Miguel Alvarenga - Hoje era, há-de ser sempre, o teu dia. Fazias anos e ligavas quase nada a isso. Como eu. Nisso e em tantas outras coisas, éramos iguaizinhos. Às vezes estavas livre e jantavas com a Fernanda, o Bruno e o Hugo, depois com as noras e os netos mais tarde. Mas quase nunca estavas livre porque, mais coisa menos coisa, o teu aniversário coincidia sempre com uma tourada na Moita, era a feira, com o hoje, e lá íamos nós. Passámos juntos muitos dos dias dos teus anos, lembras-te?
De manhã telefonava-te e hoje já não vou fazer isso, nem sequer sei o número do Céu e também não ligo nada a telemóveis e muito menos a telefonemas. Mas faz-me falta dar-te os Parabéns e ouvir-te rir, "mais um ano, que se lixe". Depois, ao final da tarde, rumávamos à Moita, às vezes jantávamos antes no Tó Manuel, nas "Enguias".
"Despacha-te, Miguel, temos que arranjar lugar para parar o carro, não bebas mais, tens que defender a tua imagem, depois dizem: O gajo estava bêbedo!". Ai é? Então venha lá mais uma imperial!
E depois acontecia tanta coisa, eram tantas estórias, e ríamos tanto. Era uma festa irmos juntos às corridas. Adorava o teu sentido de humor, as tuas parvoíces que faziam de ti um eterno garoto. E o teu profissionalismo, que era único e marcava há anos a diferença.
Às vezes choro sózinho quando me lembro disso tudo e da falta que me fazes. Nunca fui muito piegas. Tu eras imenso. Mas lembrar-me de ti e das nossas aventuras - porque muitas delas foram mesmo aventuras - enche-me de nostalgia, dou por mim de lágrimas nos olhos, tanta vez, a olhar pela janela e a questionar por que razão te foste embora quando ainda tínhamos tanta coisa para fazer. E para viver. E para rir.
E lembro-me tanto daquela última e tão longa semana no hospital. Da última vez em que me apertaste a mão com toda a força e me disseste "Que Deus abençoe o Santiago", que acabara de nascer. E nunca mais esqueci isso. E também nunca mais me disseste mais nada.
Para trás ficavam quarenta, cinquenta anos de Amizade, de Irmandade, talvez quinhentos ou oitocentos mesmo, foi imenso tempo que vivemos juntos tanta coisa, tanto projecto, alguns momentos piores, mas quase todos bons. E seguíamos em frente - sempre a rir, ainda por cima.
Quando partiste, sei lá para onde, não gosto de dizer quando morreste, porque tu eras e és imortal, senti que partia também uma parte importante da minha vida. Ainda ficavam muitas, graças a Deus. Mas a tua era importante demais. Foste importante demais na minha vida. E não foi nada justo que te tivesses ido embora.
Era um fim esperado - e tu sabias. Mas lutaste contra ele, com todas as forças e como nunca vi ninguém lutar, durante seis longos anos. "Desta vez não há nada a fazer, a médica já falou comigo, ainda bem que aqui estão, porque amanhã já não me vai ver mais", nunca mais esqueci, tenho-as para sempre atravessadas na garganta e calam-me a alma e a vontade de tudo, estas tuas palavras quando pela primeira vez, nessa semana do fim, te visitei no hospital com o Rui Bento.
Nunca vi, nem sabia que havia pessoas assim, ninguém lidar com o fim como tu lidaste nessa última semana. Mas até nisso foste especial - e foste diferente.
Sabes, Emílio, morro de saudades de ti todos os dias. E por isso aqui estou e estarei sempre aqui a lembrar-te. E a mandar-te os Parabéns que não pude dar-te hoje pelo telefone. Era o teu dia, é o teu dia. O Santiago está óptimo, graças a Deus, está enorme, um amor. E um dia vou-lhe contar que tive um Amigo chamado Emílio.
Fotos D.R.