domingo, 14 de abril de 2024

Santa Eulália, altar de uma aficion tão especial

Alberto Barradas e sua filha Ana - na Capela ontem inaugurada
na centenária praça de toiros de Santa Eulália

Miguel Alvarenga - Não ia há muitos anos à bonita, acolhedora e já tão antiga praça de toiros de Santa Eulália, para as bandas de Elvas, de cuja construção foi grande dinamizador o avô do saudoso José Tello Barradas, ontem homenageado - ou antes, lembrado um ano mais, como prefere referir seu irmão Alberto, a alma deste Memorial que se realizou pela terceira vez - nesta que é a terra de tão ilustre e aficionada família alentejana.

Alberto Barradas é hoje o herdeiro desta que foi a grande paixão de seu lembrado avô e a praça de Santa Eulália é, há muitos anos, a menina dos seus olhos. "Enquanto eu cá andar, haverá sempre festejos nesta praça", disse-me no decorrer do agradabilíssimo almoço que juntou no seu monte um grupo de bons amigos, a anteceder o festival em tarde de calor a lembrar os dias de Verão.

O festival, único festejo taurino que se realizou neste fim-de-semana em Portugal, depois do chuvoso fim-de-semana de muitos adiamentos na Páscoa e agora com um calor já meio incomodativo, encheu a praça até às bandeiras, pouco faltando para esgotar a sua lotação. O excelente e atractivo cartel, mas também a memória de José Barradas e o respeito e admiração que os aficionados ainda hoje nutrem pela sua inesquecível figura, muito contribuíram para isso.

Embora já tivesse lidado novilhos em outras praças, caso das de Vila Franca e da Moita, o festival de ontem fica marcado pela estreia com um curro completo, ainda que de novilhos, da ganadaria de António Manuel Silva, que é desde o ano passado o apoderado da cavaleira Ana Batista e integra, também desde a última temporada, a nova e dinâmica comissão gestora da praça de Salvaterra de Magos.

E aplauda-se, desde já, a estreia da nova ganadaria. Bem apresentados, com trapio muito superior ao que é exigido num festival, com transmissão e sem facilitar, exigentes, os novilhos da divisa Foro do Almeida (assim se denomina a nova ganadaria) caracterizaram-se pelo bom jogo, havendo que destacar a qualidade dos lidados em primeiro e terceiro lugar.

Em termos artísticos, o festejo agradou, sem ter sido bom nem mau. Foi um festival assim-assim de princípio de temporada, em que os cavaleiros puseram à prova novas montadas e outras já mais veteranas, mas neste momento ainda pouco rodadas.

A lide mais destacada e mais aplaudida foi a de Ana Batista frente ao terceiro e bom novilho da tarde, sobretudo quando montada no fantástico cavalo-craque com o ferro de Pablo Hermoso, dando precisamente continuidade aos triunfos que com ele alcançou no ano anterior. 

Com a maestria de sempre, João Moura aproveitou a qualidade do primeiro novilho para rubricar uma lide que mereceu as ovações e o respeito do público. Não me canso de dizer que uma rigorosa dieta lhe traria certamente um novo fôlego, porque a raça e o saber, esses são apanágios eternos do Maestro que aos 64 anos continua a tratar os toiros por tu.

António Ribeiro Telles redimiu-se ontem de uma presença menos feliz na recente corrida de Almeirim. As coisas correrem melhor ao Mestre dos Mestres, já com os cavalos mais afinados e a denotarem muito maior confiança e tranquilidade nas abordagens ao novilho. António "mais António" em Santa Eulália. Muito mais, mesmo.

Marcos Bastinhas tinha aqui o primeiro compromisso desta nova temporada e chegou com a vontade e as ganas de sempre. Muito bem na primeira metade da lide, a receber com bonitos recortes, a cravar dois bons compridos de poder a poder e depois a entusiasmar com dois "quiebros" de grande emoção. Menos bem, depois, quando se perfilou para o habitual e sempre exigido par de bandarilhas, que ficou por meio e depois sofrendo um aparatoso encontrão contra as tábuas na segunda tentativa, acabando por não deixar o par de bandarilhas e por recusar depois a volta à arena.

Também Francisco Palha esteve ontem algo distante do seu melhor, com um novilho que incomodava e pedia contas. Uma actuação com altos e baixos que o próprio reconheceu, com dignidade e respeito pelo público, não ter tido o costumeiro brilhantismo a que nos habituou, negando também dar a volta à arena.

Fechou o festejo, com imensos ferros depois de falhar alguns, o jovem cavaleiro amador Tomás Moura, que tinha aqui, salvo erro, a sua terceira actuação em público, depois da estreia no ano passado em Reguengos e da repetição em Portalegre na encerrona de seu pai. Tomás tem raça, tem valor e tem uma intuição própria do sangue que lhe corre nas veias. É mais um Moura e o resto vão ser cantigas. Precisa, obviamente, de rodar e de caminhar muito - mas está bem encaminhado e mesmo em início de carreira, são já bem evidentes as qualidades que demonstra. A história vai ter continuidade e a saga dos Moura promete não ter fim.

Nas pegas, de que mais logo vamos mostrar todas as fotos, estiveram os forcados de Arronches (Gabriel Pimenta ao primeiro intento e João David Costa ao segundo), os Académicos de Elvas (João Carlos à terceira e Miguel Sadio à quarta) e os Amadores de Coimbra (João Cavaleiro na grande pega da tarde ao primeiro intento e Guilherme Santos na última, à terceira tentativa).

Aplausos para todos os bandarilheiros das quadrilhas dos seis cavaleiros e para a acertada direcção desempenhada pelo eficiente e sempre correcto Marco Gomes, que esteve assessorado pelo médico veterinário José Miguel Guerra.

Houve brindes dos forcados a Alberto Barradas, grande impulsionador da realização deste festival conjuntamente com o empresário Luis Pires dos Santos; um do Maestro Moura a Ana Barradas, filha do saudoso José Barradas, e depois aos céus, a lembrar aquele que foi um dos maiores entusiastas da sua tão importante revolução; um brinde de Marcos Bastinhas a Ana Barradas, filha de Alberto Barradas; outro de Tomás Moura e António Telles

E, infelizmente, nenhum brinde a Rondão de Almeida, o aficionado presidente da Câmara de Elvas que ontem nos honrou, como sempre, com a sua presença num camarote, sendo lamentavelmente esquecido pelos toureiros e pelos forcados... que nunca se dignaram saudar a sua ilustre presença na praça.

Obra, também, da grandeza com que Alberto Barradas e sua ilustre família - com destaque neste caso concreto para sua filha Ana - honram a história desta bonita centenária praça de toiros, foi ontem inaugurada a Capela (foto de cima) - no páteo de quadrilhas, no local onde existiu uma antiga cavalariça que há muitos anos não era utilizada.

Valeu a pena a longa caminhada de ontem até Santa Eulália, onde, repito, não ia há muitos anos, de onde guardo bonitas recordações com o nosso querido Emílio, de que recordo ainda a presença de José Barradas, entusiasmado, numa tarde, se bem me lembro, em que a sua praça foi reinaugurada, muitos anos depois de seu avô ter sido o grande obreiro da sua construção.

Há lugares onde, pela história daqueles que a escreveram, a Festa tem um sabor especial. E Santa Eulália é um desses lugares sagrados.

Fotos M. Alvarenga

Rondão de Almeida: presidente da Câmara de Elvas
honrou a tauromaquia com a sua presença, mas 
não houve um toureiro nem um forcado que se
lembrassem de o brindar e de o saudar...