Miguel Alvarenga - O destino marca a hora, como cantava Tony de Matos. E o destino marca sempre a hora aos toureiros. Melhor dizendo: chega sempre a hora para todos os toureiros. Uns aproveitam-na, agarram-na com unhas e dentes; outros deixam-na passar ao lado e ficam com a carreira marcada pelo facto negativo de não terem sido capazes de agarrar a sua hora no momento em que ela chegou.
Ontem em Alcochete chegou a hora de Tristão Telles de Queiroz, jovem representante de uma das mais históricas e mais ilustres dinastias do toureio a cavalo, a dos Ribeiro Telles. Neto do saudoso patriarca, Mestre David, pupilo do primo João Ribeiro Telles, Tristão tomou este ano a alternativa em Março na primeira corrida de Santarém e, desde então, tem sido posto à prova em desafios e compromissos que alguns consideraram demasiado "à frente" para um cavaleiro ainda tão novo, mas que ele foi capaz de ultrapassar e de mostrar, ontem em Alcochete, que tem raça e tem arte para estar entre os da frente.
Sempre evidenciou, desde que aqui chegou, que trazia consigo uma lufada de ar puro, que tinha alegria e maneiras de chegar rápido aos aficionados e de criar impacto pela forma alegre e ousada de enfrentar o risco e emocionar o público - que é quem mais ordena.
Toureou primeiro o terceiro toiro deste tradicional e sempre muito concorrido Concurso de Ganadarias (praça cheia, esgotada à vista, mas faltou vender alguns bilhetes, cerca de 600, segundo a empresária Margarida Cardoso), uma das mais importantes datas do calendário taurino português.
Bonito, muito bem apresentado, grande, com 520 quilos, o primeiro toiro de Tristão foi o exemplar da renovada e renascida ganadaria Conde de Murça (regressada graças ao empenho de Simão Neves, ex-forcado e actual picador), um toiro que se entregou, que exigiu, que metia mudanças e tinha teclas para tocar. Tristão tocou-as todas, esteve arrojado e destemido, pisou a linha vermelha, cravou ferros de muito boa nota - e o público esteve com ele. O toiro acabou por ganhar o prémio de bravura e podia também ter ganho o de apresentação.
O seu segundo, último toiro da corrida, era também um muito bom exemplar de São Marcos, com 580 quilos, outro toiro exigente e com transmissão, a causar emoção e a provocar "ais" na bancada. Era também um dos toiros favoritos ao prémio de bravura e também de apresentação.
Tristão toureou-o com raça, com emoção, com valor e imensa atitude, alcançando um triunfo importante e que o fez, sem dúvidas, subir degraus e posicionar-se ainda melhor no topo. Foi a tarde da sua hora - e a tarde da sua explosão definitiva.
Tristão brindou a sua primeira lide ao ex-cabo e ao novo cabo do Grupo de Alcochete; e a segunda dedicou-a aos companheiros cavaleiros Manuel Lupi e João Soller Garcia.
Tristão era ontem a novidade no exigente e sempre duro Concurso de Ganadarias da Feira de Alcochete - e passou no exame com louvor e distinção, marcando esta sua triunfal temporada com o salto definitivo por que todos esperávamos - e, sobretudo, com que ele sonhava.
Os companheiros de cartel já nada tinham a provar a ninguém. Têm os seus lugares marcados no escalafón de ginetes nacionais, o público conhece-os de ginjeira - e ontem aplaudiu-os com o entusiasmo de sempre.
João Moura Júnior marcou a diferença, como marca sempre, nas duas lides aos toiros de Dr. António Silva (bonito, bem apresentado, mas algo mando-te e a procurar fugir logo de início, acabando por crescer ao castigo e proporcionando uma actuação notável ao cavaleiro de Monforte) e de Passanha (vencedor do prémio de apresentação), um toiro de nota alta e que Moura lidou ao seu melhor estilo, com bonitos recortes de grande brega, terminando com dois ferros em sorte "mourina" que galvanizaram o público.
Brindou a primeira lide aos forcados e a segunda ao público de Alcochete - que o aclamou depois pelos seus triunfos.
Francisco Palha teve menos sorte com o lote. Toureou primeiro o exemplar de Murteira Grave - que foi dos seis o pior. Pequeno, até mesmo impróprio para apresentar num Concurso de Ganadarias com o prestígio que este tem, foi um manso sem classe. Coisas que acontecem. Uma semana antes, Grave indultou um toiro em Azpeitia, Espanha. Ontem em Alcochete apresentou a ovelha ranhosa do rebanho...
Aliás, dir-se-ia sem fugirmos muito da realidade que qualquer um dos toiros poderia ter ganho os prémios de bravura e de apresentação, menos o de Grave...
Palha deu tudo de si para resolver a situação e ultrapassar as dificuldades impostas pela má qualidade do toiro, acabando por superar-se e conseguir uma excelente lide.
Em quinto lugar, toureou o toiro da ganadaria Vinhas, bem apresentado, pesado (600 quilos), mas com pouca cara, como é usual. Foi, contudo, um toiro com qualidade e que serviu. Francisco Palha arrimou-se, pisou a linha de fogo, deixou ferros de muita emoção.
Palha brindou a sua primeira lide, com ambos na arena, a Nuno Santana e a António José Cardoso, ex-cabo e novo cabo dos Amadores de Alcochete; e a segunda lide dedicou-a ao reputado médico cirurgião ortopedista Dr. Manuel Passarinho.
Os três cavaleiros (vestiam todos casacas verdes, cor de esperança) estiveram ontem em muito bom nível, deram ritmo e emoção e proporcionaram momentos de bom toureio aos aficionados que enchiam a praça.
Sentiu-se ao início algum calor, bem sei que a tradição obriga esta corrida Concurso de Ganadarias a realizar-se à tarde (início às 18h00), mas continuo na minha: as corridas têm que ser à noite quando o calor aperta.
O júri do Concurso de Ganadarias era formado pelos aficionados e antigos forcados António Manuel Barata Gomes, João Quintella e João Vasco Lucas - que elegeram como toiro mais bravo o de Conde de Murça e como mais bem apresentado o de Passanha.
Não houve protestos sonoros pelas duas decisões, mas não era fácil a escolha dos jurados - o toiro de São Marcos também poderia ter ganho o prémio de bravura e no que toca à apresentação, exceptuando o de Grave, todos poderiam ter sido também eleitos.
Um aplauso para a classe e a arte de Duarte Alegrete, sempre a marcar a diferença entre os seus pares. Mas também para o desempenho de todos os restantes peões de brega: Francisco Marques, Benito Moura e o jovem José Maria Maldonado Cortes (quadrilha de Moura Jr.); Diogo Malafaia e Nuno Silva "Rubio" (de Palha); e ainda Joaquim Oliveira, que saíu na quadrilha de Tristão.
Da tarde de glória e de mudança de cabo dos Forcados Amadores de Alcochete já aqui ficou anteriormente tudo dito.
Resta acrescentar que a corrida foi muito bem dirigida, com bom ritmo, sem intervalo demorado, pelo competente Tiago Tavares, que esteve assessorado pelo médico veterinário Jorge Moreira da Silva.
Mais uma corrida de sucesso nesta triunfal Feira do Toiro-Toiro em Alcochete, que termina na quarta-feira com a corrida nocturna de seis cavaleiros, com o regresso a esta praça, dezanove anos depois, do Grupo de Forcados de Lisboa e com um confronto entre as exigentes ganadarias Palha e Vale Sorraia.
Fotos M. Alvarenga