Miguel Alvarenga - Não foram fáceis, para a nova empresa da Monumental do Montijo, as horas que antecederam a corrida de ontem, primeira da temporada, depois de se saber que Pablo Hermoso de Mendoza, que era o principal atractivo do elenco, não ia comparecer devido a uma queda sofrida dois dias antes num treino.
Como é usual no nosso "mundillo" taurino, as suspeitas avolumaram-se e as justificações que se inventaram foram muitas, todas menos a de uma queda... Mas, infelizmente para Pablo, foi mesmo isso que aconteceu. E também não foi pela sua ausência que o público deixou de comparecer na praça, ocupando em força os sectores de sombra e registando também uma significativa presença nos de sol, o que constituiu uma ocupação de mais de metade da lotação da praça. Também, e ao que nos informaram na bilheteira, não houve um único espectador que, pela ausência do número um do rejoneio, fosse entregar o seu bilhete e solicitar a devolução do dinheiro. E a corrida não estava barata...
Em boa hora decidiu a empresa contratar Francisco Palha, depois do seu apoteótico regresso às arenas uma semana antes em Salvaterra, para substituir Pablo Hermoso. Melhor era, de facto, impossível, pelo que há que aplaudir a decisão assumida pelos novos empresários da Monumental do Montijo, José Luis Zambujeira e João Anão Madureira (que gerem a praça em parceria com Luis Miguel Pombeiro e Luis Pires dos Santos), decisão essa que, de alguma forma, amainou as más línguas viperinas que fizeram correr desde a véspera as mais atribuladas versões para explicar a falta de Hermoso, todas menos a (verdadeira) da queda...
A corrida foi fantástica, os toiros de Passanha muito contribuíram para o sucesso, os cavaleiros empregaram-se a fundo em luta pelo triunfo (que foi dos três, indiscutivelmente!) e os forcados também, sem esquecer as oportunas e brilhantes intervenções dos seis bandarilheiros em praça, sobretudo na colocação dos toiros para as pegas, com eficientes capotazos que depois muito serviram para que os Passanhas não atrapalhassem tanto o labor dos valentes das jaquetas de ramagens. Bons bandarilheiros são mais que meio caminho andado para o sucesso de cavaleiros e forcados. Ovações das melhores para Manuel dos Santos "Becas" e Ricardo Pedro (quadrilha de Rouxinol), para João Prates "Belmonte" e Gonçalo Veloso (Bastinhas) e para Diogo Malafaia e Jorge Alegrias (Palha). A seguir, já aqui destacarei em fotos, com todo o merecimento e mais algum, o brilhante labor de todos eles ontem no Montijo.
Muito menos Murubes e menos fáceis como o foram no passado, os toiros de Passanha, agora com "imenso picante", exigentes, a "meter mudanças" e "com teclas", toiros dos que impõem seriedade e emoção, que transmitem e dão respeito e seriedade ao espectáculo, com apresentação irrepreensível (verdadeiras estampas os seis!), foram toiros de verdade e o seu brilhante comportamento (com excepção do quinto, o maior, com 590 quilos, algo reservado e de investidas menos claras) foi decisivo para o grande êxito da corrida de ontem - da qual os aficionados sairam satisfeitos e com vontade de voltar. Corridas destas fazem aficionados.
Como já sucedera no passado dia 1 no Cartaxo, com outro director de corrida, também o de ontem, João Cantinho, se esqueceu de chamar o ganadeiro à praça. Diogo Passanha bem o teria merecido, nem que fosse só no último toiro, que foi a cereja no topo do bolo. Imperdoável falha do director - a que, de resto, não houve mais nada a apontar. A não ser...
O primeiro toiro, destinado a Luis Rouxinol, deu nota de ser bom, mas embateu com força contra as tábuas e pareceu ter ficado congestionado. Houve alguma hesitação por parte do médico veterinário, Dr. Carlos Santos, e do director de corrida, que depois, quanto a mim algo precipitadamente, mandaram recolher o toiro, quando este já dava mostras de estar recuperado. Enfim...
Luis Rouxinol lidou então aquele que seria o seu segundo toiro e depois o sobrero, ambos com excelente qualidade e que aproveitou com maestria. Não me canso de dizer que é incrível, ao fim de 35 anos de alternativa, Rouxinol manter este inigualável condão de regularidade, estando sempre acima da média em todas as suas actuações. Parecendo sempre que é um novato com sede de triunfo e de afirmação, quando já não precisa de provar nada a ninguém e todos o reconhecemos como um dos maiores cavaleiros nacionais.
A forma como lidou, como bregou e como se entregou nos dois toiros, cravando a ferragem "en su sítio" e pisando terrenos de alto compromisso, com remates ousados e vistosos, fizeram dele ontem, como sempre, um triunfador aplaudido. O penúltimo ferro curto, na segunda lide, foi qualquer coisa de magistral execução, um ferro daqueles que não se descrevem. Colossal! Por onde passa, Rouxinol continua a marcar. E de que maneira!
Marcos Bastinhas soube sempre, e continua a saber, ser ele próprio, não acusando minimamente o enorme peso que acarreta às costas de ser filho do mais genial e mais querido de todos os toureiros, o inesquecível Joaquim Bastinhas, correndo sempre o risco de o público fazer comparações com o Pai.
Embora muito idêntico, dentro do mesmo estilo avassalador e que num ápice chega ao público, conquistando tudo e todos, Marcos criou a sua própria forma de estar na Festa e é hoje um fenómeno de popularidade muito igual ao que foi seu Pai durante quarenta anos. É, além do mais, um toureiro de valor e sentimento - e um lidador nato, para quem não existem toiros maus ou complicados.
A sua primeira actuação, no segundo e bom Passanha da corrida, foi de nota altíssima, dando toda a prioridade ao oponente, cravando os compridos de praça a praça, a aguentar até ao fim. Nos curtos, impôs verdade e emoção em terrenos apertados, elevando bem alto a bandeira da sua forma única de interpretar esta arte. Uma lide que galvanizou o público.
No quinto toiro, a fava do curro de Passanha, enorme (o tal com 590 quilos), com idade já avançada e com um sentido de meter respeito, reservado, parado, investindo para fazer mal, Bastinhas demonstrou as suas qualidades de grande lidador. Pôs a carne no assador, arrimou-se que nem um herói e a sua lide, mesmo sem o esplendor da primeira, foi uma lide de valor e de muita raça.
Francisco Palha repetiu ontem o "estrondo" de domingo passado em Salvaterra de Magos - e foi mágico (e mago), outra vez, o seu toureio! Tranquilo, evidenciando segurança e poderio, bregou como os melhores, lidou de forma impecável os seus dois toiros, também de nota alta, mas a "meterem mudanças" e a imporem respeito, emocionando tudo e todos com ferros dos que param corações e criam sururu nas bancadas.
Palhinha chegou decidido - e diferente, direi mesmo, para melhor! - à temporada de 2022, após sete meses de inactividade pela grave colhida de que foi vítima no último dia de Setembro do ano passado na "Palha Blanco". Está um toureiro aprumado e maduro, com a certeza do que quer e para onde vai. Sempre a teve, mas agora tem mais.
Tenho pena que a corrida de ontem não tivesse terminado com os três cavaleiros em ombros. Mereciam-no. Foi uma grande corrida e um grande e caloroso triunfo para os três. A temporada segue em grande. E Portugal tem hoje um naipe de grandes cavaleiros. E um público entusiasta e emotivo que responde sempre à chamada quando os cartéis são - como o de ontem - dos melhores. Mesmo sem Pablo Hermoso...
Em suma e como reza o fado, "foi uma grande toirada, disse da mesa avinhada um campino que ali estava".
Dos forcados já falei em pormenor. Resta dizer que a corrida, interrompida por segundos no início com o tal "número de animação anti-taurina" de que também já se falou, começou, nas cortesias, com um minuto de silêncio em memória de José Samuel Lupi. Pena que ninguém tivesse percebido patavina do que disse o interlocutor. As aparelhagens sonoras das nossas praças, a começar pela de Lisboa, devem ter sido compradas na loja do chinês...
Fotos M. Alvarenga
![]() |
Rouxinol sempre na crista da onda! Em grande! |
![]() |
Bastinhas ousado, verdadeiro, arrebatador! |
![]() |
Novo "estrondo" de Francisco Palha! |
![]() |
Aparentemente congestionado, mas depois recuperado, o primeiro toiro foi precipitadamente devolvido aos currais |