domingo, 12 de julho de 2020

Estremoz: o princípio da nova diferença

O empresário Luis Miguel Pombeiro até parece aqui um homem só.
Mas não o foi. Ontem teve a seu lado todo o mundo tauromáquico
De todos os primeiros ferros compridos de cada cavaleiro foi ontem
desfraldada esta bandeira: "Tauromaquia é Cultura"
O empresário Luis Miguel Pombeiro - o Herói que desconfinou
a Tauromaquia a nível mundial - aplaudindo, ao lado dos dois
inspectores da IGAC, as figuras públicas mundiais que ontem foram
lembradas e aclamadas no início da corrida, através de imagens
exibidas num painel gigante na praça
A deputada social-democrata Fernanda Velez, uma voz de coragem
no Parlamento em defesa da Tauromaquia, marcou ontem louvável
presença na corrida histórica de Estremoz
Moita Flores, Carlos Anjos e o presidente da Câmara de Azambuja,
Luis Sousa, que ontem esteve na corrida em representação de todos
os autarcas aficionados deste país
Manuel Telles Bastos e Parreirita Cigano, entre outros mais,
assistindo à lide de um companheiro do outro lado da porta, no
páteo de quadrilhas
Distanciamento social e todos de máscara, apesar de se tratar de
um recinto ao ar livre. Não vá o diabo tecê-las...
Forcados de máscara enquanto permanecem na trincheira
Público foi ordeiro e deu exemplo de grande civismo nas entradas
e saídas da praça. Durante o espectáculo, não houve ajuntamentos.
Não funcionam os bares e não há intervalo. Regras novas impostas
pela pandemia
Agora não há voltas à arena. Cavaleiro e forcado vêm ao meio da
praça, cumprimentam-se com os cotovelos e agradecem os
aplausos do público. E ficamos por aqui...
"Resistiremos!". O primeiro toiro da ganadaria Vinhas entrando em
praça na corrida que reabriu ontem a nível mundial a Cultura
Tauromáquica na praça de Estremoz. Tinha o nº 88
Bonito pormenor: a Bandeira Nacional esteva a corrida toda
"hasteada" no painel gigante da praça
Toureiros, campinos, polícias  e forcados "mascarados". Agora vai ter
que ser assim
As novas e atípicas cortesias impostas pelas novas regras de
sanidade e segurança. Cavaleiros entraram um a um na arena
(na foto, o cabeça de cartaz Rui Salvador), foram cumprimentar
o director de corrida e o público e sairam rapidamente de cena
Os dois grupos de forcados atravessaram a arena (na foto, o de
Arronches), cumprimentaram o director de corrida e o público e
assim são agora as novas cortesias
Venderam-se todos os bilhetes permitidos e assistiram à corrida
cerca de 1.100 espectadores. Em segurança

Foto "Touradas"/Facebook
Público sentiu-se em segurança numa praça onde as regras de
prevenção do contágio da covid-19 foram ontem escrupulosamente
cumpridas e constituiram um exemplo e uma lição para todos
Público aplaudiu a referência a Miguel Sousa Tavares como uma
das figuras públicas que mais tem defendido a Tauromaquia
Mário Soares entre as muitas figuras que sempre defenderam a Festa
Normas de segurança e a lembrança de que "a Cultura não se
Censura" no painel gigante que estava ontem na praça


O princípio da nova diferença. Foi assim a corrida de ontem à noite em Estremoz, primeira a nível mundial depois do desconfinamento e que por isso mesmo fica na História - por obra e graça do empenho do empresário Luis Miguel Pombeiro

Miguel Alvarenga - Quando a maioria dos empresários se retraiu e muitos até deram passos atrás, cancelando todas as corridas nas suas praças, Luis Miguel Pombeiro chegou-se à frente, deu asas ao sonho de manter viva a Cultura Tauromáquica e anunciou, contra ventos e marés - e muitas negas das proclamadas figuras (ou, afinal, figurinhas) que diziam defender a Festa e depois se lhe negaram a participar nesta corrida, mas isso são contas de outro rosário que a seu tempo se analisarão) - esta que foi ontem em Estremoz a primeira grande corrida de reabertura a nível tauromáquico do sector que, como tantos mais, esteve três meses parados à conta desta maldita pandemia e deste vírus traiçoeiro que ainda por cá anda - que já vitimou milhares de pessoas em todo o mundo e, entre elas, o nosso grande Mário Coelho, por quem se guardou ontem um respeitoso e tão merecido (e triste) minuto de silêncio ao início da histórica corrida.
"O importante era dar o pontapé de saída", disse-me no fim o empreendedor Pombeiro, de quem sou amigo (de verdade) há mais de quarenta anos e que não venho hoje aqui elogiar apenas e só pelo facto de ter agora sido proclamado - muito justa e merecidamente - como novo gestor taurino do Campo Pequeno. Ele merece. A e Festa também.

Um exemplo para todos

O importante, dizia ele, era dar o pontapé de saída. E Pombeiro deu-o. E deu-o de forma exemplar. Ontem, devia ter saído em ombros. A organização, executada e pensada ao pormenor, foi uma lição para os empresários tauromáquicos deste país, para os aficionados, para o público - para todos.
Não quis beneficiar das novas regras da Direcção-Geral de Saúde que já permitem a utilização de 50% da lotação de (algumas) praças, que foram só anunciadas ontem, tarde e a más horas, mesmo em cima da corrida. E foi por diante na mesma, até porque a praça estava cuidadosamente preparada para cumprir as descabidas medidas anteriores da DGS que obrigavam a, por exemplo, deixar uma fila livre entre cada fila ocupada - e alterar tudo isso em cima da hora não era já possível.
O distanciamento social foi escrupulosamente cumprido, havia imensos lugares vedados - e o mais importante foi que as pessoas se sentiram em segurança, de máscara do início ao fim, não fosse o diabo tecê-las, apesar de ser um recinto ao ar livre, dando uma tremenda lição de civismo e, sobretudo, de tranquilidade. 
No final, o público saíu da praça ordeiramente, fila a fila, sector a sector, evitando ajuntamentos. Parecia que estávamos outra vez na escola a acatar as ordens do senhor professor, mas é assim que tem que ser agora. E ontem foi, repito, o princípio de uma nova diferença. Oxalá saibam todos os outros empresários e todos os outros públicos, seguir e repetir, a bem de todos, o exemplo dado ontem pelo empresário Luis Miguel Pombeiro.

Cortesias estranhas 
e agradecimentos na arena 
sem voltas

As novas regras impostas pela DGS e pela IGAC (dois inspectores supervisionaram ontem tudo na trincheira) acabaram com as cortesias e com as voltas à arena. Ao início, os cavaleiros vieram à praça, um a um, cumprimentaram o director de corrida e o público e sairam de cena. Os dois grupos de forcados fizeram o mesmo e os bandarilheiros nem a isso tiveram direito. Cortesias meio atípicas e estranhas, mas do mal o menos.
Também não houve voltas à arena. Cavaleiro e forcado vieram à praça, com os bandarilheiros respectivos, cumprimentaram-se com os cotovelos, agradeceram as ovações do público - e também sairam rapidamente de cena.
Um parêntisis para aqui destacar o bom senso e aficion com que Marco Gomes dirigiu ontem esta corrida especial, contemplando todos os artistas com a vinda à arena no final, independentemente dos resultados artísticos das suas intervenções. Ontem era, acima de tudo, uma noite de festa.
Só não concordo - tenho direito - com a obrigação dos toureiros estarem todos "resguardados" no páteo de quadrilhas, a ver as actuações dos companheiros atrás da porta. Alguns assistiram até na bancada. Já não digo os apoderados, os bandarilheiros e restantes comitivas, mas pelo menos os artistas do cartel poderiam estar autorizados a permanecer na trincheira a assistir às lides dos outros. Uma probição que certamente será revista, em nome do respeito que é preciso ter pelos cabeças de cartaz. Até porque se não foram autorizados a permanecer na trincheira para evitar ajuntamentos e contactos, acabaram por estar todos juntos, "à molhada e fé em Deus", no páteo de quadrilhas, a ver as outras lides dos companheiros.
Também os dois grupos de forcados - apesar de todos os elementos terem sido na véspera sujeitos ao teste da covid-19 e teram dado negativo - não puderam estar juntos na trincheira, apenas ali permanecendo (de máscara) os forcados de cada grupo que iam pegar o toiro que estava a ser lidado. A seguir, sairam ordeiramente da teia por um lado e pelo outro entou o grupo seguinte.
Os repórteres fotográficos também não foram - nem serão, ao abrigo das novas regras - autorizados a trabalhar na trincheira, fazendo-o desde a barreira.
Há, de facto, alguns exageros nestas novas regras - mas a saúde pública é mais importante que tudo e, valha a verdade, a trincheira da praça de Estremoz estava ontem exemplarmente vazia. Só lá permaneceu, toiro a toiro, quem lá tinha mesmo que estar. Acabaram-se os curiosos na teia. Por um lado, foi uma limpeza que há milhares de anos já devia ter sido feita... Veio a pandemia e fez o que mais ninguém tivera ainda a coragem de fazer, valha-nos isso...

Figuras do mundo aclamadas

No exterior e interior da praça estavam afixadas todas as normas de segurança obrigatórias e havia gel desinfectante em todas as portas.
Dentro da praça, foi instalado um painel gigante onde esteve sempre a Bandeira de Portugal hasteada ao longo do espectáculo. Bonito.
Nesse painel, ao princípio da corrida, foram surgindo, para além de cartazes da DGS de aconselhamento à prevenção do contágio da covid-19, imagens de várias figuras mundiais do mundo da cultura, das artes, da política e do espectáculo que ao longo das suas vidas apoiaram e deram a cara pela Tauromaquia, marcando presença nas praças de todo o mundo. 
De Hemingway a Orson Welles, de Picasso ao rei emérito de Espanha, de Amália a Mário Soares, Sá Carneiro e Jorge Sampaio, João Soares, Manuel Alegre e Elísio Summavielle, os fadistas Tristão da Silva, D. Vicente da Câmara, Gonçalo da Câmara Pereira (esqueceram-se no Nuno) e António Pinto Basto, Che Guevara (fotografado na barreira em Madrid) e tantos mais. Foi lembrada a célebre fase de Camilo José Cela, que um dia disse "Eu queria ser Toureiro e só cheguei a Prémio Nobel" e a maior ovação da noite foi, compreensivelmente, para a referência a Miguel Sousa Tavares, pelo brilhante e recente debate televisivo com a menina desinformada do PAN.
Do primeiro ferro comprido cravado por cada cavaleiro foi desfraldada uma bandeira onde se lia que "Tauromaquia é Cultura" e sobre os curros estava um enorme cartaz a deixar bem claro que "Resistiremos" - o lema de Pombeiro para esta primeira grande corrida que fica para todo o sempre na História da Tauromaquia Mundial.
Havia ainda um cartaz em espanhol onde se lia que "a Cultura não se Censura" e que marcou nesta noite a nota solidária de nuertos hermanos com a aficion portuguesa.
Paulino Coelho, voz conhecida da Rádio Renascença, foi o entertainer de serviço. Aplaudo, concordo e aceito porque a corrida de ontem era uma corrida de festa pelo regresso da Tauromaquia. Mas agora não se pode repetir mais. O espectáculo tauromáquico é demasiado solene e nobre e não é propriamente o "Poço da Morte" da antiga Feira Popular. Esteve muito bem e era preciso que ontem fosse assim. Mas agora, calma. E silêncio.

Não estavam, mas deviam estar

O ambiente era enorme. Muita gente importante do toiro nas bancadas. E algumas presenças de especial significado para a Festa e para o apoio de que ela precisa neste momento tão preculiar, como as de Moita Flores (brindado pelos Forcados de Arronches na terceira pega), Carlos Anjos e Luis Sousa, presidente da Câmara de Azambuja, em representação de todos os autarcas aficionados do país, a quem os Forcados Académicos de Elvas dedicaram a última pega da noite. E também a especialíssima presença da deputada social-democrata Fernanda Velez, que sem quaisquer complexos tem sempre defendido a arte tauromáquica nas suas corajosas intervenções no Parlamento e que terminou a mais recente, em pleno hemiciclo, com um vibrante "olé!". Pena que os artistas a não tenham ali reconhecido, certamente, e não lhe tenham dado honras de um brinde também. A Senhora merecia - mais que muitos.
Brito Paes e Ana Rita, bem como os forcados elvenses, brindaram ao empresário Pombeiro, em reconhecimento, mais que merecido, pelo seu esforço, pela sua dedicação e, sobretudo, por viver a Festa com a mesma paixão que é apanágio dos toureiros e dos forcados, dos ganadeiros e demais intervenientes.
A lamentar a (vergonhosa) ausência, notada (íssima!) e gritante, das associações que se dizem representativas e defensoras de todas as classes de protagonistas do espectáculo tauromáquico.
Excepção feita à nova e notável Direcção da Associação Nacional de Grupos de Forcados, que se fez representar por dez elementos, entre os quais o seu presidente Diogo Durão, não estiveram ontem em Estremoz - onde se impunha, por tudo e mais alguma coisa, que tivessem estado - representações da Associação Nacional de Toureiros, da Associação Portuguesa de Empresários Tauromáquicos, da Associação de Ganadeiros e, mais grave ainda, da Federação PróToiro. Estava, sim, Luis Capucha, presidente da Associação das Tertúlias Tauromáquicas. E estava Rui Casqueiro, presidente da Tertúlia "Festa Brava". Com bandeira e tudo.
Onde andava toda essa outra rapaziada? Se calhar, de férias na praia com a família...
Ou, se calhar, "estavam à espera que eu os tivesse convidado com pompa e circunstância", como me dizia Luis Miguel Pombeiro. Uma vergonha. Censurável. E triste. Afinal, defendem o quê?
Quanto aos nossos (des)governantes, nem vale a pena falar. Nem o Presidente Marcelo (nem ao menos um telefonema a Pombeiro, como fez a Cristina Ferreira no dia do seu novo programa televisivo...), nem o primeiro-ministro e muito menos a ministra da Cultura. Ou alguém que os representasse. Mas isso já era de esperar e não faz (ou faz) confusão a ninguém.
Agora, meus amigos, os dirigentes das (ditas e auto-proclamadas) associações tauromáquicas terem ontem pura e simplesmente ignorado e desprezado a importância vital que esta corrida tinha para o futuro da nossa Festa, isso é que não lembra nem ao diabo...
Para já não me alongar muito mais e não referir também a notada e comentada ausência de muitas (ditas e auto-proclamadas) figurinhas e figuraças do nosso toureio e também de alguns pseudo-empresários que até pretendiam salvar a Tauromaquia com touradas sem público e que aqui atrasado tanto barulho fizeram em nome de uma necessária defesa da Festa e depois ontem se esqueceram de ir à corrida onde deviam ter estado. E era importante que tivessem estado.
Já aqui volto para falar do espectáculo em termos artísticos e vos mostrar todas as fotos de uma noite que a História não vai esquecer.
Obrigado pela lição, Pombeirinho! E que assim seja também (será!) no Campo Pequeno.

Fotos M. Alvarenga