Valia - e valeu - pelo interesse do diversificado cartel a corrida que a empresa Ovação e Palmas promoveu ontem na praça de Arruda dos Vinhos. Pelo menos não era "mais do mesmo", não era mais um daqueles cartéis em que se pode (mas não se deve...) arriscar escrever uma crónica antecipada, mesmo sem ter visto a corrida, por já sabermos de trás para a frente o que vai acontecer... Os toiros de Vale Sorraia, de casta portuguesa, exigiram e não foram fáceis. Todos os cavaleiros estiveram em bom nível - mas ontem foi o veterano Rui Salvador quem se agigantou e quem explicou como se toureia!
Miguel Alvarenga - Muitas caras conhecidas, muitos aficionados e alguns toureiros ontem nas bem preenchidas bancadas da simpática e bonita praça de Arruda dos Vinhos (com as ameias de um castelo na sua fachada) a responder à chamada de um atractivo e bem diversificado elenco de seis cavaleiros onde pontificava a juventude - que é o futuro da Festa. Mas o passado (que continua a ser presente) foi quem ontem marcou mais pontos, sobretudo na magistral intervenção do veterano Rui Salvador, que lidou em plano de profunda maestria o primeiro e, como todos os outros, pouco fácil (para não dizer mesmo complicado) toiro da ganadaria Vale Sorraia, divisa de que é proprietária a ilustre Família Ribeiro Telles.
Só por milagre não caiu Rui Salvador quando sofreu um violentíssimo encontrão do poderoso Sorraia ao cravar o primeiro ferro comprido. Depois trocou de cavalo, trouxe um dos novos craques, agigantou-se com a raça e a garra infinda que lhe conhecemos, abriu o livro e deu, naquela que era a sua primeira corrida da temporada, uma lição imensa de maestria e de valor. De arte. Uma lide de nível superior que marcou a tarde - pela forma e experiência com que lidou, com que bregou, com que cravou com verdade e emoção, a lembrar o tempo, que pelos vistos está de volta, dos célebres "ferros impossíveis" com que escreveu ao longo dos anos a glória da sua História. Marcou ontem sobretudo a diferença. Rui Salvador a prometer temporada de sucesso, ainda e sempre no patamar da frente!
Também não era fácil e deu que fazer a Ana Batista o segundo toiro de Vale Sorraia. Na generalidade, os seis toiros foram sérios, andaram, pediram os bilhetes de identidade, "meteram mudanças", não deram sossego aos toureiros, exigiram contas. Ana esteve ao seu melhor nível, que é o mesmo que dizer brilhante, com a classe que é seu apanágio, bem a lidar e a bregar, cravando ferros de valor - e que muito bem rematou.
Menos brilhante e algo apressado nos ferros compridos, foi depois nos curtos que Parreirita Cigano conquistou o público, indo a passo para o toiro (outro que não facilitou), quarteando-se num palmo de terreno, deixando com ousadia ferros de parar corações e a vencer com valor o píton contrário, valendo sobretudo pela volta que conseguiu dar a um toiro que cedo procurou o refúgio em tábuas e que em nada facilitou o labor ao valoroso cavaleiro. Lide perfeita e emotiva a do jovem cavaleiro que está de novo a afirmar-se e no próximo domingo tem no Cartaxo o desafio de enfrentar dois toiros do Engº Jorge de Carvalho (outra ganadaria das que pedem contas) ao lado de Moura Caetano e Duarte Pinto. Muita expectativa para o rever depois do triunfo de ontem na Arruda.
O quarto toiro entrou na arena desenfreado e Mara Pimenta parou-o com temple e saber. Tem gancho, chega ao público e ontem foi protagonista, também, de uma actuação recheada de valor e bonitos apontamentos da sua muita raça. Serena e tranquila, confiante nas suas montadas, toureou bem o difícil exemplar de Vale Sorraia, impondo-se a um toiro que exigia e também não lhe deu sossego. Nota alta para a jovem toureira, que dedicou esta lide triunfal a Ana Batista.
Joaquim Brito Paes brindou a sua actuação ao companheiro António Telles (filho). Teve pela frente um toiro mais reservado e que lidou superiormente, destacando-se em ferros em sortes frontais, pisando terrenos de compromisso, reafirmando que vai a caminho de ser um caso. Excelente equitador, demonstra de tarde em tarde estar em grande progressão. É um dos mais cotados valores desta nova fornada de cavaleiros. E vai longe, não tenho dúvidas.
Fechou a corrida o jovem António Ribeiro Telles (filho), a quem tocou o toiro mais complicado da tarde. Esteve à altura, dando a volta ao oponente, fazendo jus ao nome que tem a grande responsabilidade de defender. Quem sai aos seus... e António tem o carisma da casa, tem o dom de bem tourear, expressando o seu sentir nos muitos alardes de classicismo e de bom toureio que são valores de sempre dos cavaleiros da Torrinha e a que ele acrescenta pinceladas de um estilo próprio e com que se está a afirmar. Lide brilhante.
Em suma, uma agradável tarde de toiros em que se pode dizer que todos estiveram bem e todos estiveram sobretudo à altura do difícil desafio de fazer frente a toiros que não são fáceis, que complicam, que exigem e que pedem contas "à séria".
Muito bem todos os bandarilheiros das quadrilhas dos seis cavaleiros, como já aqui referi em pormenor e com o merecido destaque. Muito bem também, como igualmente aqui já foi contado ao pormenor, os forcados de Alenquer (Clube Taurino) e de Arruda dos Vinhos, justos vencedores ex-aequo do concurso de pegas. Tarde menos feliz para os de Azambuja - mas por morrer uma andorinha nunca acabou a Primavera. Força, rapaziada!
Estiveram ontem presentes na Arruda os inspectores da IGAC - sem nada a apontar à cuidadosa e eficaz organização da empresa Ovação e Palmas no que diz respeito, sobretudo, ao cumprimento rigoroso das normas de segurança ainda impostas pela maldita pandemia, que o público aficionado, uma vez mais, respeitou com elevado civismo.
Acertadíssima e aficionada direcção de Ana Pimenta, que esteve na tarde de ontem assessorada pelo competente médico veterinário José Manuel Lourenço.
Valeu a pena! Apesar do imenso calor. E do azar que tive de levar com ele a tarde toda...
Fotos M. Alvarenga
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Rui Salvador impôs a sua maestria a um toiro nada fácil de Vale Sorraia, naquela que era a primeira corrida da sua temporada. Lide magistral e a marcar a tarde. E a diferença |
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Ana Batista: há mais de duas décadas a mostrar que, afinal, a arte de tourear não é exclusiva dos homens. Lide de muita classe a valor ontem na arena da Arruda |
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Parreirita Cigano de nova em alta e a reafirmar-se como um dos mais ousados cavaleiros da nova geração |
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Graça, arte, valor e enorme empatia com o público. Mara Pimenta honrou o brinde que fez à veterana Ana Batista com uma lide brilhante a um toiro complicado e exigente |
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Joaquim, o novo Brito Paes, afirma-se de tarde em tarde como um dos mais cotados cavaleiros da nova vaga |
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António Ribeiro Telles (filho) tem o carisma e o dom de bem tourear dos cavaleiros da Torrinha, atributos a que ele acresce pinceladas de um estilo próprio |