sábado, 11 de agosto de 2012

Olé, Paulo Caetano!



Meu caro Paulo Caetano,
Ontem foi tudo muito "a quente". Hoje, mais a frio, apeteceu-me deixar-te aqui algumas palavras.
Não sei se te lembras, ou talvez tenhas querido esquecer, como eu, os "nossos primeiros tempos". Fui duro, se calhar injusto, naquele tempo em que apareceste nas arenas com aquela força toda, triunfos aqui e acolá em Espanha, orelhas e rabos, um sem fim de êxitos. Diziam os puritanos da época (houve-os em todas as épocas), recordo-o hoje com a frieza e a frontalidade necessárias, que estavam a chegar aos toiros "os filhos dos pedreiros", numa alusão clara ao facto de seres filho de um Senhor - um Senhor, escrevi de propósito com maiúscula - ligado à construção civil, sem "nome taurino".
Critiquei o "projecto". Um dia avisaram-me para não ir a uma corrida no Montijo, numa sexta-feira à noite, porque "corria perigo". Na véspera, no Campo Pequeno, um teu antigo moço de estoques tinha andado à procura do "puto do jornal O Diabo" e ameaçava esperar-me agora no Montijo. O meu qurerido (nosso) saudoso amigo Dr. Fernando Teixeira telefonou-me, aflito, para o jornal. "Não se arme em herói, Miguel, não vá esta noite ao Montijo". E eu fui. Eram os anos 70, os anos loucos da revolução e eu andava no lado oposto da barricada. Rumei ao Montijo e levei comigo um punhado de "bons malandros". Foi uma "tourada" das antigas...
Uns tempos depois, o Raul Nascimento foi ao jornal falar com a Maria Armanda (Vera Lagoa), com a simpatia e o "savoir faire" que o caracterizavam. Uns dias mais tarde, estava eu a caminho de Monforte, onde já vivias, com o Raul, mal te conhecia, mas tinha curiosidade em falar-te. Explicaste-me que não tinhas nada a ver com a atitude do tal moço de espadas (entretanto falecido e que, por isso mesmo, aqui vou omitir o nome - mais tarde, ficámos amigos!), descobri nas tuas palavras, na tua forma de estar, um homem diferente, muito diferente, daquele que eu imaginava.
O "incidente" do Montijo acabou por nos aproximar. Os anos passaram, Paulo, e nós conseguimos cimentar uma sólida e profunda amizade. Acima de tudo, um respeito mútuo.
Eu fui crescendo como jornalista (nunca gostei que me "chamassem" crítico tauromáquico) e tu foste afirmando nas arenas a tua personalidade como grande Toureiro. Passaram dois, quatro, dez, trinta anos.
Anteontem, aplaudi no Campo Pequeno mais uma magistral lição de toureio, sem saber que era a tua última. Quando anunciaram a tua decisão de terminar ali a tua carreira, senti arrepios. Andei para trás no "filme". Lembrei-me de pessoas adoráveis que estiveram a teu lado - o Raul, o Laurentino, sei lá, tantos, os teus Avós - e de actuações memoráveis que fizeram a tua história, de cavalos célebres, de tantos momentos que acabámos depois por repartir, quando ainda não havia o João, quando depois chegou o João.
Acompanhei-te ao longo de três décadas. Acompanhei o "nascer" do João e confirmo agora, eu e milhares de aficionados, a sua consagração como Figura. É bonito, Paulo, pôr termo a uma carreira e a tudo o que foi uma vida profissional, com a certeza de que se deixou escola e de que se deixou, sobretudo, um seguidor.
A tua história, Paulo, não acabou ontem. Antes pelo contrário. Começou de novo. Recomeçou com o apoteótico triunfo do João, teu filho. Escolheste o momento ideal e a hora certa. Era a de ontem.
Também já sinto hoje alguma nostalgia quando olho para o passado e recordo, estilo fita de cinema, tantos êxitos, tantos momentos compartilhados, sem bajulices bacocas, antes com verdade e, acima de tudo, com amizade.
A história vai continuar, Paulo. E, mesmo sem casaca nem tricórnio, um dos protagonistas continuarás a ser tu. Foste e és uma grande Figura do toureio. Ao contrário do que muitos e eu próprio, vaticinavam. Impuseste, pela força da tua razão, a verdade do teu toureio, a sinceridade do teu saber estar, a paixão que cimentaste pela arte a que dedicaste toda uma vida. Não foste mais um. Foste e ainda na quinta-feira o mostraste, um Toureiro que marcou. E as Figuras, por mais que vão, ficam sempre. Porque o lugar delas é aqui, nas nossas memórias, no nosso passado que, sendo antigo, será sempre presente.
Olé, Paulo Caetano!

Miguel Alvarenga

Foto Emílio de Jesus/fotojornalistaemilio@gmail.com