segunda-feira, 14 de maio de 2018

Salvaterra: António magistral, Palha imparável e Romero sem poder mostrar o que vale

António Ribeiro Telles: lide empolgante com o toiro de Conde de la Maza e,
depois, na segunda parte, uma lição de cátedra frente ao toiro vencedor de
Veiga Teixeira, um toiro bravo e de bandeira. Não é fácil ver tourear tão bem!
O gesto senhorial e fidalgo (quem tem berço...) de Francisco Palha ao apear-se
do cavalo para dedicar a sua segunda lide a Mestre António Telles, seu primo
Francisco Palha deu ontem mais um passo de leão, importantíssimo, na definitiva
consagração como Figura do Toureio! Lidou em primeiro lugar um manso de Canas
Vigouroux
e depois um sobrero de Veiga Teixeira, a pedir contas. Em ambas as
lides, Palhinha esteve enorme, emotivo, toureando com verdade e pisando sempre
a linha de fogo! 
Andrés Romero andou acertadíssimo frente ao insignificante toirito de Miura e
esse facto retirou importância à sua lide. No segundo (fotos de baixo), um sobrero
de António Silva manso, perigoso e cheio de "voltas" dadas por essas praças como
"suplente", não se entendeu, não se encontrou e teve uma lide para esquecer


A maestria imparável de António Telles e um toiro magnífico de Veiga Teixeira, a consagração definitiva de Francisco Palha como Figura do Toureio, Andrés Romero sem opções para mostrar o que vale e uma tarde grande dos forcados de Santarém e Coruche numa corrida de enorme ambiente e praça cheia marcaram ontem mais um triunfo do empresário Rafael Vilhais em Salvaterra de Magos no Concurso de Ganadarias onde só destoou mesmo a vergonha de um “bezerro” de Miura…

Miguel Alvarenga - Aconteceu há dois anos em Vila Franca e voltou a acontecer ontem em Salvaterra. Porque raio sempre que se anunciam por cá toiros da mítica ganadaria Miura somos defraudados com “bezerritos” que envergonham a divisa e deixam mal no retrato os empresários que insistem em trazê-los? Ao lado das outras “bizarmas” que concorriam ao concurso, o toirito de Miura, se bem que no tipo tradicional da divisa, mas exageradamente esquelético e com carinha de bezerro, fez a (completa) diferença, pela negativa. Como foi possível que o director de corrida e o veterinário o deixassem vir à praça?
Esta foi a nota negra de uma tarde de grande ambiente e praça cheia ontem em Salvaterra de Magos, onde António Ribeiro Telles voltou a evidenciar, completamente imparável, a sua inigualável maestria, onde Francisco Palha deu mais um passo importantíssimo na consagração, agora indiscutível, como Figura do Toureio e onde Andrés Romero não teve opções para nos mostrar o que vale. E não venham agora os puritanos do costume dizer que não presta. Está a pontuar de tarde em tarde, não terá sido por mero acaso que foi aclamado triunfador de Sevilha e que ainda na véspera cortou uma orelha de valor em Madrid.
Vamos por partes.

António, o Mestre

António Ribeiro Telles, mais de trinta anos de alternativa, a maestria de sempre, imparável, inalcançável, duas lides magistrais em que pôs a carne no assador, em que entrou pelos toiros dentro com uma verdade do tamanho do mundo e uma honestidade toureira de pasmar, como se ainda tivesse ele que provar alguma coisa a alguém.
Era algo reservado o toiro de Conde de la Maza que abriu praça, mas António andou do princípio ao fim “por cima dele”, honrando os pergaminhos de cátedra que fazem dele o Mestre dos Mestres, desenhando, como qualquer pintor consagrado, uma lide com princípio, meio e fim, em que pontificou a grande brega e as entradas destemidas a vencer o pito esquerdo, para deixar os ferros cravados de alto a baixo, tal qual os livros antigos ensinam. Assim se toureia!
O quarto toiro da ordem foi um magnífico toiro de Veiga Teixeira, que cresceu ao longo da lide e se impôs, pedindo contas, mal sabia ele que tinha pela frente um Toureiro dos de cima, a quem os toiros bravos e bons nunca assustaram. António deu uma lição magistral de como se toureia a cavalo, aproveitando as fantásticas qualidades de bravo do toiro de Veiga Teixeira e enaltecendo-as mesmo, deixando-as sobressair. Foi uma lide de uma emoção desmedida, com toureio puro e de verdade, com António a deitar cartas e a dizer: “Ainda aqui estou e estarei!”. Não é fácil ver tourear tão bem.

Palhinha rumo ao topo

Francisco Palha, a quem chamo Palhinha, pelo carinho e enorme admiração que tenho por ele desde que o vi tourear pela vez primeira, foi um toureiro em que sempre acreditei, que teve altos e baixos, mas que agora encarrilou de vez e ontem em Salvaterra deu o definitivo grito do Ipiranga e da consagração como Figura do Toureio - por seu mérito próprio e exclusivo, talvez não tão exclusivo quanto isso, uma vez que ele próprio louva sempre e nunca esquece (chama-se a isto humildade e reconhecimento, mas acima de tudo, educação) os ensinamentos e o grande apoio, decisivos, que recebeu em Sevilha de Diego Ventura e de seu pai, João Ventura.
Ontem, com um toiro mansote e desinteressado de Canas Vigouroux, Francisco Palha protagonizou uma actuação de luta e muito querer, arriscando ao máximo, conseguindo ferros de um mérito imenso, a pisar a linha de fogo, que é coisa que hoje poucos fazem, como há pouco dizia Paco Ojeda numa entrevista que deu brado.
O seu segundo toiro era uma estampa de Dolores Aguirre com quase 700 quilos (peso em demasia), mas entrou visivelmente congestionado e recolheu aos currais, saindo depois um sobrero de Veiga Teixeira que, sem ter as qualidades do exemplar que ganhou os prémios de bravura e apresentação, era um toiro de respeito e que impôs emoção, pedindo contas.
Francisco Palha voltou a dizer de sua justiça, entrando em terrenos de grande compromisso e deixando todos os ferros, sem excepção, em sortes de grande verdade, emotivas e que levantaram o público das bancadas.
Palhinha já não se está a afirmar. Já se afirmou. Passou à fase seguinte: está a consagrar-se de tarde em tarde como um dos grandes cavaleiros do momento. Com imensa atitude, muita dignidade, um querer tremendo e uma solidez que fazem dele, sempre que se anuncia, uma garantia e uma certeza de que vamos ver tourear a sério.
De senhorial fidalguia (quem tem berço marca a diferença) o gesto de se apear do cavalo para o brinde que fez a seu primo António Telles. Não por ser primo, mas por ser um Figurão do Toureio por quem se tem que ter todo o respeito. Bonito.

Andrés Romero: triunfo adiado

Andrés Romero, venham dizer o que disserem, não é um coitadinho qualquer. Foi aclamado pelos maestrantes como triunfador de Sevilha e 24 horas antes desta corrida cortou uma orelha de peso em Madrid. Em Salvaterra, deixou adiado o triunfo que se esperava. Mas não por sua culpa.
Primeiro, lidou o inconcebível e inapresentável toirito de Miura, frente ao qual demonstrou o seu profissionalismo e o seu valor, quer a bregar, quer a cravar, mas sem o esplendor desejado e sem a importância que se exigia, dada a ridícula e constantemente protestada falta de apresentação do “bezerro” - que retirou toda e qualquer importância à sua lide. Vão-me dizer que toiro tinha idade, que isto e que aquilo. Mas destoou dos outros toiros, parecia um garraio, esquelético e impróprio, até, para uma garraiada de estudantes. Uma vergonha.
O toiro de António Silva, segundo do lote de Romero, com o peso exagerado de 680 quilos, saíu também diminuído e foi para dentro. O empresário teve o gesto louvável de proporcionar ao toureiro a lide de um segundo sobrero, que o Regulamento não obriga sequer a existir na praça, mas que Rafael Vilhais fez questão de ter “na manga”, por forma a não prejudicar nem defraudar o público (que enchia a praça), caso houvesse um segundo percalço, como houve.
Saíu então o segundo sobrero, também da ganadaria Silva e que, segundo me confirmaram, andara já de “suplente” pelos currais de várias praças, inclusivamente estivera no Campo Pequeno na corrida de abertura da temporada. E além do mais, foi manso. De arrancadas perigosas e a cortar terreno. Mas sério e a pedir contas.
Adiantou-se, complicou a vida a Andrés Romero e o rejoneador, ainda pouco acoplado à dureza e ao andamento do toiro português, teve algumas dificuldades em se entender com ele. O toiro mandou na lide e Romero falhou vários ferros, além de sofrer muitos encontrões. Por morrer uma andorinha nunca acabou a Primavera. E a Primavera de Andrés Romero está ainda agora a despontar. Não será preciso dar-lhe o benefício da dúvida, porque ninguém tem dúvidas do que ele vale. Vamos aguardar serenamente pelas suas próximas e já anunciadas vindas a Portugal.
Teve azar com os toiros e, ainda para mais, não era assim tão fácil impor-se numa tarde de tanta glória para os seus dois alternantes portugueses.

Grandes pegas de grandes grupos

Como vem acontecendo nas últimas corridas a que tenho assistido, nomeadamente na primeira do Campo Pequeno e na do domingo anterior em Vila Franca, os Forcados voltaram ontem a brilhar “à grande”.
Pelos Amadores de Santarém, duas pegas históricas de António Goes e de Ruben Giovety, as duas à primeira, ambos a citar muito bem, a recuar com toreria, mandando na investida e a fecharem-se com braços de ferro, com o grupo a ajudar sempre bem. Fernando Montoya pegou à segunda o terceiro toiro da tarde, em sorte brindada ao ganadeiro João Ramalho.
Pelos Amadores de Coruche, um grupo em alta neste início de temporada e que esta quinta-feira estará no Campo Pequeno, também dos pegões enormes de João Ferreira e de António Tomás (a pega da tarde, com uma segunda ajuda incrível de José João Cavaco, que recolheu à enfermaria, sendo depois o primeiro ajuda Fernando Ferreira que o acompanhou na volta à arena), também as duas à primeira; e outra de Pedro Coelho à segunda, por ter escorregado na cara do toiro na primeira tentativa, mas não menos brilhante.
(Já a seguir, veja aqui todas as pegas uma a uma).

E a menina dos pesos…

Um merecido louvor à intervenção de todos os bandarilheiros, sem excesso de capotazos: João Ribeiro “Curro” e António Telles Bastos da quadrilha de António; Diogo Malafaia e Jorge Alegria da quadrilha de Palha; e o português Claúdio Miguel, mais o seu companheiro espanhol, da quadrilha de Romero.
No final, como já referi, foram entregues os prémios de bravura e de apresentação (era mesmo inevitável e ninguém tinha dúvidas) ao quarto toiro do concurso, de Veiga Teixeira, sendo de referir que apenas quatro toiros entraram na disputa dos troféus, já que os últimos dois se inutilizaram e os sobreros, nestes casos, não entram na avaliação.
O cavaleiro D. Francisco Mascarenhas, o empresário e antigo forcado José Luis Gomes e o médico veterinário e comentador taurino da RTP, Dr. Vasco Lucas, constituiam o idóneo júri que decidiu - e que decidiu muito bem, sem um único protesto do público.
Àparte os êxitos artísticos de cavaleiros e forcados, a confirmação de Rafael Vilhais como homem certo no lugar certo à frente da gestão da praça de Salvaterra e o grande ambiente de praça cheia que ontem se viveu nesta grande corrida, houve ainda outro caso: a inovação de substituir o apresentador do peso dos toiros por uma guapíssima jovem que sempre que entrou na arena deixou o público em alvoroço pela sua escultural figura…
As tradições nem sempre são precisas manter para a vida inteira e esta inovação - que esperamos se repita - deu um ar de muita graça, digam os contras do costume o que disserem.
Vanmos viver eternamente agarrados ao passado cinzentão em que quase tudo acontece nas nossas praças? Venha alegria, venha ar ouro, venham beldades como esta!

Fotos Maria Mil-Homens