sexta-feira, 29 de janeiro de 2021

Era de Vila Franca e chamava-se José Júlio

 

O Maestro José Júlio não sobreviveu à infecção de covid-19, contraída no Lar da Misericórdia de Vila Franca, onde viveu os seus últimos dias, e morreu esta tarde no Hospital da sua cidade natal a dois dias de cumprir o seu 86º aniversário natalício

José Júlio Venâncio Antunes, nascido em 31 de Janeiro de 1935 (cumpriria 86 anos no próximo domingo) em Vila Franca de Xira, era filho de Júlio Antunes, bandarilheiro, e sobrinho neto de um conhecido forcado do Grupo de Vila Franca, de seu nome Venâncio. Órfão de pai aos quatro anos de idade, e com a mãe doente, foi acolhido e criado pelos seus tios, pais de Alves Redol.

Na infância, dava largas à sua imaginação e simulava faenas com as outras crianças da rua, arriscando algumas vezes a ida a ganadarias, mesmo de forma clandestina. A vontade de se tornar toureiro profissional levou-o a rumar, com 16 anos, à Escola de Toureio da Golegã, de Mestre Patrício Cecílio.


A estreia de José Júlio em público ocorreu no final da temporada de 1955, num festival taurino realizado na praça de de toiros do Cartaxo, em que também actuaram Manuel dos Santos, António dos Santos e Francisco Mendes. No ano seguinte, mais precisamente, a 10 de Abril de 1956, vestiu pela primeira vez o traje de luces, na antiga praça de Santarém. Em Junho do mesmo ano apresentava-se na Monumental do Campo Pequeno, em Lisboa.


No seu debute em Las Ventas, Madrid, a primeira praça de toiros do mundo, na tarde de 24 de Setembro de 1959, cortou uma orelha, tendo sido o primeiro toureiro a pé, de nacionalidade portuguesa, a consegui-lo nesta praça. Em 19 de Abril do mesmo ano estreara-se também na arena de Nimes, França.


Depois de um brilhante percurso como novilheiro, José Júlio tornar-se-ia matador de toiros no ano de 1959, na praça de Zaragoza, onde recebeu a alternativa, no dia 11 de Outubro, das mãos de Manuel Jiménez “Chicuelo”, com o testemunho de Gregório Sánchez, lidando o toiro "Bailador" da ganadaria de Pio Tabernero. Confirmou a alternativa em Madrid a 23 de Maio de 1960, pela Feira de Santo Isidro, com Júlio Aparício por padrinho e Luis Segura como testemunha, frente a toiros de Galache.


Considerado um dos matadores portugueses mais completos, e extraordinário na sorte de bandarilhas, José Júlio partilhou praça ao longo da sua gloriosa trajectória com alguns dos mais destacados toureiros do seu tempo e cultivou muitos admiradores. Alves Redol dedicou-lhe uma célebre crónica no “Diário de Lisboa”, intitulada “Sombra e sangue”, publicada em 1960, depois de uma actuação em que o matador foi colhido, na Real Maestranza de Sevilha.


Da cumplicidade de José Júlio com Alves Redol passou à história a ocasião em que o matador ajudou o escritor a viajar clandestinamente a Espanha, para se encontrar com «a memória» de García Lorca, à revelia do Estado Novo. Para conseguir fazer a viagem, Redol foi integrado entre os membros da quadrilha de José Júlio, fazendo passar-se por picador sobressalente, iludindo desta forma os fiscais da fronteira terrestre.


José Júlio recebeu o Prémio Bordalo (1966) ou Prémio da Imprensa, como matador de toiros da categoria "Tauromaquia", prestigiado troféu que era atribuído pela Casa da Imprensa”Pela classe demonstrada nos três tércios da lide, designadamente nas suas actuações em Moura e no Cartaxo" recebeu também o mesmo Prémio Bordalo em 1970 na mesma categoria.


Uma grande exposição sobre a carreira a José Júlio, no Celeiro da Patriarcal, em Vila Franca, foi a forma como o matador foi o homenageado na edição de 2016 do Colete Encarnado. Em Outubro de 2009 José Júlio celebrou os 50 anos da sua alternativa na arena da “Palha Blanco”, em Vila Franca de Xira, onde foi descerrada uma lápide comemorativa.


Em 2 de Fevereiro de 2019, foi erigido ao Maestro José Júlio, junto ao Mercado Municipal de Vila Franca de Xira, por iniciativa de um grupo dos seus conterrâneos patrocinada pela edilidade local, um busto da autoria do escultor espanhol Alberto German. Ainda em 2019 foi um dos matadores de toiros portugueses homenageados num festival em Sobral de Monte Agraço pelo empresário José Luis Gomes. Também em 2019, em Novembro, a Câmara de Vila Franca atribuiu a uma rua da cidade o nome do emblemático toureiro.


Há onze anos toureou pela última vez de luces na praça de Vila Franca e há dois (2019), com 84 anos, fez a sua última faena lidando uma novilha num festejo privado em Alagoa, Portalegre (fotos de baixo).


Fotos M. Alvarenga e Fátima Nalha