domingo, 12 de julho de 2020

Estremoz: a festa da Festa... e que bem toureou o Manuel!

O veterano Rui Salvador ainda é, apesar dos anos, o grande toureiro
dos ferros impossíveis!
António Brito Paes lidou o mais complicado Vinhas da corrida
João Moura Caetano assinou uma lide notável e com ferros de
grande emoção
Pena que tivesse ficado sempre de costas nas fotos (desculpa lá,
Manuel, mas foi o que se conseguiu), mas a verdade é que aqui se
demonstra bem o valor e a classe com que ontem toureou Telles
Bastos - que marcou a diferença
Desembaraço, alegria e valor de Ana Rita puseram público de pé
Valor e raça, em terrenos de verdade. O regresso à ribalta do
valente Parreirita Cigano
Rodrigo Picão de Abreu, dos Amadores de Arronches, ganhou o
prémio para a melhor pega da corrida , a quinta, brindada à ANGF
Organização exemplar: no final, o público saíu ordeiramente 
da praça, fila a fila, sector a sector, acatando com civismo as 
ordens que iam sendo dadas, para evitar ajuntamentos


Uma análise mais ou menos importante do que a nível artístico aconteceu ontem em Estremoz - numa noite em que o mais relevante não terão sido propriamente os triunfos dos artistas, mas o triunfo da Festa e do empresário Pombeiro na corrida que de todas foi a primeira a nível mundial após três meses de ausência nas praças

Miguel Alvarenga - Houve coisas importantes, outras importantíssimas e outras nem por isso na corrida que ontem marcou em Estremoz o desconfinamento da Tauromaquia a nível mundial e que por isso há-de ficar na História para todo o sempre. Mas o mais relevante da noite não foram os triunfos de toureiros e forcados - foi a festa da Festa.
Lidaram-se, em início de comemoração dos 70 anos da fundação da divisa, seis toiros da emblemática ganadaria Vinhas, os Santa Coloma nacionais. De distinta apresentação, pesos variados (média acima dos 500 quilos) e comportamentos desiguais, num factor os toiros tiveram um denominador comum: não deram tréguas a cavaleiros e forcados (noite dura para os valentes representantes dessa arte mais portuguesa que quase todas), foram duros e sérios, exigentes e a impor respeito. E pediam contas, exigiam o Bilhete de Identidade. O segundo, que coube em azar a Brito Paes, foi o mais complicado e o mais difícil. O sexto, lidado por Parreirita Cigano, teve raça, foi o mais encastado e nada perdoava ao cavaleiro e aos forcados. Os outros cumpriram na linha dos Santa Coloma, nunca facilitando, uns com mais mobilidade que outros, mas no geral deram emoção e foram toiros-toiros dos que não dão muito tempo para pensar e exigem que se esteja sempre por cima deles. Nem sempre isso aconteceu.
O veterano Rui Salvador teve um início de lide pouco feliz, com desacerto na cravagem e alguns toques. Depois mudou de cavalo e veio-lhe a raça acima, como vem sempre, permitindo-nos ver e aplaudir o velho Rui dos grandes e ousados ferros.
António Maria Brito Paes enfrentou o pior e mais complicado dos seis toiros e também não esteve nos seus melhores dias. Deixou a ferragem da ordem, procurou que tudo corresse bem, mas a sua lide teve pouca história e o toiro, repito, também lhe deu opções para que as coisas fossem de outra forma.
João Moura Caetano parou com decisão, com arte e com valor, a desenfreada investida com que se apresentou na arena o terceiro Vinhas da noite, um toiro nobre, mas que veio a menos. Uma actuação brilhante e com grandes ferros e excelente brega de um cavaleiro que não gosta de perder nem a feijões. 
Foi Manuel Ribeiro Telles Bastos o autor, ontem, da grande lide da corrida. Decidido, mostrando atitude, sabendo de antemão que não lhe ia sair de certeza uma pêra-doce, mandou recolher os bandarilheiros e esperou o quarto toiro da ordem com uma sorte de gaiola emotiva, desenhando a partir daí uma actuação de grande classe e verdade toureira, que marcou a diferença e o distanciou claramente, sem desprimor pelo labor de todos, como o grande triunfador desta histórica corrida. Que bem toureou e lidou o Manuel!
Ana Rita, que substituia o mexicano Emiliano Gamero, também não teve pela frente um toiro fácil. Mas foi bom e teve mobilidade e a valente toureira agradou pela sua alegria, pelo seu desembaraço e pela forma com que sempre chega ao público e o conquista pelo seu valor. Dois ferros em sorte de "violino", rematados com o desplante de se deitar para trás sobre o dorso do cavalo deixaram o público em alvoroço e reafirmaram o valor da cavaleira que tem baseado praticamente a sua carreira em Espanha e muito tem sido injustamente esquecida pelas nossas empresas.
Parreirita Cigano, que teve um promissor arranque de carreira e depois quase se apagou, já no ano passado dera mostras de que está apto a entrar na guerra outra vez. É valente e ousado, arrisca e não anda pelo caminho fácil, vai aos terrenos da verdade e do risco. Pode ter tido ontem altos e baixos, mas a imagem positiva foi a que prevaleceu e houve dois ferros de grande nota.
Os Forcados de Arronches e os Académicos de Elvas viveram uma noite dura, sobretudo o segundo grupo. Houve a registar dois forcados lesionados, um de cada grupo, mas felizmente e como já aqui noticiámos esta manhã, ambos estão estáveis e a recuperar.
Pelos Amadores de Arronches pegaram Tiago Policarpo à primeira; Luis Marques na sua primeira tentativa, a emendar uma anterior de Rafael Pimenta, que saíu lesionado num joelho; e Rodrigo Picão de Abreu à terceira.
Pelo Grupo de Elvas foram caras Paulo Maurício à quinta; João Bandeira à segunda; e António Machado, irmão do cabo Luis Machado, numa duríssima pega à quinta tentativa ao último toiro da noite, de que saíu lesionado numa vértebra o ajuda Tiago Garcia, que se encontra internado no Hospital de São José, em Lisboa, felizmente em estado que não inspira cuidados.
Disputava-se ontem um concurso de pegas e apesar de não ter sido anunciada a composição do júri, o prémio foi atribuído, sem contestação, à quinta pega da noite, executada por Rodrigo Abreu, dos Amadores de Arronches, que a brindou à direcção da Associação Nacional de Grupos de Forcados.
Aplausos finais para a eficiente dupla de campinos que tão bem recolheu os toiros e para a sensata, condescendente e muito aficionada direcção de corrida, que esteve a cargo de Marco Gomes.
Pela importância que teve esta corrida, como primeira a nível mundial depois do desconfinamento e quando o vírus ainda por aí anda, obviamente que as reportagens não vão ficar por aqui. Mais logo, vamos mostrar, uma a uma, as sequências das seis pegas da noite e amanhã, ao longo do dia, traremos ao "Farpas" todas as caras conhecidas que ontem marcaram presença neste histórico acontecimento - de que sai como triunfador-maior o empresário Luis Miguel Pombeiro, pela audácia, pela coragem e pela primorosa organização com que se chegou à frente e disse "Estou aqui e temos que estar todos aqui", quando todos ou quase todos os outros se assustaram com a pandemia e deram um passo atrás, cancelando espectáculos num momento particularmente decisivo e em que era preciso que acontecesse precisamente o contrário para que a Tauromaquia não morra e persista com a sua chama bem acesa.
As incertezas são muitas - e são grandes. Mas pelo menos nas suas praças e agora também - e ainda bem - na do Campo Pequeno, Pombeiro é a certeza de que vamos ter toiros esta temporada. Oxalá um dia lhe saibam agradecer por isso.

Fotos M. Alvarenga