sexta-feira, 18 de setembro de 2020

Moita: um Telles, dois Telles, três Telles e também um grande Filipe!

A nocturna de ontem na Moita, com os bilhetes possíveis todos vendidos e que fechou um ciclo importante que teve forte adesão de público nas três corridas, teve duas partes distintas. A primeira com três bons toiros de Mata-o-Demo, a segunda com outros três mansos e sem qualidade, a que se sobrepôs a entrega e o valor dos últimos cavaleiros. António Telles, João Telles (o grande triunfador da corrida) e o jovem Tristão, o mais novo da histórica dinastia da Torrinha, estiveram ontem em grande evidência. E também Filipe Gonçalves, que foi à Moita para "comer tudo" e triunfou. O espanhol Andrés Romero andou apertadíssimo frente a um toiro complicado e o jovem António Prates alternou momentos altos com outros mais baixos. A forcadagem do Aposento esteve heróica na celebração dos seus 45 anos

Miguel Alvarenga - Arrastou-se por mais de três longas horas a corrida de ontem à noite na Moita, o que já não vem sendo hábito graças às novas regras dos tempos de pandemia que vieram, felizmente, encurtar significativamente a duração dos espectáculos - como há muito se desejava.

Ontem, as 17 tentativas para pegar os seis complicados toiros de Mata-o-Demo e também o tempo que os toiros, já com as portas fechadas, levaram a sair da "ante-câmara" dos currais, permanecendo os cabrestos na arena à guarda dos campinos até terem campo livre para entrar para dentro, obrigaram a que ali estivéssemos, ainda por cima com as inconfortáveis máscaras "nas trombas", um tempo que não havia meio de ter fim. Uma seca... Já não tenho saco para três horas de tourada, livra!

Artisticamente, apesar dos três toiros ruins da segunda parte, a corrida teve momentos muito bons, graças ao empenho, ao valor e à raça dos seis cavaleiros.

António Ribeiro Telles lidou com a usual maestria o primeiro toiro da noite, de francas investidas, a querer "mandar na festa", mas o Maestro jamais permitiu que assim fosse - e quem mandou foi sempre ele e só ele. Brega aprumada, cites emotivos e grandes ferros "à António" - ainda e sempre uma glória eterna do toureio a cavalo, cada vez melhor, cada vez mais como o vinho do Porto!

Filipe Gonçalves foi ontem à Moita disposto a "comer tudo". Brindou a lide a Rui Fernandes e Diego Ventura e depois mostrou como se toureia, como se chega ao público e como se triunfa. Decidido e com atitude, recebeu o toiro (de excelente nota) com uma arrojada sorte de gaiola que pôs logo o público de pé. Depois, desenvolveu uma lide variada e vistosa, com "piruetas" e adornos de muita raça, cravando ferros de verdade em sortes frontais e também a "quiebro", rematando com bom gosto. 

João Ribeiro Telles, que ao início da corrida recebeu o galardão como triunfador da Feira da Moita do ano passado, é o candidato mais forte deste ciclo a (re)conquistar esse prémio esta temporada, depois dos triunfos de terça-feira e de ontem. Está num momento sem igual, moralizado, super bem montado e mais maduro e mais toureiro que nunca. Actuação empolgante, brega perfeita, cites bonitos e ferros de grande emoção, pisando a linha de fogo, entrando pelos toiros dentro em terrenos de "aperto", parando corações na bancada. Esteve simplesmente enorme e sagrou-se por isso o grande e absoluto triunfador da noite.

O espanhol Andrés Romero abdicou ontem dos números de espectacularidade com que cativa o público e preocupou-se - e muito bem - em executar um toureio de verdade, muito mais à portuguesa, já que estava diante de um público mais exigente e mais conhecedor. Fez bem e demonstrou com isso elevado profissionalismo. O novo "furacão" do rejoneio, que ainda vamos ver no dia 27 na Azambuja e no dia 1 de Outubro no Campo Pequeno, teve pela frente um toiro complicado, reservado e que não permitiu o triunfo sonhado. Mesmo assim, esteve em evidência com bons pormenores de brega, ferros frontais e ousados e adornos de arte nos remates. É um bom cavaleiro, disso não tem ninguém dúvidas. E pode "mexer" com a nossa Festa, como sempre "mexeram" os rejoneadores seus compatriotas.

Também parado, com sentido, a acusar mansidão e a procurar refúgio em tábuas foi o toiro de António Prates. O jovem cavaleiro não esteve tão feliz como noutras ocasiões. Exibiu muitos cavalos, mas nem sempre as coisas lhe correram de feição, aliando bons momentos com outros de menor inspiração e com alguns toques violentos. No final, reconheceu isso mesmo e não quis ir à arena. Acabou por ir, mas aplaudiu o forcado e saiu. Gesto de toureria e de honra.

O novo Ribeiro TellesTristão, jovem cavaleiro amador, teve por diante um novilho-toiro sem investida, a procurar sempre a fuga para as tábuas, mas cedo o colocou "debaixo do braço", dando-lhe a volta e conquistando os aplausos de um público entendido e que reconheceu o ser esforço - e sobretudo, a sua raça e intuição. Nem parecia um principiante - e é. Mais um Telles para entrar na "guerra". E é bom. Arriscou, porfiou, atirou-se para a frente e conseguiu uma lide perfeita e até emotiva com um toiro que não tinha nada para dar, muito menos emoção. Mas deu ele. Actuação perfeita e louvável, a deixar antever, como já tinha acontecido em outras actuações, um futuro risonho e promissor. Temos toureiro!

Uma palavra de louvor para todos os bandarilheiros, sem excepção, nesta difícil e esforçada tarefa de receber, bregar e colocar para os forcados os pouco fáceis toiros de Mata-o-Demo.

Os forcados do Aposento da Moita não tiveram tarefa fácil na noite de celebração do seu 45º aniversário, como já aqui ficou pormenorizadamente referido e documentado. Felizmente ninguém se aleijou nas 17 tentativas efectuadas e o grupo também não perdeu, como antes escrevi, os pergaminhos de um glorioso historial. Podia ter sido melhor, pois podia. Mas não foi uma desgraça. Força, rapaziada! E parabéns aos "antigos", em particular ao Luis Fera, ao Fernando Parente e ao grande rabejador e ex-cabo Tiago Ribeiro, que ontem deu lição a fazer o que tão bem sabe em quatro das pegas da noite. Enorme! Quem sabe, jamais esquece.

Fábio Costa dirigiu a corrida com acerto e alguma facilidade em conceder música. Mas não critico isso. Ninguém teve música sem a merecer e se foi nalguns casos cedo demais, festa é festa - e a Moita é sempre uma festa!

Tenho dito. Noite longa - mas com grandes momentos. Valeu a pena.

Fotos M. Alvarenga




Maestria eterna e cada vez mais apurada de António Telles
abriu a noite na Moita com uma lide fantástica



Filipe Gonçalves viveu ontem um triunfo importante e
sonante na praça da Moita, onde há 15 anos recebeu a
alternativa numa Corrida "Farpas"



João Telles reafirmou ontem que é uma das maiores estrelas
do momento. Foi triunfador da Feira da Moita em 2019 e é
também indiscutivelmente o grande triunfador de 2020!



Andrés Romero não exibiu ontem rasgos de "furacão". Antes
toureou de verdade e com o aprumo dos maiores



António Prates não teve uma actuação redonda: altos e
baixos, mas alguns momentos de emoção



A forma como deu a volta e construiu uma lide perfeita com
um novilho-toiro de má nota confirmaram o novo Ribeiro
Telles, Tristão, como uma certeza do futuro. Ainda agora
começou e já denota qualidades de toureiro grande!