Ventura e Moura ontem mano-a-mano em Estremoz. Houve "duas corridas", uma morna e sonsa na primeira parte, outra emotiva e empolgante na segunda. A praça não encheu. E isso foi o lado negro da festa |
Clareiras nos sectores de sombra. Público não correspondeu à grandeza do cartel e ao empenho do empresário espanhol Carlos Zuñiga (filho) |
Sectores de sol a abarrotar |
Miguel Alvarenga - Quando um mano-a-mano de duas das máximas figuras do toureio a cavalo não enche a (pequeno) praça de Estremoz, talvez seja aconselhável pensar duas vezes e tentar entender os porquês de um desaire de bilheteira como o que ontem ocorreu. Carlos Zuñiga (filho) era, ao final, um empresário desolado - e com razões para o ser. O elevado preço dos bilhetes (Estremoz é, para todos os efeitos, uma praça de província, não é propriamente o Campo Pequeno) pode ter contribuído para as muitas clareiras que havia no sector 1. O sol estava cheio e a sombra composta, a praça terá registado três quartos fortes de entrada - mas impunha-se que, com um esforço empresarial destes, tivesse esgotado e ficasse gente na rua. Não aconteceu.
"Primeira corrida" corrida sonsa e morna...
Artisticamente, houve duas corridas. Uma, na primeira parte, sonsa e com pouco para contar. Os três primeiros toiros de Romão Tenório eram verdadeiras "tourinhas", galoparam suavemente atrás dos cavalos, foram meiguinhos em demasia, deixaram fazer tudo e não transmitiram nada. Faltou toiro, faltou risco, não houve emoção. Ventura fez tudo bem feito nos seus dois primeiros toiros, demonstrou toda a sua maestria e a incrível aptidão dos seus fantásticos cavalos. Moura Jr. procurou transmitir sem, contudo, ter matéria prima para brilhar. As três primeiras pegas não tiveram dificuldades de maior. O primeiro toiro foi pegado por António Costa Monteiro, dos Amadores de Montemor, à primeira; a segunda pega foi executada por Nuno Toureiro, dos Amadores de Monforte, à segunda, depois de na primeira o toiro lhe ter passado ao lado; a mais emotiva, até aqui, foi a terceira, de Francisco Bissaia Barreto (Montemor), à primeira. A melhor pega da corrida, para mim.
O piso da arena - um areal a que só faltou ter mar para ser uma praia - pode ter contribuído para o comportamento demasiado dócil e o pouco andamento dos três primeiros toiros. Depois de alisada ao intervalo, foi outra arena a que serviu de cenário à segunda parte da corrida - que foi, de facto, outra corrida, distinta da primeira em todos os aspectos.
"Segunda corrida" emotiva e empolgante
Até então demasiado frio e quase adormecido pela pasmaceira em que decorreram as três primeiras lides, o público aqueceu e os cavaleiros "ferveram" nos três últimos toiros. Houve emoção na arena e calor na bancada, gente de pé, coisa que até ali não acontecera. Os três toiros da segunda parte, com mais trapio, melhor andamento e maior transmissão, tiveram pela frente dois cavaleiros mais empenhados, mais aguerridos e a procurar que as lides resultassem mais emotivas. Dois toureiros em verdadeira competição. Conseguiram os seus objectivos. Houve por fim picardia e competição entre Ventura e Moura. O público saíu satisfeito e o ambiente em torno da praça, ao longo de quase duas horas, foi enorme. A "segunda corrida" foi, na realidade, fantástica.
João Moura Júnior procurou elevar as boas qualidades de lide do seu segundo toiro e a sua actuação foi apoteótica. Deu vantagens ao toiro, deixou-o vir, aguentou até ao fim, quarteando-se num palmo de terreno e cravando ferros de muita raça. Esteve brilhante a bregar, perfeito em alardes de maestria e arte. Esteve "à Moura" e está tudo dito.
Diego Ventura é um grande toureiro. Tem uma quadra mais afinada que um relógio suíço. E mexe com os toiros de forma empolgante. Na última oportunidade que lhe restava para não sair dali vencido, fez desfilar pela arena os seus melhores cavalos e demonstrou toda a sua imensa tauromaquia numa lide enorme e variada - onde fez de tudo, até tirar a cabeçada do último cavalo (bem sei que não é muito aceitável, mas a culminar uma actuação de tão grande nível, meus senhores, aceita-se tudo!) e cravar sem ela um par de bandarilhas (que ficou só por metade), evidenciando o espectacular cavalo que montava e o grande equitador e toureiro que é. Indiscutivelmente. O toiro transmitiu e Ventura retransmitiu a grandeza da toreria que lhe vai na alma. Esteve deslumbrante, o público entrou em delírio. Deu duas voltas à arena, a primeira com o forcado, a segunda com o ganadeiro Francisco Romão Tenório e outra vez com o forcado Manuel Ramalho (que se esquecera de ir chamar de novo, mas foi para tal avisado pelo director de corrida Marco Gomes, que esteve correctíssimo nesta atitude).
Toureiro de garra e de nunca se dar por vencido, Moura Júnior entrou na arena para lidar o último toiro decidido a "responder" ao triunfo estrondoso de Ventura. Cheio de atitude e de querer, esperou o toiro à porta da gaiola e virou tudo de pernas para o ar com um primeiro ferro comprido de parar corações. A partir daí, abriu o livro e bordou o toureio, emocionando tudo e todos com ferros de muita ousadia, indo buscar o toiro aos seus terrenos, parando, provocando e cravando em terrenos proibídos, quase sem saída possível, num curto palmo de terreno, o terreno da verdade. Esteve enorme. Enorme mesmo. O ganadeiro voltou a ser chamado à praça.
Assim, o que parecia ao intervalo condenado a ser uma corrida morna e sonsita, acabou por ser, por obra e graça de três toiros com mais transmissão e dois toureiros com coração de leão, uma corrida das que deixam os aficionados horas a comentar e a relembrar.
Nesta segunda parte pegaram João Maria Falcão (Monforte) à segunda; Manuel Ramalho (Montemor) à primeira, fechando-se muito bem e com o grupo a ajudar coeso; e Rodrigo Russo (Monforte) à primeira, este numa pega muito emotiva e a aguentar muito bem os derrotes do toiro.
O prémio "João Cortes" foi atribuído à pega do montemorense Manuel Ramalho (quinto toiro), decisão que dividiu as opiniões. Houve quem defendesse que foi melhor a pega de Bissaia Barreto e quem saísse da praça a protestar por não terem dado o troféu à última pega dos Amadores de Monforte, a de Rodrigo Russo. Mas quando há um prémio, só pode haver um vencedor...
Fado e homenagem a João Cortes
Ao início da corrida, com os dois cavaleiros, os cabos dos dois grupos de forcados, o ganadeiro, o empresário, o presidente da Tertúlia "Valores e Tradição", Francisco Mira e o presidente da Câmara, Luis Mourinha na arena, prestou-se emotiva homenagem ao grande forcado estremocense João Cortes, antigo cabo dos Amadores de Montemor. João Margalho foi o orador e leu depois as bonitas palavras que outro antigo cabo do Grupo de Montemor, António José Zuzarte (que não pôde estar presente) dedicou ao seu sucessor na chefia do grupo. O fadista Manuel da Câmara cantou o fado dedicado ao homenageado e o público rendeu tributo a Cortes com uma calorosa ovação.
Marco Gomes esteve acertado, diligente e com aficion na direcção desta corrida. Que foi boa. Mas que podia ter sido melhor. Se tivesse havido uma primeira parte tão empolgante e emotiva como a segunda. Se tivesse havido toiros na primeira parte, com houve na segunda. Houve duas corridas, parecia que havia também duas ganadarias. E se o esforço e o empenho do empresário Carlos Zuñiga tivesse sido correspondido pelo público. Um cartel destes tinha que ter esgotado a lotação da praça com dias de antecedência. Paciência.
Um último comentário. A mais um falhanço (costumeiro) dos serviços metereológicos. Não acredito que tenham intenções anti-taurinas e quisessem prejudicar a corrida. Mas a verdade é que em nada ajudaram ao anunciar chuvas para sexta-feira e para sábado. Dias fantásticos de sol. Não acertam uma, estes rapazes...
Mais logo, não perca a grande foto-reportagem de Maria João Mil-Homens: o filme das seis pegas, os Momentos de Glória da tarde, os Famosos que ontem estiveram em Estremoz.
Fotos Hugo Teixeira