domingo, 15 de maio de 2022

Montijo: "foi uma grande toirada, disse da mesa avinhada um campino que ali estava..."

Miguel Alvarenga - Não foram fáceis, para a nova empresa da Monumental do Montijo, as horas que antecederam a corrida de ontem, primeira da temporada, depois de se saber que Pablo Hermoso de Mendoza, que era o principal atractivo do elenco, não ia comparecer devido a uma queda sofrida dois dias antes num treino. 

Como é usual no nosso "mundillo" taurino, as suspeitas avolumaram-se e as justificações que se inventaram foram muitas, todas menos a de uma queda... Mas, infelizmente para Pablo, foi mesmo isso que aconteceu. E também não foi pela sua ausência que o público deixou de comparecer na praça, ocupando em força os sectores de sombra e registando também uma significativa presença nos de sol, o que constituiu uma ocupação de mais de metade da lotação da praça. Também, e ao que nos informaram na bilheteira, não houve um único espectador que, pela ausência do número um do rejoneio, fosse entregar o seu bilhete e solicitar a devolução do dinheiro. E a corrida não estava barata...

Em boa hora decidiu a empresa contratar Francisco Palha, depois do seu apoteótico regresso às arenas uma semana antes em Salvaterra, para substituir Pablo Hermoso. Melhor era, de facto, impossível, pelo que há que aplaudir a decisão assumida pelos novos empresários da Monumental do Montijo, José Luis Zambujeira e João Anão Madureira (que gerem a praça em parceria com Luis Miguel Pombeiro e Luis Pires dos Santos), decisão essa que, de alguma forma, amainou as más línguas viperinas que fizeram correr desde a véspera as mais atribuladas versões para explicar a falta de Hermoso, todas menos a (verdadeira) da queda...

A corrida foi fantástica, os toiros de Passanha muito contribuíram para o sucesso, os cavaleiros empregaram-se a fundo em luta pelo triunfo (que foi dos três, indiscutivelmente!) e os forcados também, sem esquecer as oportunas e brilhantes intervenções dos seis bandarilheiros em praça, sobretudo na colocação dos toiros para as pegas, com eficientes capotazos que depois muito serviram para que os Passanhas não atrapalhassem tanto o labor dos valentes das jaquetas de ramagens. Bons bandarilheiros são mais que meio caminho andado para o sucesso de cavaleiros e forcados. Ovações das melhores para Manuel dos Santos "Becas" e Ricardo Pedro (quadrilha de Rouxinol), para João Prates "Belmonte" e Gonçalo Veloso (Bastinhas) e para Diogo Malafaia e Jorge Alegrias (Palha). A seguir, já aqui destacarei em fotos, com todo o merecimento e mais algum, o brilhante labor de todos eles ontem no Montijo.

Muito menos Murubes e menos fáceis como o foram no passado, os toiros de Passanha, agora com "imenso picante", exigentes, a "meter mudanças" e "com teclas", toiros dos que impõem seriedade e emoção, que transmitem e dão respeito e seriedade ao espectáculo, com apresentação irrepreensível (verdadeiras estampas os seis!), foram toiros de verdade e o seu brilhante comportamento (com excepção do quinto, o maior, com 590 quilos, algo reservado e de investidas menos claras) foi decisivo para o grande êxito da corrida de ontem - da qual os aficionados sairam satisfeitos e com vontade de voltar. Corridas destas fazem aficionados.

Como já sucedera no passado dia 1 no Cartaxo, com outro director de corrida, também o de ontem, João Cantinho, se esqueceu de chamar o ganadeiro à praça. Diogo Passanha bem o teria merecido, nem que fosse só no último toiro, que foi a cereja no topo do bolo. Imperdoável falha do director - a que, de resto, não houve mais nada a apontar. A não ser...

O primeiro toiro, destinado a Luis Rouxinol, deu nota de ser bom, mas embateu com força contra as tábuas e pareceu ter ficado congestionado. Houve alguma hesitação por parte do médico veterinário, Dr. Carlos Santos, e do director de corrida, que depois, quanto a mim algo precipitadamente, mandaram recolher o toiro, quando este já dava mostras de estar recuperado. Enfim...

Luis Rouxinol lidou então aquele que seria o seu segundo toiro e depois o sobrero, ambos com excelente qualidade e que aproveitou com maestria. Não me canso de dizer que é incrível, ao fim de 35 anos de alternativa, Rouxinol manter este inigualável condão de regularidade, estando sempre acima da média em todas as suas actuações. Parecendo sempre que é um novato com sede de triunfo e de afirmação, quando já não precisa de provar nada a ninguém e todos o reconhecemos como um dos maiores cavaleiros nacionais.

A forma como lidou, como bregou e como se entregou nos dois toiros, cravando a ferragem "en su sítio" e pisando terrenos de alto compromisso, com remates ousados e vistosos, fizeram dele ontem, como sempre, um triunfador aplaudido. O penúltimo ferro curto, na segunda lide, foi qualquer coisa de magistral execução, um ferro daqueles que não se descrevem. Colossal! Por onde passa, Rouxinol continua a marcar. E de que maneira!

Marcos Bastinhas soube sempre, e continua a saber, ser ele próprio, não acusando minimamente o enorme peso que acarreta às costas de ser filho do mais genial e mais querido de todos os toureiros, o inesquecível Joaquim Bastinhas, correndo sempre o risco de o público fazer comparações com o Pai.

Embora muito idêntico, dentro do mesmo estilo avassalador e que num ápice chega ao público, conquistando tudo e todos, Marcos criou a sua própria forma de estar na Festa e é hoje um fenómeno de popularidade muito igual ao que foi seu Pai durante quarenta anos. É, além do mais, um toureiro de valor e sentimento - e um lidador nato, para quem não existem toiros maus ou complicados.

A sua primeira actuação, no segundo e bom Passanha da corrida, foi de nota altíssima, dando toda a prioridade ao oponente, cravando os compridos de praça a praça, a aguentar até ao fim. Nos curtos, impôs verdade e emoção em terrenos apertados, elevando bem alto a bandeira da sua forma única de interpretar esta arte. Uma lide que galvanizou o público.

No quinto toiro, a fava do curro de Passanha, enorme (o tal com 590 quilos), com idade já avançada e com um sentido de meter respeito, reservado, parado, investindo para fazer mal, Bastinhas demonstrou as suas qualidades de grande lidador. Pôs a carne no assador, arrimou-se que nem um herói e a sua lide, mesmo sem o esplendor da primeira, foi uma lide de valor e de muita raça.

Francisco Palha repetiu ontem o "estrondo" de domingo passado em Salvaterra de Magos - e foi mágico (e mago), outra vez, o seu toureio! Tranquilo, evidenciando segurança e poderio, bregou como os melhores, lidou de forma impecável os seus dois toiros, também de nota alta, mas a "meterem mudanças" e a imporem respeito, emocionando tudo e todos com ferros dos que param corações e criam sururu nas bancadas.

Palhinha chegou decidido - e diferente, direi mesmo, para melhor! - à temporada de 2022, após sete meses de inactividade pela grave colhida de que foi vítima no último dia de Setembro do ano passado na "Palha Blanco". Está um toureiro aprumado e maduro, com a certeza do que quer e para onde vai. Sempre a teve, mas agora tem mais.

Tenho pena que a corrida de ontem não tivesse terminado com os três cavaleiros em ombros. Mereciam-no. Foi uma grande corrida e um grande e caloroso triunfo para os três. A temporada segue em grande. E Portugal tem hoje um naipe de grandes cavaleiros. E um público entusiasta e emotivo que responde sempre à chamada quando os cartéis são - como o de ontem - dos melhores. Mesmo sem Pablo Hermoso...

Em suma e como reza o fado, "foi uma grande toirada, disse da mesa avinhada um campino que ali estava".

Dos forcados já falei em pormenor. Resta dizer que a corrida, interrompida por segundos no início com o tal "número de animação anti-taurina" de que também já se falou, começou, nas cortesias, com um minuto de silêncio em memória de José Samuel Lupi. Pena que ninguém tivesse percebido patavina do que disse o interlocutor. As aparelhagens sonoras das nossas praças, a começar pela de Lisboa, devem ter sido compradas na loja do chinês...

Fotos M. Alvarenga

Rouxinol sempre na crista da onda! Em grande!

Bastinhas ousado, verdadeiro, arrebatador!
Novo "estrondo" de Francisco Palha!


Aparentemente congestionado, mas depois recuperado, o
primeiro toiro foi precipitadamente devolvido aos currais