Na praça de Montemor, Setembro de 2016. Discreto, como sempre, em segundo plano no burladero. A meu lado, Rui Bento e Mestre Luis Miguel da Veiga, que nessa tarde comemorou os 50 anos de alternativa |
Miguel Alvarenga - Escreveu um dia alguém que "os mortos nunca estão realmente mortos até que sejam esquecidos". E por isso Simão Comenda não morreu, não podia morrer. Porque jamais o esqueceremos.
O que esta madrugada, infelizmente, aconteceu, não terá sido propriamente inesperado. Mas custa muito aceitar. Mestre Simão, como eu sempre o tratava e ele ria-se e dizia que eu tinha por ele uma deferência que não merecia, mas merecia-a, não conseguiu vencer este toiro maldito, como venceu todos os outros ao longo de uma carreira que nunca foi escrita em livro mas tinha honras de o ser um dia.
Foi um monstro da forcadagem. O melhor rabejador do seu tempo e, se calhar mesmo, de todos os tempos. Um pilar dos Amadores de Montemor. Um forcado de renome internacional. No México foi ídolo, desde que nesse ano já longínquo de 1970 integrou o primeiro grupo de forcados que pegou naquele país e era capitaneado pelo também saudoso Simão Malta.
Vi-o ainda actuar inúmeras vezes, mas só mais tarde o conheci pessoalmente. Admirava-o como grande Forcado que foi. Admirava o seu historial, a sua trajectória, que foi de glória e de triunfo. Passei depois a admirá-lo pelo Homem que ele era, pelo ser humano extraordinário que tive a honra e o orgulho de ter tido como Amigo. Desfazia-se em delicadezas. "Entre, meu amigo, esta casa é sua", dizia sempre quando eu batia à porta da praça de Montemor, com aquela simplicidade e aquela humildade que o tornavam diferente, espécie de anti-herói, como se não tivesse sido ele uma das maiores glórias dos Forcados e da nossa Tauromaquia.
Como empresário, ao lado do Paulo Vacas de Carvalho, marcou, marcaram, também a diferença. Organizavam duas corridas por ano, mas eram sempre duas grandes corridas. Na de Setembro, tinham o cuidado de esperar quase até ao fim para contratar os toureiros que mais se destacavam na temporada. E as suas organizações eram impecáveis, sérias, arrojadas. Agora que o não tens a teu lado, a maior homenagem que lhe podes prestar, meu querido amigo Paulo, é continuares essa obra que vocês, juntos, conseguiram levar tão além.
Choro agora por Simão Comenda. Choro sim. E choramos muitos. Ele tinha uma legião infindável de bons Amigos. Mas também a estima e a consideração de todos os aficionados. Pelo que foi como Forcado, pelo que era ainda como empresário. Pela pessoa admirável que a todos cativava.
É e será sempre uma figura incontornável e inesquecível da nossa Festa. Houve outros, como ele, que marcaram um tempo e deixaram história feita. Simão Comenda pertencia a uma era de que já existem poucos sobreviventes e que, pelos seus actos, pela sua forma distinta de estar na vida, conseguiram dar à Festa um carisma e um glamour que se foi perdendo com o tempo.
Gostava de o ouvir falar. Aprendia com ele e com as suas estórias, de que foi um contador fantástico. Achava graça à sua fala, carregando nos érres, que o caracterizava e era uma espécie de imagem de marca de Mestre Simão.
Não é por ter morrido que vamos agora dizer que foi muito bom Homem e que vai fazer imensa falta. Simão Comenda foi mesmo um bom Homem e vai fazer mesmo imensa falta.
Em todas as praças, em todos os actos taurinos que se passavam pelo país, a sua presença era uma constante. Sempre ao lado de sua Mulher, Dª Vitória, dando um exemplo também raro nos tempos de hoje, formando um dos casais mais queridos e mais unidos deste mundo da Tauromaquia.
Simão Comenda morreu hoje. Foi mais ou menos, infelizmente, a crónica de uma morte anunciada. Todos os dias procurei saber notícias deles através de seu filho. Ontem o Simão parecia mais desanimado. Não havia melhoras e a situação, cada vez mais grave, arrastava-se sem que houvesse uma luz ao fundo do túnel.
Simão Comenda morreu hoje, escrevi eu. Que estupidez. Pode lá morrer uma figura como ele! Pode lá morrer alguém que nunca mais vamos esquecer! Houve pessoas que me marcaram, ao longo dos anos, neste mundo dos toiros. Mestre Simão foi uma delas.
Quero escrever tudo e acreditem que não me sai nada. Choro por Simão Comenda. Foi-se embora, ausentou-se, mas deixou atrás de si um rasto de luz inapagável. E um sem número de órfãos que com ele aprenderam e jamais esquecerão o seu exemplo.
A Dª Vitória, a sua filha e seu filho, a toda a ilustre Família enlutada, aos Forcados de Montemor, aos Amigos que estão hoje tão tristes como eu estou, deixo o meu beijo, o meu abraço. Sentido. Verdadeiro.
A si, Mestre Simão, Muito Obrigado pelo que foi, representou e será sempre no mundo dos toiros. Muito Obrigado por ter sido meu Amigo. Não o vou esquecer nunca.
Descanse em paz.
Fotos Carlos Silva e D.R.