"Tinha e tenho 20 amigos a meu lado, predispostos a ajudarem-me no meu projecto para recuperação da Monumental de Santarém, mas concorri sózinho, sem nenhum grupo, sociedade ou empresa formada!" |
Depois de ter surpreendido tudo e todos
por ter sido um dos dois concorrentes à adjudicação da Monumental de Santarém
(cujo concurso foi, entretanto e como noticiámos, anulado), Francisco Zenkl
acedeu ao desafio do "Farpas" para aqui vir, pela primeira vez e em
exclusivo, explicar os porquês desta inesperada incursão na actividade
empresarial taurina. Filho do saudoso cavaleiro Gustavo Zenkl, também cavaleiro
tauromáquico de alternativa (recebeu o doutoramento há cinco anos na praça das
Caldas da Rainha, apadrinhado por Manuel Lupi, com o testemunho de João Ribeiro
Telles) e forcado do Grupo de Montemor, Francisco Zenkl conta tudo. Primeiro,
não queria. "Não considero este assunto com importância para ser
notícia", justificou. Depois, acabou por aceitar, quando lhe fiz ver que,
quer queira, quer não queira, passou a ser notícia quando se candidatou a
gestor da Monumental "Celestino Graça". Esta é a entrevista por que
todos esperavam.
Entrevista de Miguel Alvarenga
- Vamos começar, Francisco, pela parte
que todos querem saber: concorreu sendo líder ou, pelo menos, o rosto visível,
de um grupo empresarial formado por quem?
- Candidatei-me sózinho, sem grupo
nenhum...
- ... já veio escrito num site que
estava associado a um grupo angolano...
- (risos) Nada disso! Que disparate.
Candidatei-me porque sou muito aficionado e porque considero que a Monumental
de Santarém é a segunda mais importante praça de toiros do país, depois do
Campo Pequeno e precisa de levar uma volta porque está outra vez em decadência.
A praça foi levantada no tempo de Moita Flores como presidente da Câmara, mas
depois voltou a cair e eu acho que se podem fazer coisas para a voltar a pôr de
pé...
- Isso é uma crítica à gestão da empresa
Aplaudir e de João Pedro Bolota, que está há oito anos a geri-la?
- Interprete como entender... para mim,
a praça está de novo em baixo. E a minha intenção era contribuir para a
levantar outra vez... Considero que é preciso e é urgente que isso aconteça. E mais: considero que é possível fazê-lo e não será assim tão difícil.
- Como, Francisco?
- Tenho ideias, tenho projectos e
apresentei-os em reuniões que tive com a Santa Casa da Misericórdia e também
com o senhor presidente da Câmara de Santarém, que me recebeu e a quem
auscultei sobre a possibilidade de a autarquia dar um apoio ao meu projecto.
Posso adiantar que essa reunião foi muito positiva. Por isso, avancei...
- E que projectos eram esses?
- O concurso, como se sabe, foi
cancelado ou anulado, as propostas não chegaram a ser abertas, houve duas, a
minha e a do empresário Paulo Pessoa de Carvalho. Sei que as propostas estão na
secretaria da Santa Casa para nos serem devolvidas e por isso e no que diz respeito à minha proposta, uma vez que não
chegou a ser aberta, penso que não devo divulgar publicamente o seu conteúdo.
Esta semana tenciono ir lá recolher a minha carta...
- Que, de qualquer forma e segundo a
Santa Casa informou no seu site, estava desclassificada porque o envelope não
respeitava os requisitos do caderno de encargos, não foi?...
- Li isso, mas não entendo. Tenho um
documento da Santa Casa a acusar a recepção da minha proposta, o que atesta que
a receberam e a aceitaram como válida, não ma devolveram. Por isso...
- Mas o que é que o envelope tinha ou
não tinha, que não correspondia aos requisitos?...
- Não sei. O caderno de encargos dizia
que as propostas deveriam ser entregues num envelope fechado e onde se devia
escrever "Proposta". Foi o que fiz. E no canto superior esquerdo,
como se faz numa carta, escrevi o meu nome. Só se não se podia escrever o nome,
não sei...
- Aceitava todas as condições do caderno
de encargos?
- Não quero revelar o que propus, como
já lhe disse. O caderno de encargos tinha apenas duas exigências: o pagamento
de uma renda anual de 20 mil euros e a realização de uma corrida de toiros no
mês de Maio a favor da Santa Casa... Não fazia referência alguma, por mais
estranho que pareça, à obrigatoriedade de realizar em Junho as tradicionais
corridas da Feira de Santarém... Também não estava minimamente salvaguardada no
caderno de encargos, como deveria estar, a presença na Monumental do Grupo de
Forcados Amadores de Santarém. Estranho... É o mais antigo grupo de forcados do
mundo e a deveria ser salvaguardada a sua presença nas corridas de Santarém. No
Montijo, por exemplo, o caderno de encargos da Misericórdia obriga a inclusão
dos dois grupos de forcados locais em determinado número de corridas. Nada
disso acontece em Santarém e não é normal... E nessa tal corrida obrigatória de
Maio, se houvesse lucros eram para a Santa Casa, se houvesse prejuízo, o
empresário acartava com ele... penso que não era justo, mas propus o que achei
justo propor...
- E não havia mesmo mais ninguém
associado a si?
- Posso revelar que fiz aqui em Vale de
Figueira, em minha casa, um jantar com vinte amigos meus, três não puderam vir
e por isso foram dezassete, a quem apresentei o meu projecto e que se
disponibilizaram desde logo a estar comigo, mas não fizemos nenhuma sociedade.
Posso dizer-lhe que o mais novo tem 30 anos e o mais velho 70. Tenho amigos de
todas as idades. Mas, repito, não constituímos nenhuma empresa. Quem concorreu
fui apenas eu.
- Então tenho que fazer a pergunta que
se impõe: o dinheiro era seu?
- O meu projecto não envolvia fortunas.
Apenas e só, boas intenções. Cartéis para encher Santarém. Mas, volto a dizer,
como a proposta não chegou a ser conhecida, prefiro não a divulgar. Mas garanto
que era boa. Muito boa, mesmo.
- E quem eram esses vinte amigos, ou
dezassete, pode saber-se?
. Não obrigatoriamente... São amigos
meus. Foi apenas e só uma reunião de amigos que promovi em minha casa e todos
estavam disponíveis e entusiasmados em apoiar o meu projecto e ajudar-me a
concretizá-lo. A única "sociedade", o único elo que nos unia, e une,
era o empenho em fazer qualquer coisa para recuperar a força e o prestígio da
Monumental de Santarém.
- Fica o projecto adiado, mas não
anulado, é isso?
- Se o concurso foi anulado, o meu
projecto fica obrigatoriamente adiado. Mas não anulado, isso não. Continuarei a
lutar pela recuperação do prestígio e da força da Monumental de Santarém.
- Sei que não quer revelar, mas insisto:
propunha nomes, cartéis, artistas?
- Cartéis propriamente, não. Mas, como
todos reconhecemos e infelizmente para nós, portugueses, quem leva gente às
praças em Portugal são dois rejoneadores espanhóis, o Pablo e o Ventura. Para
se recuperar Santarém, eu propunha que se levasse o Pablo numa corrida e o
Ventura noutra. Se queremos voltar a encher Santarém, temos que fazer por
isso...
- São toureiros caros... tinha condições
para lhes pagar?
- Todos tínhamos que contribuir para
conseguir que houvesse sucesso. Não seria eu sózinho... A Santa Casa e a Câmara
Municipal tinham que apoiar, tinha que haver mais gente e mais entidades que eu
a remar para que o barco chegasse a bom porto. Não podemos ir com utopias, com
sonhos... as coisas têm que ser pensadas, estudadas, meditadas e concretizadas
com a força de todps.
- A anulação do concurso, segundo a
própria Santa Casa, ficou a dever-se ao facto de a empresa Aplaudir, há oito
anos gestora da Monumental, ter reclamado por carta que o seu contrato estaria
automaticamente renovado por mais três anos...
- ... isso, eu desconhecia. Desde o
momento em que foi lançado um concurso, limitei-me a ler o caderno de encargos
e em concorrer. Nunca me passou pela cabeça que o contrato com a Aplaudir
estivesse automaticamente renovado... Não é normal que um senhorio pretenda
alugar uma casa que está alugada a outro inquilino...
- ... não passou pela cabeça nem a si,
nem a ninguém. É estranhíssimo que a Santa Casa tivesse promovido um concurso
para adjudicação da sua praça, sendo senhoria da mesma, quando o seu inquilino
tinha, por contrato, a adjudicação renovada, não é?...
- É estranho e não se entende. Não sei
como isso aconteceu, não sei se se deve a amadorismo, falta de conhecimento do
contrato, sei lá, mas não deixa de ser estranho que fosse promovido um
concurso... se isso, por lei do contrato com a actual empresa ajudicatária, não
fazia sentido...
- Está estranha a nossa Festa, não está,
Francisco? Falta classe, glamour, falta, como dizia o João Salgueiro, gente bem
vestida nas trincheiras, apoderados com
nível...
- O Salgueiro tinha toda a razão. A
Festa hoje está entregue, salvo raríssimas e honrosas excepções que não é necessário referir, todos sabem quem é quem, está entregue, dizia, a muitos pés-descalços... É verdade. Olhe, Miguel, eu
este ano fui júri de um prémio numa corrida, votei em quem sentia que devia
votar e perdi um grande amigo... Isto está um ambiente muito confuso, mesmo...
- E quanto a concorrer a mais praças? Li
também que podia ir ao concurso de Salvaterra...
- Nada disso. A minha intenção e o meu
projecto eram apenas e só para Santarém. Não tenho nenhuma aspiração a ser
empresário tauromáquico. Sou é muito aficionado. Vou ver as corridas todas a
todo o sítio. Se houver um toureiro que nunca vi, então estou logo lá caído,
nem que seja em Urrós! Gosto de estar por dentro de tudo e há um ano, pedi o
caderno de encargos de Salvaterra, mas apenas e só para o conhecer, porque
gosto de ler essas coisas todas. Mas não era para concorrer. Até o podia ter
levantado para qualquer outra empresa... penso que essa notícia de que eu ia
concorrer e Salvaterra terá a ver com esse facto de eu ter levantado o caderno
de encargos há um ano... mas nem sabia que a praça ia a concurso em 2016. Nem
vou concorrer, podem estar descansados...
- Não vamos então tê-lo como empresário
tauromáquico, está visto...
- Não senhor. Propus-me fazer qualquer
coisa para ajudar a recuperar a praça de Santarém e não me vou meter em mais
nada. O que há é isto e só isto. Ponto final. Está esclarecido?
- Completamente esclarecido, Francisco.
- Óptimo!
Fotos D.R./@Francisco Zenkl