Gamero chegou e marcou a diferença |
Moura, ainda e sempre o primeiro |
Miguel Alvarenga - Não se trata de ser pessimista, muito menos saudosista, apenas e só realista. Já aqui expliquei que não gosto de fazer balanços, nem os vou fazer. Apenas um ou outro toque a lembrar o que vale a pena lembrar - que não é assim muito.
Doa a quem doer, 2022 foi o ano do sombrero - do sombrero do mexicano Emiliano Gamero - que pôs em sentido os tricórnios.
Andavam os nossos cavaleiros, todos muito bons, mas todos sempre iguais, tranquilos e acomodados na sua costumeira zona de conforto, até chegar Gamero do outro lado do Atlântico...
O mexicano não fez estragos. Antes pelo contrário. Veio com humildade, sem querer tirar o lugar a ninguém. E não o tirou. Em termos promocionais, graças ao empenho e ao saber do seu apoderado João Anão Madureira, deu dez a zero aos nossos, impôs a sua imagem de marca, tornou-se ídolo, levou gente às praças.
Já por cá andava o espanhol Andrés Romero, e continuou a andar, a marcar a diferença e a ombrear com os nossos, "espevitando-os", puxando por eles, acordando-os. Gamero deu mais um toque de diferença. Foi útil e animou os cartéis. Fazia falta uma figura assim.
Há trinta anos, apareceu Pablo Hermoso (que este ano esteve três vezes em praças nacionais, com a mesma arte de sempre) e também acordou os nossos acomodados cavaleiros. De quando em quando, é bom que apareça alguém diferente para puxar por eles.
Gamero e Romero (foto de cima) foram úteis à temporada nacional. Marcaram a diferença e entraram em cartéis que, sem eles, teriam sido mais do mesmo.
Os nossos cavaleiros, com Moura Júnior na dianteira, sem discussão, são muito bons. Mas são (quase) todos iguais. Marcos Bastinhas marca a diferença pela ousadia, o atrevimento e a forma emotiva como está em praça. Os Telles - António, Bastos e António (filho) - marcam a diferença pela forma "antiga", leia-se clássica, com que toureiam. Duarte Pinto está na mesma onda. Depois, João Telles continua a ser um verdadeiro vulcão sempre em ebulição e sempre na frente, Francisco Palha teve um começo de temporada colossal, mas não acabou em grande, Salgueiro da Costa andou este ano por todos os lados e consolidou uma posição na noite dos seis toiros em Vila Franca, apesar de pouco público o ter acompanhado nesse gesto e Rouxinol Júnior voltou a somar pontos e a reafirmar um estatuto de importância. Moura Caetano bordou o toureio e destacou-se também, mas quase sempre em corridas de seis cavaleiros e sem uma explosão como se esperava. Miguel Moura deu por fim o salto em frente por que todos esperavam há uns anos. E a realidade é que os antigos ainda foram os que mais valeram a pena.
João Moura marcou a temporada com a actuação do ano em Évora e vi-lhe depois uma lide de assombro numa desmontável na Malveira. Rui Salvador teve uma temporada em grande, não toureou muito, mas toureou com classe nas praças por onde passou. António Ribeiro Telles viveu um dos anos mais importantes da sua carreira, reaparecendo com o fulgor de todos os tempos depois da grave colhida que sofreu em 2021. Luis Rouxinol protagonizou uma temporada brilhante de comemoração dos seus 35 anos de alternativa. E João Salgueiro reapareceu e mostrou que quem sabe jamais esquece.
Rui Fernandes apareceu pouco nas nossas praças, baseou uma vez mais a sua temporada (espectacular) em Espanha. Faz imensa falta para animar, como só ele sabe, a competição nas nossas praças. Mas a Festa anda ao contrário... Marcou o ano nas raras presenças que teve em arenas nacionais.
Ana Batista e Sónia Matias quase não foram vistas. E houve muitos mais que por cá andaram, por cá continuaram a andar, havendo sempre que destacar Gilberto Filipe, que é um cavaleiro de valor a quem poucas empresas reconhecem, inexplicavelmente, a importância que podia e devia ter.
Dos novos já aqui falei. Faltou falar de Paco Velásquez, uma promessa que é já uma garantia. E de Joaquim Brito Paes, que foi uma das grandes novidades do ano. Sem esquecer outros que deram este ano passos em frente, caso de Gonçalo Fernandes.
Marco José, David Gomes, Paulo Jorge Santos, e outros, continuaram na luta e andaram um ano mais à procura da sua hora, demonstrando que também merecem estar onde estão muitos mais.
A realidade, contudo, é que o sombrero de Gamero e a raça de Romero foram lufadas de ar puro (diferente, se preferirem) num panorama onde tudo foi igual ao que era e onde continua a faltar uma figura que encha as praças e as medidas aos aficionados. Como Moura no seu tempo, como Salgueiro e Rui Fernandes mais tarde.
Como disse um dia um matador consagrado, "todos toureamos melhor que 'El Cordobés', mas 'El Cordobés' é melhor que todos nós". A história repete-se.
Houve touradas a mais, depois dos dois anos da pandemia. E aconteceram coisas a menos. A temporada de 2022 foi um seguimento das anteriores, sem novidades de destaque. Está tudo demasiado igual e demasiado parado. Com pouco interesse. Cada vez menos...
Fotos M. Alvarenga e D.R.