Tourear seis toiros é sempre um desafio, mas tourear seis toiros da ganadaria Palha é um desafio muito maior. E mais valoroso ainda se tivermos em conta que estamos a falar de um toureiro a pé, matador, e num país onde os toiros não são picados. Joaquim Ribeiro, a quem o saudoso Armando Soares baptizou na Escola de Toureio da Moita com o nome artístico de “Cuqui”, é o grande protagonista da “encerrona” que no próximo sábado se anuncia para a praça da sua terra, da terra onde em menino ia com o pai às largadas e se fez aficionado e depois toureiro. Faltam cinco dias para essa corrida fora do normal. Até custa a acreditar que um homem franzino, aparentemente frágil, se faça à guerra com seis Palhas - cujas fotos assustam. Mas “Cuqui” é um grande toureiro, já o provou - e tem um coração de leão. Almoçámos no “Rubro”, no Campo Pequeno, onde sonha apresentar-se como matador de toiros. Falou-me das suas expectativas para sábado, da importância que esta corrida tem para a sua superação como homem e como toureiro. Está calmo e está tranquilo. E sente-me moralizado e ilusionado, mesmo sabendo, de antemão, que com as poucas corridas mistas que há neste país, não lhe virão parar às mãos muitos contratos depois deste gesto. As fotos que acompanham a entrevista, de Miguel Calçada, retratam a grande preparação do toureiro nos últimos dias em vários tentaderos. O toureiro está em forma, sente-se em forma para o grande desafio.
Entrevista de Miguel Alvarenga
- Seis toiros na Moita e seis toiros de Palha constitui um desafio fora do normal… Porquê este gesto, “Cuqui”?
- Bom, sobretudo por se tratar de uma encerrona, para um matador ou para qualquer toureiro, é sempre um desafio fora do normal, pela quantidade de animais que se enfrentam, pelo que isso nos obriga a que tenha que haver um diversidade no toureio para que o espectáculo resulte e tenha interesse. E por ser em Portugal, sem os toiros picados, penso que é um desafio ainda maior. E sendo da ganadaria Palha, uma ganadaria tão encastada e tão difícil, mesmo que saiam toiros bons, são sempre toiros que muitas vezes nos criam muitas dificuldades. A ganadaria torna este desafio ainda maior.
- É o mesmo que tourear seis Miuras em Espanha?…
- Não propriamente. Penso que a ganadaria Palha tem melhores condições que a ganadaria Miura. No entanto e respondendo à sua questão, a ganadaria Palha, na história de Portugal, em termos históricos, pode, de facto, ter esse termo comparativo.
- O que é que se faz com seis toiros para que o espectáculo não seja monótono, para que o público não se aborreça de ver sempre o mesmo toureiro a tourear?
- Como é lógico, uma das coisas que sempre procurei fazer foi variar um pouco o que é a minha tauromaquia, tento ser um toureiro clássico e o toureio clássico não é o mais variado de todos, mas eu sempre tentei fazer coisas diferentes, quites diferentes. Ainda há dias estive com um amigo meu, matador de toiros, e ele disse-me para não me preocupar muito com a variedade, porque a variedade não sou eu que a ponho, vão ser os toiros. Se os toiros me deram a possibilidade de fazer coisas diferentes, nuns e noutros, serão, de facto, os toiros e não eu a pôr a variedade no espectáculo.
- Um gesto destes, a fazer-se, ou se faz a sério ou não vale a pena fazê-lo. Com toiros Palhas, é um gesto sério e importante, uma espécie de “vai ou racha” na tua carreira, é isso? O que é que esta corrida te pode dar, te pode depois trazer? Por outras palavras e uma vez que há tão poucas corridas mistas no nosso país, dá-te algum incentivo ir assumir este gesto, sabendo de antemão que a seguir podem não surgir mais contratos nenhuns, para além dos que já estão anunciados?…
- Como o Miguel diz, realmente há poucas corridas mistas e muitas menos com três matadores e a minha carreira, como a de todos os matadores e novilheiros, aqui não tem sido fácil, tem sido mesmo bastante difícil. Esta corrida da Moita é um desafio que me foi proposto pelo empresário Ricardo Levesinho, um desafio que aceitei e com o qual estou muito ilusionado. Traz-me coisas boas, sobretudo para mim, profissionalmente, como homem e como toureiro, penso que, mesmo que as coisas não corram, bem terá sempre um lado mais positivo do que negativo. O desafio, a minha superação como homem, o facto de me encerrar com seis toiros de Palha, só isso considero que é, à partida, uma vitória.
- Conheço pouco a tua história, como é que ela começou, porque quiseste ser toureiro?
- Começou um bocado pelo toiro de rua na Moita. O meu pai era grande aficionado às largadas de toiros, ao toiro de rua, e levava-me a ver. Posteriormente fui para a Escola de Toureio da Moita e daí saíu a minha aficion ao toureio…
- Ainda no tempo de Armando Soares como professor da escola?
- Sim, ainda no tempo do Maestro Armando Soares.
- Foi então ele que te baptizou com o nome artístico de “Cuqui”, como o fazia com todos?
- Sim, no primeiro dia em que cheguei à escola, perguntou-me o meu nome, eu disse que era Joaquim e ele automaticamente disse-me que me passaria a chamar “Cuqui” e assim fiquei até aos dias de hoje.
- E hoje és tu o professor da Escola de Toureio e Tauromaquia da Moita. Como vai a escola, muitos jovens a quererem ser toureiros?
- Sim, há vários miúdos cheios de vontade, de todas as idades. E alguns com muito jeito e intuição.
- É, sem dúvida, para mim e também para todos os toureiros, incluindo os toureiros estrangeiros. Tourear no Campo Pequeno é um sonho. Já lá toureei quando saí de sobressalente do Maestro Manzanares e ele me deu a oportunidade de lidar quase um toiro todo. Era ainda novilheiro, agora claro que gostava de me apresentar como matador de toiros na capital do meu país. É um dos meus sonhos, obviamente.
- Diz-me qualquer coisa que convença os aficionados a irem no próximo sábado à Moita…
- Quem é aficionado ao toiro, vai ver uma ganadaria de que os verdadeiros aficionados gostam. Quem é aficionado ao toureio, vai ver um matador enfrentar seis toiros e penso que quando toureio bem as pessoas gostam. Quem gosta de ver a parte mais humana, o desafio de um homem enfrentar seis toiros de uma ganadaria séria e dura, certamente que terá também interesse e motivos para estar no próximo sábado na Moita. Penso que há vários motivos para que as pessoas vão, mas estes serão os três principais.
- Quem são os teu ídolos no toureio a pé?
- Admiro todos os matadores da História. Nos últimos anos, tenho visto e lido muito sobre matadores antigos e admiro o Pepín Martín Vásquez, o Pepe Luis Vásquez, o Manolo Vásquez, o Joselito “El Gallo”, agora o Morante, são toureiros que eu fui descobrindo ao longo dos anos e que muito admiro.
- O que vais fazer até ao dia 21, muitas tentas, muita preparação?
- Sim, tenho feito muitas tentas, tenho que agradecer muito aos ganadeiros portugueses as oportunidades que me têm proporcionado, não só agora nesta fase de preparação para a corrida da Moita, mas sempre em toda a minha carreira, sempre fui um toureiro que foi bem acolhido em todas as casas ganadeiras deste país e a todos eles tenho que fazer um agradecimento enorme.
- És supersticioso?
- Não sou supersticioso.
- Quando era miúdo e andava nas largadas na Moita nunca pensei que um dia podia estar anunciado nesta praça e numa corrida tão importante como a do próximo sábado. Acho que o que vou sentir é uma enorme felicidade por poder ir tourear seis toiros na praça da minha terra. Espero que esse dia seja ainda mais feliz com um triunfo!
- Vais estrear certamente um traje de luces no sábado, de que cor?
- Sim, vou estrear um traje novo. Deixe-me não revelar a cor, fica para aqueles que quiserem ir ver à praça, pode ser?
- Claro! Outra questão: foste na temporada passada apoderado pelo empresário António Nunes, neste momento não existe apoderado?
- Tenho estado a ser apoiado pelo meu amigo Pedro Brito de Sousa, que não sendo propriamente um apoderado oficial, é quem me tem estado a apoiar. Pedi-lhe esse apoio para falar com os empresários, etc., e o Pedro tem estado a meu lado, disponibilizou-se a ajudar-me. Já era meu amigo fora do ambiente dos toiros, agora cá dentro tem me dado um grande apoio.
- Corridas em Espanha, tens projectos?
- Já como matador nunca toureei em Espanha, só de novilheiro. Era um passo importante passar a fronteira e tourear também em Espanha. É outro sonho que tenho.
Fotos Miguel Calçada