quarta-feira, 16 de setembro de 2020

Moita: faltou Perera, sobrou "Juanito" e ninguém deu pela falta do espanhol...

A primeira corrida da Feira da Moita, a mista do Município, celebrada ontem à noite na septuagenária e carismática praça "Daniel do Nascimento", foi um espectáculo agradável e teve uma animada moldura humana, enchendo praticamente a lotação possível, uma vez mais com grande prova de civismo e respeito escrupuloso pelas regras da "nova normalidade" por parte do público aficionado

Miguel Alvarenga - Faltou aquele que era um dos principais atractivos do cartel, o matador espanhol Miguel Ángel Perera, em boa hora substituído pelo nosso "Juanito" e a realidade é que a entrega, a raça e o valor, mais a arte, do jovem diestro luso depressa apagaram as eventuais saudades que alguns aficionados teriam do toureiro do país vizinho.

"Juanito", que esta noite volta à Moita para enfrentar os Palhas ao lado de Casquinha e "Cuqui", deixou extraordinário ambiente para a corrida de hoje. Fazia a sua estreia na Moita como matador de toiros e depressa conquistou o entendido e exigente público da "Daniel do Nascimento", um dos últimos redutos nacionais onde se venera e respeita o toureio a pé.

As duas faenas de "Juanito", a dois toiros distintos de Ascensão Vaz, foram um verdadeiro hino à entrega, ao profissionalismo, à vontade de agradar, ao esforço e à arte do valoroso matador de Monforte.

O primeiro toiro, de escassa presença e pouca qualidade, foi "espremido" até à última gota pelo toureiro, aparatosamente colhido no tércio de capote, mas que depressa se recompôs e impôs a sua força e a sua raça sacando passes e mais passes a um toiro que os não tinha. Tirou tudo onde não havia quase nada para tirar. O público reconheceu a entrega e o esforço de "Juanito" e em menos de nada o toureiro tinha a Moita a seu lado. 

Uma curiosidade: esta sua primeira presença foi abrilhantada pelo pasodoble feito por Maurício do Vale em honra do matador moitense Luis "Procuna", que teve também arranjos de Carlos Alberto Moniz.

O segundo Ascensão Vaz era "mais toiro", codicioso, sem ser fácil, melhor apresentado que o anterior e com mais qualidade, apesar de ter só meias investidas e se parar demasiado a meio dos passes. "Juanito" entendeu-o na perfeição, demonstrando saber e evidenciando todo o seu valor, construindo, aos poucos, uma faena diversificada e de bom gosto, com momentos de emoção, pinceladas de arte e acordes bonitos de sinfonia artística.

Valeu a substituição. A Moita rendeu-se a "Juanito". E descobriu ontem que o toureio a pé tem uma nova estrela.

Nota altíssima para os pares de bandarilhas do grande Cláudio Miguel e também dos bandarilheiros espanhóis da quadrilha do matador.

A cavalo tourearam Luis Rouxinol e João Ribeiro Telles. O campeão de Pegões, que tem há anos o condão de nunca estar mal, lidou a abrir praça um toiro de Ribeiro Telles (ganadaria a que pertenciam os quatro para as lides equestres) sem transmissão e sem força, que se foi abaixo variadas vezes e que retirou brilho ao bom desempenho e ao esforço do grande ne sempre empenhado Rouxinol.

No quarto toiro da ordem, Luis Rouxinol voltou a não ter sorte e a ver o seu excelente labor apagado pela escassa transmissão e demasiada bondade do toiro, exageradamente Murube e que não deu emoção nenhuma ao, repito, extraordinário desempenho do toureiro.

Poucos dias depois da trágica corrida em Reguengos, onde se lidaram toiros duríssimos que fizeram estragos sobretudo nos forcados e quando um deles está ainda hospitalizado e a lutar pela vida, é um contra-senso absoluto ver depois um toiro tão bonzinho como este, perdendo a Festa o risco e a emoção que foram, desde sempre, a essência de um espectáculo onde a vida, às vezes, anda de mãos dadas com a morte.

Os toiros que couberam a João Ribeiro Telles, apesar da também pouquinha agressividade, tiveram outro som. O segundo da noite permitiu ao genial cavaleiro reafirmar o momento altíssimo em que se encontra. João consolidou uma posição sólida entre os primeiros, a segurança e a tranquilidade que transmite são virtudes de um toureiro consagrado e por todos eleito como um dos grandes do momento.

Ao quinto toiro da noite, de boa presença e com alguma emoção, Telles impôs a sua raça invencível e levantou o público das bancadas com ferros de tremenda verdade, a pisar a linha de fogo, com remates de irreverente grandiosidade, brega vistosa e excelentes colocações praticamente sem intervenção dos seus valorosos bandarilheiros. Fez ele tudo - e tudo o que fez foi bem feito. Deixou a sua marca e deixou, como era de esperar, grande ambiente para o voltarmos a ver na quinta-feira nesta mesma praça. Grande João!

Discretos, sem capotazos excessivos, bem nas colocações para as pegas, estiveram os valorosos bandarilheiros dos dois cavaleiros, Manuel dos Santos "Becas" e João Bretes, Nuno Oliveira e Duarte Alegrete.

Pegaram em solitário os forcados do veterano grupo de Amadores da Moita - e tiveram uma noite triunfal, depois de ao início da corrida se ter efectuado na arena a cerimónia de entrega das novas jaquetas.

O primeiro toiro foi pegado à terceira tentativa pelo cabo Pedro Raposo. As outras três pegas foram consumadas à primeira por intermédio dos forcados David Solo, Francisco Tavares e Fábio Silva, este último na mais emotiva pega da noite. O grupo esteve coeso e bem a ajudar.

Destaque para três brindes: dois do grupo de forcados, um ao presidente da Câmara e outro à aficionadíssima deputada social-democrata Fernanda Velez, que uma vez mais nos voltou a honrar com a sua presença; e outro de "Juanito" a Rui Fernandes, a seu sobrinho Duarte Fernandes e a António Ventura.

Um ano depois da sua grave colhida na trincheira desta praça, foi pena que ninguém se tivesse lembrado de um brinde ao repórter fotográfico Fernando Clemente...

A corrida foi bem dirigida por Fábio Costa, com rigor, bom senso e aficion, que esteve ontem assessorado pelo médico veterinário Carlos Santos.

Foi pena, também, ao início da corrida não se terem lembrado de guardar um minuto de silêncio em memória do bandarilheiro e antigo novilheiro Jacinto Fernandes, falecido de manhã. Ele merecia.

Resumindo, um bom arranque da Feira da Moita, com o público a corresponder enchendo os lugares permitidos e respeitando ao máximo as regras de distanciamento físico, o uso de máscaras e as saídas ordeiras no final do espectáculo. O empresário Ricardo Levesinho de parabéns pela excelente organização e pelo mote que ontem foi dado para uma grande feira comemorativa do 70º aniversário da inauguração desta carismática e bonita praça de toiros.

Fotos M. Alvarenga

Lote de toiros de Rouxinol retirou algum brilho ao sempre
extraordinário labor do campeão de Pegões
Triunfo rotundo de João Telles em duas lides emotivas
confirmar e a consagrar um Toureiro em grande momento
"Juanito" substituiu Miguel Ángel Perera e ninguém deu pela
falta do espanhol. Com dois toiros distintos e que deram
trabalho, o fantástico matador deixou o exigente público
da Moita rendido à sua arte e ao seu enorme valor