segunda-feira, 6 de julho de 2015

Vila Franca, ontem: o grande triunfador foi Paulo Pessoa de Carvalho

Ousou, arriscou, apostou. Contra ventos e marés, foi
em frente. E acabou por ser, indiscutivelmente, o grande
triunfador da corrida de ontem em Vila Franca. O empresário
Paulo Pessoa de Carvalho (na foto, com Pedrito) marcou
a diferença e devolveu o carisma à corrida do Colete
Encarnado, enchendo a praça. Artisticamente, os dois
toureiros não cumpriram o que deles se exigia e se
esperava. Limitaram-se, cada qual, a estar bem num
só toiro... a montanha pariu um rato!
Há alguns anos que a "Palha Blanco" não registava uma enchente como a de ontem
Pedrito de Portugal recebeu assim o seu segundo toiro. Vinha com ganas de
triunfar, mas depois...
Momento da aparatosa colhida de Pedrito no seu segundo toiro, felizmente
sem consequências de maior
António Telles esteve razoável no primeiro toiro, muito bem no segundo e nem
parecia ele no terceiro...
Cláudio Miguel e Pedro Gonçalves aplaudidos de montera em mão depois de
preencherem o tércio de bandarilhas, tal como sucedeu com Fábio Machado e
Joaquim Oliveira. Em baixo, a emotiva e grande pega de Pedro Castelo - amanhã,
não perca, as fotos das três pegas de ontem em Vila Franca de Xira



Miguel Alvarenga - Somos, graças a Deus, amigos de verdade há muitos anos e por isso sei bem do que falo: o empresário Paulo Pessoa de Carvalho é um romântico da Festa e um apaixonado pela Festa, foi um valente forcado e é um empresário meio doido. Mas no bom sentido. Começou por anunciar para a corrida de ontem em Vila Franca de Xira, a tradicional mista do Colete Encarnado, a apresentação como matador de Manuel Dias Gomes, a quem até Osvaldo Falcão disponibilizou o capote de passeio usado na tarde da alternativa em Badajoz por seu irmão, o grande e saudoso José Falcão. Caíu nas graças da difícil aficion vilafranquense. E depois caíu em desgraça no mesmo seio quando decidiu, de repente, alterar tudo e montar um "mano-a-mano" entre António Telles e Pedrito de Portugal. Mas foi em frente, indiferente à chuva de críticas que lhe foram fazendo nas redes sociais. Arriscou, foi ousado, foi diferente - e o resultado foi uma praça cheia, um Colete Encarnado como noutros tempos, uma moldura humana de entusiasmo e de calor nas bancadas da "Palha Blanco". Por isso e pelo escasso brilhantismo artístico da corrida - às vezes, estas coisas acontecem e ontem a montanha acabou por parir um ratito - ele foi o grande triunfador da tarde. E era ele quem merecia ter saído em ombros. A Festa precisa de tardes como a de ontem, de praças cheias, de discussão, de calor nas bancadas. E precisa de empresários doidos como o Paulo é. Precisa de coisas diferentes - e mais nada.
Pelo entusiasmo, pela expectativa e pelo ambiente que rodeou esta corrida, ela tinha que ter terminado com o Telles e o Pedrito em ombros. Mas ficou muito aquém do que se esperava - e, sobretudo, do que se impunha.
O público foi à praça para rever Pedrito. Pese embora o enorme cartel que António Telles tem em Vila Franca - e tem mesmo - ontem os aficionados estavam ali para voltar a ver Pedrito de Portugal. E a verdade é que, apesar de todos os incidentes de percurso que têm marcado a sua carreira (mal conduzida... o que o Pedrito podia e devia ser, e não é...), o toureiro ainda leva gente às praças.
Infelizmente e feitas as contas, Pedrito esteve muito bem no seu primeiro toiro e por ali se ficou. Mas vinha com ganas e vinha com vontade. Provou-o ao receber destemidamente o seu segundo toiro de joelhos em terra, com uma "larga afarolada" de ambição e de querer. O exemplar de Falé Filipe era complicado, pedia um toureiro com poder e Pedrito é um toureiro de arte. Faltou-lhe ofício para dar a volta a um toiro que procurava sistematicamente o vulto e que o acabou mesmo por colher de má maneira. Abreviou. E também é de justiça referir que tudo o vento levou... Pedrito foi altamente prejudicado pela ventania que se fez sentir em Vila Franca. O vento, mais que qualquer toiro, é o pior inimigo do toureio a pé.
No último, com mais qualidade, voltou a dar um ar da sua imensa graça, da sua classe, do seu temple, da sua entrega.
Resumindo, toureou muito bem para quem toureia tão pouco, para quem acusa a falta de sítio. No primeiro toiro, foi o Pedrito de outros tempos. Mesmo assim, faltou muito para o êxito sonhado - e que todos queríamos, para bem do renascimento de um Pedrito que faz falta e também para o eternamente adiado regresso em força do toureio a pé, sobretudo depois do memorável triunfo de "El Juli" em Lisboa. Valeu, isso sim, repito, a aposta ganha pelo empresário Paulo Pessoa de Carvalho.
António Ribeiro Telles começou mal, deixando três compridos mal colocados no primeiro e fantástico toiro de Charrua que lidou. Recompôs-se nos curtos.
No segundo, também de excelente nota, triunfou com uma actuação "à António", muito boa.
No último, um toiro bravo e que pedia contas, nem parecia o António Telles... Andou descontrolado, meteu-se (educadamente, mas meteu-se) com o público, sofreu violentos "encontrões" e "perdeu os papéis", coisa que nunca costuma acontecer com ele. O director de corrida mandou a música tocar e António mandou-a parar, depois pediu-a outra vez. Foi uma tourada à antiga...
Os valentes Forcados de Vila Franca estiveram, como estão sempre, à altura do seu enorme prestígio. Três pegas à primeira e o grupo sempre extraordinário a ajudar, com a usual coesão.
As duas primeiras pegas, de Rui Godinho e Ricardo Patusco (não desfazendo, é um dos forcados que mais admiro) foram excelentes e perfeitas pela técnica e pela raça de ambos, mas tiveram pouca espectacularidade por que os toiros seguiram o seu caminho sem derrotar e sem brigar. A última, de Pedro Castelo, resultou mais emotiva. O consagrado forcado saíu lesionado numa perna e a coxear e só por isso não deu volta à arena, recolhendo nos médios a calorosa ovação do público.
Com toiros que não foram fáceis, viram-se grandes pares de bandarilhas de Joaquim Oliveira e Fábio Machado, Cláudio Miguel e Pedro Gonçalves, tendo os quatro agradecido reconhecidas ovações de montera em mão. Ao fulgor e à raça dos mais novos - Cláudio, Fábio e Oliveira estiveram poderosos e magistrais - impôs-se, com a arte costumeira e o poderio de sempre, apesar da idade e da "gordura" (tens mesmo que emagrecer...) o saber e a técnica do veterano Pedro Gonçalves e isso, meus amigos, há que reconhecê-lo. Esteve ali, ao lado do seu Maestro de sempre, quando devia ter estado na Monumental de Madrid, onde toureava o novilheiro Miguel Ángel Silva, a cuja quadrilha pertence. Esteve ali e deu a cara. Sem as faculdades de outros tempos. Mas com a mesma dignidade. De sempre.
Por fim, as cortesias. Pedrito de Portugal fê-las à usança espanhola, atravessou a praça, recolheu os aplausos e deixou António Telles a fazê-las à portuguesa. Houve quem criticasse. Eu aplaudo. E apoio. E explico por quê: há tradições estúpidas que não têm que vigorar por uma vida inteira. As cortesias à portuguesa remontam aos primórdios da nossa Festa, no tempo em que as corridas eram quase só com cavaleiros e os capinhas eram figuras secundárias, ficando ali espectados no centro da arena, a olhar para o ar, enquanto os cavaleiros recolhiam os aplausos do público. Os tempos mudaram e nunca fez sentido para mim que andassem os cavaleiros e fazer de primeiras figuras e a cumprimentar as pessoas à roda da praça e ficassem os matadores com cara de parvos na arena, parados, a olhar...
Fez Pedrito muitíssimo bem em quebrar a tradição e acho que deveria ser sempre assim nas corridas mistas.
A iniciar a segunda parte da corrida houve um momento musical. Com a voz (off) da fadista Maria Armanda, dançaram o pasodoble dedicado a Pedrito Micaela Rato e David Fernandes. Um momento aplaudido.
Uma nota final para a acertada direcção de corrida desempenhada pelo sempre eficiente, recto e aficionado Manuel Gama, que ontem esteve assessorado pela médica veterinária Drª Francisca Claudino.
Outra nota final: apesar do apoio da revista "Flash", a quem os aficionados têm que estar gratos pelo muito apoio que tem dado à tauromaquia, foram muitos poucos os "vip's" que estiveram na praça. Vi José Moutinho e o fadista António Pinto Basto com os filhos. Pelos vistos, o "jet-set" que há anos corria atrás de Pedrito, agora virou-lhe as costas. É pena. Mas ele também tem culpas no cartório, pela forma pouco serena com que se tem deixado dirigir. Mesmo assim, repito: ainda tem glamour e ainda leva gente às praças. E o toureio a pé em Portugal ainda precisa dele.
Só uma pergunta, agora deu-me a mania de fazer perguntas: por que raio o ganadeiro Gustavo Charrua nunca deu volta à arena? Merecia-a. E tinha sido justo.

Fotos Emílio de Jesus/fotojornalistaemilio@gmail.com