Destacada actuação de Moura Caetano no segundo e complicado toiro de Fontembro, com triunfo na primeira corrida em Portugal depois do êxito de domingo passado em Cantalejo, Espanha |
Miguel Alvarenga - Colocando um ponto final numa importante e marcante jornada de promoção do futuro da Festa Brava - o ciclo de novilhadas que ali decorreu nas duas últimas semanas - a empresa Ovação e Palmas levou ontem a efeito a tradicional corrida mista da Feira de Maio (que este ano teve realização online por obra e (des)graça da maldita pandemia que ainda não nos deixou em paz) na praça de toiros "Dr. Ortigão Costa" na Azambuja, com a lotação permitida praticamente cheia, depois de as três novilhadas (duas eliminatórias e a final no passado sábado) terem também registado uma agradável e entusiástica afluência de público. Um êxito a marcar este início de temporada na praça de Azambuja, que volta a ter uma corrida em Setembro e um festival no início do mês de Outubro.
A corrida de ontem foi agradável, viram-se momentos de bom toureio a cavalo e a pé, excelentes e rijas pegas, mas os toiros da ganadaria Fontembro, de irrepreensível apresentação, duros, a pedir contas e de investidas pouco claras, não ajudaram propriamente à festa. Valeu o esforço e a entrega de todos os toureiros. Feitas as contas, não terá sido uma daquelas tardes que nos faz sair da praça a dizer que vimos uma grande corrida, mas divertiu e foi agradável, pese embora o imenso calor que se fazia sentir.
Homenageou-se muito justa e merecidamente, no final da lide do quarto toiro, no curto intervalo em que se passou das lides a cavalo para as duas lides a pé, a memória de um grande aficionado que jamais esqueceremos: Mestre António Salema, fundador da escola de toureio local e grande apoiante e incentivador de todos os toureiros nascidos na Azambuja. José Salema, filho do saudoso Mestre, foi à arena receber os aplausos que o público tributou à memória de seu pai e as homenagens que o Município lhe prestou, com a louvável e honrosa presença na praça do presidente e do vice-presidente da Câmara. Justa e emotiva homenagem.
Manuel Gama, assessorado pelo médico veterinário José Manuel Lourenço, foi ontem o director de corrida, com a competência e a aficion que lhe reconhecemos, premiando os toureiros com música nos momentos certos e contribuindo de forma decisiva para o bom desenrolar do espectáculo.
Abriu praça a cavaleira Ana Batista frente a um toiro que não tinha uma qualidade por aí além, mas que foi crescendo e que a valorosa toureira lidou com a arte e a classe que a caracterizam há mais de duas décadas de enorme profissionalismo. Boa brega, ferros emotivos e remates artísticos numa lide de boa nota e de bom gosto também. Ana igual a ela própria e a marcar todas as tardes com um toureio de sentimento e de valor.
João Moura Caetano teve pela frente o toiro mais complicado dos quatro lidados a cavalo. Reservado, tardo a investir e a fazê-lo com pouca clareza. Cedo João o entendeu e depois de dois compridos com a sua marca, montou o "Baco" e abriu o livro nos ferros curtos, fazendo alarde do seu toureio de temple e emoção. Cites frontais num palmo de terreno, a provocar, a aguentar, vencendo o píton contrário e cravando com verdade e emoção. O último curto, em terrenos de verdade, foi um ferro de antologia. João brindou a sua lide ao nosso querido companheiro João Cortesão, que como ontem aqui referimos, reaparecia depois das complicações de saúde que o têm mantido afastado. Brinde bonito e merecido.
Duarte Pinto teve em sorte um toiro com mais qualidade, que se arrancou com alegria e foi mais franco nas investidas. "Espremeu-o" Duarte até ao fim, conseguindo uma lide perfeita e com ferros da sua marca, de poder a poder, a vencer o píton contrário com emotiva batida, bem rematados, executando excelente brega, empolgando e agigantando-se - como é seu costume. Toureiro de valor e "à antiga" que dá sempre gosto ver.
O jovem Joaquim Brito Paes é a nova estrela de uma dinastia que fez história no toureio a cavalo. Bem montado, evidenciando um progresso cada vez mais positivo, teve pela frente um Fontembro que pedia contas e com o qual esteve decidido e encastado, praticando sempre um toureio frontal que o público reconheceu e premiou com calorosas ovações. Está apto a dar o importante passo de tomar a alternativa, deixou ontem óptima impressão e não tenho dúvidas de que tem pela frente um promissor e brilhante futuro como cavaleiro tauromáquico. Muito bem, Joaquim!
Para as lides a pé, os toiros de Fontembro tocaram outras teclas. Não permitiram o brilho que se desejava - e eles bem lutaram por o alcançar - ao matador Manuel Dias Gomes e ao novilheiro Diogo Peseiro.
Manuel Dias Gomes, que trajou de preto em memória de seu avô, o ganadeiro Manuel Agostinho Pontes Dias, recentemente falecido, cumpria ontem o sexto aniversário da sua alternativa em França.
Pouco conseguiu desenhar com o capote, ficando-se por duas templadas "verónicas" num toiro que não se fixava. Depois de um excelente par de bandarilhas do valoroso João Martins e de outro colocado pelo bandarilheiro espanhol Daniel Sánchez (da quadrilha de Peseiro), pediu ao director de corrida Manuel Gama a mudança de tércio (com bom senso, não quis um terceiro par, antevendo que cedo ficaria "sem toiro") e ergueu no centro da arena a sua montera aos céus, brindando a actuação à memória de seu avô.
Seguiu-se uma esforçada faena, em que Manuel pôs a carne no assador e se arrimou que nem um leão, procurando com algum custo - e conseguindo - sacar passes a um toiro que se ficava a meio. A sua arte (sevilhana pura!) e o seu valor, a sua experiência e a sua desmedida entrega, acabaram por nos proporcionar momentos de sentimento e valor, superando toda a falta de qualidade que o toiro tinha. Não foi uma faena de grande brilhantismo, porque faltou matéria prima. Mas foi uma presença de muito valor esta de Manuel Dias Gomes ontem na arena da Azambuja. A abrir o apetite aos aficcionados para a sua presença no Campo Pequeno em Julho na corrida dos matadores.
É pena que os novilheiros tenham tão poucas oportunidades e depois, quando elas surgem, não tenham matéria prima para demonstrar o que valem. Foi o que ontem aconteceu ao valente Diogo Peseiro.
Manso perdido, fugitivo, sem classe, o toiro teve só presença e apresentação. E mais nada. Diogo recebeu-o com expressivas "verónicas" e esteve depois poderoso e acertado no tércio de bandarilhas, de que é exímio executante, cravando um valoroso par de poder a poder, outro a "quiebro", que resultou emotivo, e ainda um terceiro em sorte de "violino".
Com a muleta, passou o tempo a correr atrás do toiro, que lhe fugia, sem lhe conseguir sacar um passe. Já no final ainda conseguiu um ou outro "derechazos" junto às tábuas e com a desilusão estampada no rosto. Foi pena, porque Peseiro vinha decidido a triunfar...
Não houve nozes para quem tinha dentes. E bem afiados, por sinal...
Uma última nota para destacar que ao início da corrida se guardou um minuto de silêncio em memória do homenageado Mestre António Salema, do ganadeiro Manuel Agostinho Pontes Dias e de todas as vítimas da pandemia.
A empresa Ovação e Palmas marcou este início de temporada com quatro bons espectáculos na Azambuja e com a bonita e louvável intenção de promover os novos valores do mundo tauromáquico. Aplausos para a aficion e o rigor de Luis Miguel Pombeiro. Que uma vez mais marcou a diferença.
Fotos M. Alvarenga
Sempre com classe e sempre com arte. Ana Batista em grande! |
Temple, valor e sentimento. Triunfo de Moura Caetano |
Dá sempre gosto ver o toureio "à antiga" de Duarte Pinto |
Joaquim Brito Paes, com progressos fantásticos, surpreendeu pela positiva. Temos Toureiro! |
Esforço, muita entrega, grande profissionalismo e o temple sevilhano de Manuel Dias Gomes, que fez os possíveis e os impossíveis e superou a má qualidade do toiro |
Diogo Peseiro destacou-se em três grandes pares de bandarilhas. Com a muleta, fez das tripas coração para sacar faena a um toiro que andou sempre a fugir-lhe... |
Grande par de bandarilhas de João Martins no toiro de Manuel Dias Gomes |