sexta-feira, 10 de maio de 2024

Ferrera & Palha foram os reis da Ascensão na Chamusca

António Ferrera e Francisco Palha: triunfadores na Chamusca

Miguel Alvarenga - Ao contrário de algumas croniquetas lusas (saudades dos tempos em que eu comecei e os críticos de tauromaquia eram Senhores com letra maiúscula que usavam fato e gravata e chapéu... e que sabiam do que escreviam, que era bem mais importante do que a solene indumentária com que se apresentavam nas praças, às vezes até fumando um charuto), que embirraram com ele, se calhar porque os empresários que o contrataram lhes passam pouquíssimo cartão e não lhes põem reclames nos seus espaços onde brincam ao jornalismo; ao contrário disso, dizia eu, venho aplaudir o matador espanhol António Ferrera, como o fez o site "Mundotoro" (com quem os meninos deviam aprender...), que escreveu que ele deixou ontem "o seu selo" na Chamusca. E deixou mesmo. Ele e o Francisco Palha, que desenhou uma lide de verdadeira cátedra e de um bom gosto que muitos invejam no quarto toiro da tarde e que lhe valeu, com toda a justiça e todo o mérito, o prémio Dr. João Duque para a melhor lide a cavalo, que os jurados João Santos Andrade, Vasco Lucas e Manuel Romão lhe decidiram, e muito bem, outorgar.

Falava eu de António Ferrera, que não tinha o gosto de conhecer pessoalmente e com quem ontem jantei depois da corrida na "Tasquinha do Carcavelo", do amigo Luis Miguel, mais a sua quadrilha, os irmãos Joaquim e João Oliveira e o Miguel Murillo, o Paco Duarte, o Luis Miguel Pombeiro e o Pedro Penedo, que funciona hoje em Portugal "mais ou menos" como seu apoderado. Foi giro, foi interessante, descobri nele um homem simples, sem vaidades, com uma personalidade muito vincada e que sabe bem o que quer e para onde vai. E de onde veio.

Falámos das suas intervenções, de capote "em punho", na arena, a ajudar os forcados em momentos de maior apuro. Houve quem não gostasse, dizem-me (não li ainda nada, sei só o que me comentaram sobre as croniquetas que já sairam da corrida de ontem), mas Ferrera rendeu, sem qualquer intenção que não fosse a vontade de ser solidário e prestável, uma bonita homenagem ao forcado, figura de que depois me confessou ser há muito um grande admirador.

António Ferrera é um homem interessante e inteligente. Foi bonito ouvi-lo disponibilizar-se ao Pombeiro para tourear uma corrida mista no Campo Pequeno em que se prestasse homenagem a José Luis Gonçalves, a quem recordou como "um amigo, um bom companheiro e uma grande referência do toureio português". Pombeiro prometeu que ia pensar no assunto...

Conversa agradável e a lembrar os seus princípios, como Antoñito Ferrera, em arenas de Portugal. Lembrou-se da tarde em que, com apenas 10 anos de idade, se apresentou no Campo Pequeno num festejo de Carnaval, na parte séria do espectáculo cómico-taurino "El Bombero Torero", relembrando a sua grande surpresa e alegria quanto chegou ao pátio de quadrilhas e se apercebeu de que a praça estava cheia, esgotada, tempos outros.

E fiquem sabendo que tenho o maior orgulho em convosco partilhar a honra que tive ontem em jantar e conversar com António Ferrera depois da corrida da Chamusca. Mesmo que as más línguas se atrevam a comentar que o facto de ter jantado com o Maestro tenha de algum modo "influenciado" a minha forma de o ter visto em praça. Continuo à prova de bala. E não sou estúpido, e muito menos influenciável.

Vamos lá então à corrida.

Tinham génio e algum perigo, eram exigentes e não foram fáceis os dois toiros de Murteira Grave. Não sei se alguém o disse ou anotou ou escreveu, mas abro aqui um parêntesis para realçar o facto de Ferrera ter vindo a Portugal tourear Graves, gesto que não é para todos e hoje em dia nem é quase para nenhum, os toureiros espanhóis que cá vêm costumam trazer dois bezerros numa carroça atrelada ao seu carro, para não passarem nenhum susto desnecessário. Ferrera não. Veio à "luta" com Graves. Primeiro factor para se exigir que o respeitem. E para se exigir que não escrevam tolices sobre ele.

Os dois Graves exigiam pela frente um toureiro de verdade. Cheio de ofício, dominador, poderoso, António Ferrera deu-lhes a volta, pôs a carne no assador, obrigou-os a investir, tirou-lhes o partido que quis e superou todas as complicações que eles apresentavam como toiros "à moda antiga" que eram.

Não é um toureio demasiado clássico nem as duas faenas se pode dizer que tenham sido quadros de muita ortodoxia. Ferrera deu o seu espectáculo, agitou as hostes, o público respeitou-o, aclamou-o e não arredou pé da praça até que ele terminasse e no fim até foi passeado em ombros com o pessoal todo a aplaudir.

Pelo meio, houve a engraçada história do "disco pedido". Na segunda faena, Ferrera pediu ao maestro da Banda que tocasse antes a "Macarena", provavelmente porque mais o inspirava. E assim aconteceu. Veio algum mal ao mundo por isso?

Destaque, ainda, para o brinde de Ferrera, no último toiro, a todos os companheiros de cartel: a todos os forcados e aos dois cavaleiros.

Triunfo importante e marcante de Ferrera. À sua maneira. A deixar ambiente muito bom para as suas próximas actuações em Portugal - a 19 de Julho em Angra do Heroísmo, na Ilha Terceira; e a 4 de Agosto na Feira de Abiul. E a ver vamos se também em Lisboa...

Ainda uma nota especial para aplaudir os bandarilheiros (irmãos) Joaquim e João Oliveira, pelo superior tércio de bandarilhas no primeiro toiro de Ferrera; e depois só o João no segundo com outro grande par, dessa vez a repartir praça com o espanhol Miguel Murillo, antigo novilheiro, que até é um bom bandarilheiro, mas ontem ressentiu-se provavelmente da falta de varas e do andamento e dureza do exemplar de Grave, não brilhando como queria.

Para as lides a cavalo sairam quatro belíssimos toiros de Passanha, com trapio, irrepreensível apresentação, transmitindo e dando bom jogo, proporcionando aplaudidas lides aos primos cavaleiros, mas dificultando e complicando a vida aos forcados.,

Muito bem no primeiro toiro, tudo feito na perfeição, foi no entanto no quarto da ordem que Francisco Palha atingiu níveis de grande valor, com brega e ladeios vistosos e ferros de muita emoção e ousadia, entrando pelo toiro dentro, em terrenos de muito compromisso, pisando a linha de fogo - e de perigo. Uma lide de cátedra, "à Palhinha", que lhe valeu, com todo o merecimento e justiça, conquistar o prémio em disputa para a melhor lide a cavalo (Troféu Dr. João Duque). Numa altura em que muitos "triunfam" passando ao largo, Palha foi de frente e em frente - e mostrou que está outra vez na linha da frente.

António Ribeiro Telles Filho foi, dos mais jovens cavaleiros de alternativa, aquele que mais se destacou na temporada passada. Já este ano, ganhou o prémio da melhor lide em Alter. E ontem voltou a demonstrar a sua personalidade muito própria, a vontade de não querer ser comparado a seu Pai, a força com que luta por impor uma imagem e um estilo muito próprios.

Houve num ou noutro momento um excesso de velocidade em alguns ferros, mas tudo isso são arestas que o António há-de limar até atingir a perfeição. Não está longe. Já provou que não é toureiro só por ser filho, é por ele próprio. Tem bases, tem escola, mas tem sobretudo uma alma e uma raça que são dele e só dele e o hão-de levar longe.

Bem a coadjuvar as lides e a colocar os toiros para os forcados os bandarilheiros das quadrilhas dos dois cavaleiros: Diogo Malafaia, Nuno Silva, João Ribeiro "Curro" e Fernando Fetal.

Pegaram ontem os dois grupos de forcados da Chamusca. Tarde nada fácil, mas de êxito. Já a seguir, não perca as fotos das sequências das quatro pegas.

Pelos Amadores da Chamusca foram caras Mário Duarte, forcado que é irmão do matador António João Ferreira e do bandarilheiro João Ferreira, e que ontem se despediu das arenas, entregando a jaqueta ao cabo Nuno Marecos, depois de uma rija e valente pega ao segundo intento; e o valoroso Diogo Marques, filho do ex-cabo Nuno Marques, um jovem forcado de eleição, que pegou o quarto Passanha ao terceiro intento.

Pelos Amadores do Aposento, pegaram Francisco Souto Barreiros na sua segunda intervenção, que foi a quarta tentativa neste complicado toiro de Passanha, depois das duas primeiras de Tomás Duarte, que saiu inanimado e de maca, tendo sofrido, como esta manhã aqui noticiámos, fractura de um tornozelo e do nariz, aguardando em casa pela hora de ser operado; e Vasco Coelho dos Reis, numa grande pega ao primeiro intento que lhe valeu a conquistar do prémio para a melhor da tarde (Troféu Engº Jorge Duque).

No final da corrida foram anunciados os vencedores e entregues os respectivos prémios, havendo também uma lembrança para o matador António Ferrera e tendo o cabo do Aposento da Chamusca, João Saraiva, entregue ao cabo dos Amadores, Nuno Marecos, também uma lembrança comemorativa do 40º aniversário do seu grupo.

Assistiu à corrida, como também já aqui referimos, o secretário de Estado da Agricultura, João Moura (brindado pelos forcados do Aposento), assim como o presidente da Câmara, Paulo Queimado, a quem Ferrera brindou a sua primeira faena.

Com três quartos de casa preenchidos, a corrida decorreu em bom ritmo, com um curto intervalo, bem dirigida por Marco Cardoso, que esteve assessorado pelo médico veterinário José Luis da Cruz.

Os novos empresários Jorge Dias e Samuel Silva terão entendido, espera-se, que a Ascensão na Chamusca aguenta mesmo só esta corrida nesta data tradicional e tudo o que se faça em contrário (como eles fizeram, promovendo uma outra corrida no sábado anterior, esta com pouquíssima gente a assistir) dá mau resultado.

Durante a pega ao segundo toiro da corrida, exaltaram-se os ânimos entre alguns espectadores nas últimas filas do sector 2, quase chegando a vias de facto e obrigando à pronta intervenção da GNR para repor a ordem na casa. Ou seja, houve de tudo um pouco. Até uma mosca, que fotografei (foto de baixo) assistindo à tourada poisada num varão...

Fotos M. Alvarenga

A mosca...
António Telles Filho reafirmou grande qualidade
Prémios foram ganhos por Francisco Palha (melhor lide) e pelo
forcado Vasco Coelho dos Reis, do Aposento (melhor pega)