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| Saraiva Mendes fotografado por Miguel Alvarenga numa corrida no Campo Pequeno |
Miguel Alvarenga - Numa das minhas passeatas pela lisboeta Feira da Ladra, onde tenho encontrado muita documentação, programas, jornais, revistas sobre tauromaquia, descobri há dias esta edição da revista “Flama”, que era no seu tempo uma das minhas preferidas publicações jornalísticas, de 5 de Julho de 1974.
Na capa (que reproduzo em baixo), nem de propósito, uma foto de um comício do Partido Comunista na praça do Campo Pequeno (nesse tempo conturbado a que chamaram PREC, Processo Revolucionário em Curso, a Catedral do Toureio Nacional foi palco de comícios de praticamente todos os partidos, PS, PCP, PPD e CDS, também do MRPP) e, no interior, na secção semanal de “Touros”, da autoria de Saraiva Mendes (que era uma das razões principais por que eu comprava sempre a "Flama"), a crónica deste grande jornalista - que tive a honra de ter por amigo e que foi sempre uma das minhas primeiras e maiores referências como crítico tauromáquico - sobre a corrida que dias antes (20 de Junho) se realizara no Campo Pequeno, a 12ª Corrida TV, na qual José Falcão matou um toiro da ganadaria Oliveiras Irmãos, numa noite em que reapareceu Amadeu dos Anjos e em que actuaram a cavalo José Mestre Batista e Luis Miguel da Veiga e pegaram os Amadores do Ribatejo, capitaneados pelo recentemente falecido Rui Souto Barreiros. Os oito toiros eram da ganadaria Oliveiras.
José Falcão - que viria a morrer em Agosto desse ano, colhido em Barcelona, tendo sido esta a última vez que toureou na praça de Lisboa - foi o terceiro, e até hoje o último, matador de toiros a matar um toiro após a lide na Monumental do Campo Pequeno. O primeiro tinha sido Manuel dos Santos no dia 3 de Junho de 1951 e depois seu primo António dos Santos a 24 de Setembro de 1959.
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| O toiro de Oliveiras, último que foi morto no Campo Pequeno. E José Falcão dando a volta à arena com o seu bandarilheiro José Agostinho dos Santos |
“O sublime acidente” foi o título que Saraiva Mendes deu à sua crónica, de que aqui reproduzo os primeiros parágrafos, precisamente os que dedica ao toureio a pé. Ampliando a imagem da página da sua crónica na já desaparecida “Flama” (em cima), o leitor tem oportunidade de ler também o resto da apreciação crítica do saudoso jornalista, nomeadamente às actuações dos cavaleiros Mestre Batista e Luis Miguel da Veiga e dos forcados Amadores do Ribatejo:
“O sublime acidente deu-se um destes dias no Campo Pequeno quando José Falcão, matador de toiros de profissão, profissão esta averbada no seu bilhete de identidade, usou por acidente a sua própria profissão… isto é, matou um toiro. E a verdade, minhas senhoras e meus senhores, que me lêem e que viram o espectáculo pela televisão, é que, deixemo-nos de cantigas, mas o público, o público que vai aos toiros , e nunca o que fica em casa (por isto e mais aquilo), ia-se virando do avesso, louco de entusiasmo. Se querem plebiscitos, aí o têm!
“A XII Corrida da TV trazia em si dois trunfos fortes: o reaparecimento de Amadeu dos Anjos e o curro de toiros de Oliveiras (Irmãos). Os toiros (vá lá a gente perceber uma coisa destas), de uma das mais conceituadas ganadarias lusas, talvez a que hoje em dia oferece melhores possibilidades de triunfo, sairam impossíveis de dureza, de temperamento, desfazendo quaisquer veleidades aos toureiros a pé.
“Amadeu, retirado há anos, com um ou outro festival feito ao longo dessa prolongada abstinência taurina, a aguçar o apetite do aficionado guloso, não pôde concretizar todas essas energias acumuladas numa ‘faena’ que marcasse a sua classe e o seu regresso. Uns apontamentos com a capa, como uns ‘delantales’, uma meia-verónica e um quite por ‘tijerillas’. Uns passes muleterais de fina expressão, uma valentia a surgir a espaços, quando o toiro se ficava a meia viagem e um desejo enorme de agarrar a mãos ambas o ambicionado triunfo.
“José Falcão também não foi mais bafejado. Mas tirando partido de uma situação criada e sabendo explorá-la, conseguiu arrecadar, com a ‘faena’ ao último toiro, um êxito popular. Tiveram profundidade as suas verónicas, tiveram espectáculo, valor e verdade os seus pares de bandarilhas a quarteio e a ‘quebro’, teve impacto e decisão a sua entrega na muleta. O resto, todo o resto, pertenceu aos oliveiras, oliveiras bravias, estéreis de azeitonas, que é como quem diz, de ‘faenas’”.
Fotos D.R.
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| José Falcão entrevistado pelo jornalista Raul Durão na RTP dias antes da corrida no Campo Pequeno, a 12ª da TV |
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| A capa da revista "Flama" de 5 de Julho de 1974 e em baixo o cartaz da corrida do Campo Pequeno |







