terça-feira, 1 de setembro de 2020

Francisco Cortes comemora 25 anos de alternativa: "Tive a carreira possível, sem padrinhos nem jogos escuros de bastidores, com honestidade e pés direitos!"

Francisco Cortes comemora este sábado na praça de Estremoz os seus 25 anos de alternativa. É um toureiro à antiga, de uma família à antiga. Para trás ficaram algumas metas por alcançar e alguns sonhos por cumprir. Ficou uma carreira digna, "a carreira possível", diz, sem padrinhos nem jogos escuros de bastidores - nem sempre reconhecida, muitas vezes injustiçada. Mas fazer aquilo de que gosta e para mais numa profissão tão especial, "é um privilégio", afirma o cavaleiro. Se voltasse atrás, mudava o quê, perguntei-lhe. "Preparava-me melhor a todos os níveis, para poder ser melhor tanto dentro como fora das arenas"

Entrevista de Miguel Alvarenga, fotos de António Santos

- Um breve balanço destes 25 anos de alternativa, Francisco...

- Desde que me lembro de ser eu, sonhava ser toureiro. Consegui, com muito esforço, dedicação e amor, manter-me 25 anos como profissional, vivendo exclusivamente da minha profissão. Muitas metas ficaram por atingir, mas poder fazer aquilo que se gosta e ainda mais numa profissão tão especial, é um privilégio.

- Valeu a pena?

- Valeu, por me ter permitido viver o dia-a-dia que sinto e gosto, apesar de ter passados muitos maus bocados, de me ter sentido injustiçado tantas vezes.

- Falou de metas que não foram atingidas, quais?

- Alcancei algumas metas com que sonhava. Como atrás referi, o facto de poder ser profissional a cem por cento, viver todos os dias para e com os cavalos toureiros. Isso foram objectivos que atingi, mas muitas metas ficaram por alcançar... Quando começamos, sonhamos 'comer o mundo' e ser o expoente máximo na área que amamos. Isso não foi, de forma alguma, atingindo. Tive a carreira possível, sem padrinhos sem jogos escuros de bastidores, com honestidade e pés direitos, como aprendi com o meu pai. Nos tempos que vivemos, com esta forma de actuar, nem sempre é fácil chegar longe. Mas prefiro que o maior património da família Cortes continue a ser a honra de ter um nome limpo que pode entrar em qualquer sítio de cabeça erguida. Nome esse que deambula pela tauromaquia há quase cem anos, uma vez que já o meu avô paterno foi cavaleiro amador e empresário da praça de Estremoz, o meu pai e o meu tio Afonso Cortes cavaleiros de alternativa e vários forcados. Esse é o legado que quero deixar aos meus filhos. Entendo que não vale tudo para atingir os fins... Enfim, coisas na verdade fora de moda, de famílias antigas, mas foi assim que fui educado.

- Nem sempre as grandes empresas terão sido justas consigo. O que falhou, Francisco?

- Terei falhado eu, que não terei feito méritos suficientes dentro ou fora das praças para justificar outro tipo de atenção...

- Qual foi a actuação que jamais esqueceu?

- Felizmente, tive algumas. Mas há duas que gostaria de realçar. Uma, no meu regresso à praça de Estremoz em 2015, onde estive proibido de tourear durante anos devido a questões que nem vale a pena recordar. E outra também em Estremoz, em 2017, numa homenagem que tive a honra e o prazer de organizar ao meu pai pelos seus 55 anos de alternativa, onde conseguimos que se registasse na praça da minha terra a maior afluência de público obtida desde a aos requalificação e onde toureou pela primeira vez em público o meu filho Francisco. Essa foi verdadeiramente a noite sonhada.

- E qual foi o cavalo da sua vida?

- Os cavalos são a minha vida. Toureei em 115, a grande maioria postos por mim desde poldros. Todos os anos estreio alguns cavalos novos, ainda agora nesta corrida do próximo sábado espero estrear um que me faz sonhar, o Jabotao, da quase extinta linha Andrade. Descende pelos quatro lados do famoso Martini de José Luis Sommer D'Andrade. Mas, respondendo à sua pergunta, o cavalo em que mais gostei de tourear e que penso que foi o meu melhor cavalo foi o Ojeda, com ferro Rio Frio, que depois dispensei ao João Ribeiro Telles.

- Se pudesse voltar atrás, o que mudava?

- Preparava-me melhor a todos os níveis. Para poder ser melhor tanto dentro como fora da praça, uma vez que sem uma não se consegue a outra. Como o Miguel se lembra, dantes os triunfos eram motivo de repetição, justificavam a repetição do toureiro e isso deixou de acontecer há vinte, trinta anos... Os empresários, regra geral e fora raríssimas excepções, deixaram de respeitar os toureiros. Não se importam com o esforço que fazemos, manter os cavalos, treinar, comprar vacas, etc. Não pensam em lançar novos valores, a não ser que paguem... Não se preocupam com o futuro da Festa. Sem bons toureiros, o público não vai às praças, mesmo que seja aficionado. E para se ser bom toureiro, tem que se tourear, tem que se dar oportunidades. É tal como com os jogadores de futebol. Raríssimos são os craques no primeiro ou segundo ano de sénior. Por isso, já quase nem há jovens a quererem ser toureiros. Repare como está envelhecido o escalafón. E ninguém faz nada, nem sequer falam nisso...

- O seu ídolo é...

- O meu pai, pelo exemplo de vida que me deu. E por ser como um bom bandarilheiro na minha vida, quando me vê em apuros é o primeiro a lançar o capote para retirar o toiro, sem eu precisar de dizer nada.

- Ser toureiro é...

- É viver um sonho, é algo tão grandioso que nenhuma actividade a pode substituir, por isso os toureiros têm tanta dificuldade em se retirarem.

- Qual o cartel especial que gostava de integrar e em que praça?

- O do próximo dia 5 de Setembro. Porque foram aqueles que num dia tão especial para mim quiseram estar a meu lado. Estou-lhes bastante agradecido por isso. Bem como a todos os que tornaram esta corrida possível.

- E que expectativas para a corrida?

- A expectativa é a de que seja uma noite de magia!

- E que expectativas para a carreira de seu filho?

- O melhor de mim são os meus filhos e só espero que sejam felizes. O Francisco adora este mundo, mas é bem sabedor das dificuldades inerentes, como tal tem que continuar na universidade, acabar o curso dele e ir toureando se o contratarem para algumas coisas que apareçam e ele posso ir desfrutando.

- Um sonho por cumprir...

- Ui, tantos que ficaram por cumprir! Mas continuo a sonhar e a treinar todos os dias para praticar o toureio que idealizo. Com toiros daqueles que dão importância ao que se faz. Porque quem dá ou tira categoria ao embate é o adversário que se enfrenta.

- E o futuro, Francisco?

- Como atrás referi, o toureio, para mim, para além do amor e do fascínio que lhe tenho, é uma profissão. Enquanto assim for, espero continuar na luta. Mas o futuro a Deus pertence.

Três dinastias, cinco Cortes num "Carocha": Francisco ao
volante com seu pai, José Maldonado Cortes, ao lado. E
atrás, o tio Afonso e os filhos José e Francisco


Francisco Cortes e seu filho Francisco, que sábado vai
tourear a seu lado na corrida comemorativa dos 25 anos
de alternativa

A família Maldonado Cortes fotografada esta semana na
praça de Estremoz