A primeira corrida da Feira da Moita, a mista do Município, celebrada ontem à noite na septuagenária e carismática praça "Daniel do Nascimento", foi um espectáculo agradável e teve uma animada moldura humana, enchendo praticamente a lotação possível, uma vez mais com grande prova de civismo e respeito escrupuloso pelas regras da "nova normalidade" por parte do público aficionado
Miguel Alvarenga - Faltou aquele que era um dos principais atractivos do cartel, o matador espanhol Miguel Ángel Perera, em boa hora substituído pelo nosso "Juanito" e a realidade é que a entrega, a raça e o valor, mais a arte, do jovem diestro luso depressa apagaram as eventuais saudades que alguns aficionados teriam do toureiro do país vizinho.
"Juanito", que esta noite volta à Moita para enfrentar os Palhas ao lado de Casquinha e "Cuqui", deixou extraordinário ambiente para a corrida de hoje. Fazia a sua estreia na Moita como matador de toiros e depressa conquistou o entendido e exigente público da "Daniel do Nascimento", um dos últimos redutos nacionais onde se venera e respeita o toureio a pé.
As duas faenas de "Juanito", a dois toiros distintos de Ascensão Vaz, foram um verdadeiro hino à entrega, ao profissionalismo, à vontade de agradar, ao esforço e à arte do valoroso matador de Monforte.
O primeiro toiro, de escassa presença e pouca qualidade, foi "espremido" até à última gota pelo toureiro, aparatosamente colhido no tércio de capote, mas que depressa se recompôs e impôs a sua força e a sua raça sacando passes e mais passes a um toiro que os não tinha. Tirou tudo onde não havia quase nada para tirar. O público reconheceu a entrega e o esforço de "Juanito" e em menos de nada o toureiro tinha a Moita a seu lado.
Uma curiosidade: esta sua primeira presença foi abrilhantada pelo pasodoble feito por Maurício do Vale em honra do matador moitense Luis "Procuna", que teve também arranjos de Carlos Alberto Moniz.
O segundo Ascensão Vaz era "mais toiro", codicioso, sem ser fácil, melhor apresentado que o anterior e com mais qualidade, apesar de ter só meias investidas e se parar demasiado a meio dos passes. "Juanito" entendeu-o na perfeição, demonstrando saber e evidenciando todo o seu valor, construindo, aos poucos, uma faena diversificada e de bom gosto, com momentos de emoção, pinceladas de arte e acordes bonitos de sinfonia artística.
Valeu a substituição. A Moita rendeu-se a "Juanito". E descobriu ontem que o toureio a pé tem uma nova estrela.
Nota altíssima para os pares de bandarilhas do grande Cláudio Miguel e também dos bandarilheiros espanhóis da quadrilha do matador.
A cavalo tourearam Luis Rouxinol e João Ribeiro Telles. O campeão de Pegões, que tem há anos o condão de nunca estar mal, lidou a abrir praça um toiro de Ribeiro Telles (ganadaria a que pertenciam os quatro para as lides equestres) sem transmissão e sem força, que se foi abaixo variadas vezes e que retirou brilho ao bom desempenho e ao esforço do grande ne sempre empenhado Rouxinol.
No quarto toiro da ordem, Luis Rouxinol voltou a não ter sorte e a ver o seu excelente labor apagado pela escassa transmissão e demasiada bondade do toiro, exageradamente Murube e que não deu emoção nenhuma ao, repito, extraordinário desempenho do toureiro.
Poucos dias depois da trágica corrida em Reguengos, onde se lidaram toiros duríssimos que fizeram estragos sobretudo nos forcados e quando um deles está ainda hospitalizado e a lutar pela vida, é um contra-senso absoluto ver depois um toiro tão bonzinho como este, perdendo a Festa o risco e a emoção que foram, desde sempre, a essência de um espectáculo onde a vida, às vezes, anda de mãos dadas com a morte.
Os toiros que couberam a João Ribeiro Telles, apesar da também pouquinha agressividade, tiveram outro som. O segundo da noite permitiu ao genial cavaleiro reafirmar o momento altíssimo em que se encontra. João consolidou uma posição sólida entre os primeiros, a segurança e a tranquilidade que transmite são virtudes de um toureiro consagrado e por todos eleito como um dos grandes do momento.
Ao quinto toiro da noite, de boa presença e com alguma emoção, Telles impôs a sua raça invencível e levantou o público das bancadas com ferros de tremenda verdade, a pisar a linha de fogo, com remates de irreverente grandiosidade, brega vistosa e excelentes colocações praticamente sem intervenção dos seus valorosos bandarilheiros. Fez ele tudo - e tudo o que fez foi bem feito. Deixou a sua marca e deixou, como era de esperar, grande ambiente para o voltarmos a ver na quinta-feira nesta mesma praça. Grande João!
Discretos, sem capotazos excessivos, bem nas colocações para as pegas, estiveram os valorosos bandarilheiros dos dois cavaleiros, Manuel dos Santos "Becas" e João Bretes, Nuno Oliveira e Duarte Alegrete.
Pegaram em solitário os forcados do veterano grupo de Amadores da Moita - e tiveram uma noite triunfal, depois de ao início da corrida se ter efectuado na arena a cerimónia de entrega das novas jaquetas.
O primeiro toiro foi pegado à terceira tentativa pelo cabo Pedro Raposo. As outras três pegas foram consumadas à primeira por intermédio dos forcados David Solo, Francisco Tavares e Fábio Silva, este último na mais emotiva pega da noite. O grupo esteve coeso e bem a ajudar.
Destaque para três brindes: dois do grupo de forcados, um ao presidente da Câmara e outro à aficionadíssima deputada social-democrata Fernanda Velez, que uma vez mais nos voltou a honrar com a sua presença; e outro de "Juanito" a Rui Fernandes, a seu sobrinho Duarte Fernandes e a António Ventura.
Um ano depois da sua grave colhida na trincheira desta praça, foi pena que ninguém se tivesse lembrado de um brinde ao repórter fotográfico Fernando Clemente...
A corrida foi bem dirigida por Fábio Costa, com rigor, bom senso e aficion, que esteve ontem assessorado pelo médico veterinário Carlos Santos.
Foi pena, também, ao início da corrida não se terem lembrado de guardar um minuto de silêncio em memória do bandarilheiro e antigo novilheiro Jacinto Fernandes, falecido de manhã. Ele merecia.
Resumindo, um bom arranque da Feira da Moita, com o público a corresponder enchendo os lugares permitidos e respeitando ao máximo as regras de distanciamento físico, o uso de máscaras e as saídas ordeiras no final do espectáculo. O empresário Ricardo Levesinho de parabéns pela excelente organização e pelo mote que ontem foi dado para uma grande feira comemorativa do 70º aniversário da inauguração desta carismática e bonita praça de toiros.
Fotos M. Alvarenga
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Lote de toiros de Rouxinol retirou algum brilho ao sempre extraordinário labor do campeão de Pegões |
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Triunfo rotundo de João Telles em duas lides emotivas a confirmar e a consagrar um Toureiro em grande momento |