunta, agora deu-me a mania de
fazer perguntas: por que raio o ganadeiro Gustavo Charrua nunca deu volta à
arena? Merecia-a. E tinha sido justo.
Fotos Emílio de Jesus/fotojornalistaemilio@gmail.com