sexta-feira, 9 de setembro de 2016

Campo Pequeno, o triunfo dos Murubes: há outras verdades, doa a quem doer!

Maestro dos Maestros, melhor entre os melhores, João Moura empolgou ontem
com a lide fantástica do primeiro toiro da noite. Aqui quem manda é ele e a
verdade é que ainda não apareceu ninguém a tourear melhor. O resto são
sempre cantigas...
Único e adorado, idolatrado pelo público de Lisboa, Pablo Hermoso de Mendoza
deu ontem dois verdadeiros show's de arte e temple e do que é o novo toureio
deste século. Há quem não goste, temos pena. Mas a verdade é que o Campo
Pequeno registou ontem a maior enchente da temporada e o público vibrou no
príncipio ao fim com 
Moura Jr. brindou o último toiro ao seu apoderado Rui Bento. Inspirado, deu um
show de toureria e protagonizou a melhor actuação que lhe vimos em Lisboa desde
a reabertura da praça, já lá vão dez anos
João Oliveira, tomarense. Parece ele que vinha da guerra...
Duas pegas que escaparam... A de Ricardo Almeida (Grupo de Portalegre) e a de
Francisco Andrade (Aposento da Chamusca). De resto...


Miguel Alvarenga - Encaste Murube. É o primeiro palavrão que hoje aqui escrevo. Não percebo nada de encastes (já alguém um dia o disse), mas sei distinguir, mais ou menos, um toiro de um boi, um boi de uma vaca, um cão de um gato, uma osga de um crocodilo, enfim, não ando aqui propriamente a apanhar bonés. Sou só jornalista, não façam, nem queiram fazer de mim um entendido, um crítico tauromáquico ou lá como antigamente se chamava àqueles senhores de fato e gravata e chapéu, que fumavam charuto e sabiam a potes do que viam no Campo Pequeno. Eu não estou preocupado. No dia em que acabarem as touradas, escrevo de outra coisa qualquer. Sou jornalista, repito. E estou aqui para contar o que vi. Mais nada.
Os toiros de ontem no Campo Pequeno, de Francisco Romão Tenório (que até deu volta à arena no fim, quanto a mim justíssima e mais que merecida e se a deu e toda a praça bateu palmas é porque aquilo não foi nenhuma coisa má, antes pelo contrário, foi porque o público gostou), de invejável apresentação e, quanto a mim (é aqui que não vamos estar de acordo, mas paciência), excelente e fantástico comportamento para a arte dos Mouras e de Hermoso, não têm nada a ver, por exemplo, com os Murteira Grave que tanta emoção puseram há dias na Corrida TV. Mas tinham que ter? É aqui que a porca torce o rabo.

A arte evoluiu naturalmente, doa a quem doer...

Tudo na vida evolui e a técnica, a arte do toureio, evoluiu também. Natural e obrigatoriamente. Porque tudo na vida é assim, queira-se ou não se queira. O espectáculo que vimos ontem, a cargo de João Moura (ainda e sempre, o Grande), de Pablo Hermoso de Mendoza e de João Moura Júnior, é a evolução lógica e esperada do toureio antigo, da Festa antiga. Os toiros de Grave (e de outros) encerram uma verdade, sim senhor. Mas a verdade não é única e não é, nem pode ser, só uma.
A essência do toureio e da própria Festa, defendem os antigos, reclamam os “velhos do Restelo”, exigem os anti-Murube, é o perigo, o risco, a emoção, os ais, os gritos, os corações que param, as pessoas que desmaiam na bancada. Sim senhor. Respeito. Não aceito como verdade única, mas respeito. Contudo, questiono: em pleno século XXI, não tem muito mais futuro a Festa com o espectáculo de ontem, como o espectáculo de ontem, do que o duelo tipo Coliseu Romano, de violência e agressividade, vida e morte, entre cavalo e toiro, toiro e toureiro? É preciso que os antigos entendam (se conseguirem, se quiserem) que a arte tauromáquica evoluiu. E a verdade é que, gostem ou não gostem, os chamados (e são mesmo, certamente) toiros de verdade deixaram o Campo Pequeno a meia haste...
Os toiros “nhoc-nhoc”, telecomandados, os nomes que lhes queiram chamar, conseguiram ontem que o Campo Pequeno registasse a maior entrada, a raiar a lotação esgotada, da presente temporada. Quem tem razão, quem fala verdade, quem quer toiros assim e assado, quem reclama para si a essência e esquece a evolução, própria e natural, das coisas e das artes? Paciência, por mais que protestem, que rebatam, que digam mal e que cuspam na sopa a pensar nisso, a verdade - que, repito, não é uma só, nem por sombras! - aconteceu ontem no Campo Pequeno

"Niño Moura", coisa eterna

Foi a mais concorrida corrida do ano e uma das melhores. Onde o público mais esteve rendido, completamente doido com a primeira lide (coisa única) de João Moura, com os dois show’s de arte e temple de Hermoso de Mendoza, com a bombástica actuação de João Moura Júnior no último, como que a partir a loiça toda, a acabar de vez com o quadro, a marcar na memória de todos aquela que foi, e não será esquecida, a sua melhor e mais empolgante exibição no Campo Pequeno desde que a praça reabriu.
Crónica simples e tão rápida, que não é mesmo preciso dizer muito mais coisas. Moura reafirmou que o número-um é ele e só ele e que o resto, doa a quem doer, será sempre uma cantiga; Pablo deu o show que enche as medidas aos aficionados da modernidade e que irrita os “velhos do Restelo” de hoje e eu pergunto, era Pablo capaz de enfrentar um Grave, claro que era, tem alma, coração e cavalos para isso e muito mais, mas nada seria como é; e João Moura Júnior, regular no seu primeiro toiro, explodiu no último e deixou tudo em alvoroço, assim como quem diz “o que eles fazem, também eu faço” e agora tomem lá, embrulhem, que a escola é a mesma, o futuro é que vai ser diferente e eu estou aqui para mostrar isso mesmo. Galvanizou, empolgou, Lisboa levantou-se à passagem do novo “Niño Moura”, coisa eterna que o tempo não apaga.
Desta vez, que se lixe, tenho muita pena, mas não vou publicar as fotos das pegas uma a uma, nem, dar aos forcados o destaque que costumo dar. Ontem, para uma corrida destas, impunha-se grupos mais sólidos e mais importantes. Sem desprimor para os três - Tomar, Portalegre e Aposento da Chamusca -, que honraram como puderam os seus pregaminhos, há que reconhecer e dizer e escrever que o elenco de ontem mereciam uma mais cuidada escolha na forcadagem.
Pegou este, pegou aquele, houve até um forcado que ficou atravessado, todo de lado, na cara do toiro e não repetiram a pega, o cabo estava a ajudar e preferiu dá-la como consumada (que coisa vergonhosa…), mas a verdade é que ontem nenhum dos grupos esteve à altura do que é a verdadeira e tão nobre arte de pegar toiros.

Faltaram forcados...

Os Tenórios não bateram, não fizeram mal, mas empurraram, derrotaram, deitaram grupos abaixo e os forcados não tiveram valor para os agarrar, para ajudar os companheiros da cara. Houve uma pega regular de Ricardo Oliveira, dos Amadores de Portalegre e outra de Francisco Andrade, do Aposento da Chamusca. Houve um forcado do Grupo de Tomar, valente como as armas, mas “verde” em técnica, que pegou à quinta, por valentia e sem qualquer apoio dos companheiros, que nunca estiveram à altura de ajudar. Enfim, no que às pegas diz respeito, a noite de ontem foi assim-assim, faltaram grupos para fazer frente aos Murubes de Tenório, chamem-lhes os nomes que quiserem (aos toiros), mas a realidade é que faltaram forcados para os pegar como a lei manda e a tradição impõe.
Manuel Gama, este sim, um forcado de eleição e que tão bem soube defender a jaqueta de ramagens dos Amadores de Santarém, dirigiu a corrida de ontem com acertos e desacertos. Esteve bem em quase tudo, menos em não conceder música a João Moura no quarto toiro da noite, ao não lhe dar autorização para mais um ferro já esteve correcto e concordo. Finda esta actuação, com total divisão de opiniões entre o público, não autorizou a volta à arena ao cavaleiro e ao forcado, estava quase a mandar sair o quinto toiro, o público protestou, Gama voltou com a palavra atrás e puxou dos lenços (que não é o memso que puxar dos seus galões...) para que João Moura e o tal forcado valentão de Tomar viessem dar a volta à arena. Uns aplaudiram, outros assobiaram. Houve algum bom senso da parte do director ao conceder a volta que a maioria da populaça exigia, assim como quem presta homenagem a “quem mais ordena” e a quem paga o bilhete e enche uma praça, mas a verdade é que Gama deveria ter mantido a coesão e não voltar com a palavra e a decisão atrás. Ele que foi tão valente a pegar toiros, devia ontem ter sido também valente a assumir a decisão que tomara e achara ser a mais certa. Mesmo que não fosse. Enfim…
Em suma, noite grande, corrida empolgante, público a beber copos na rua até de madrugada, Moura (pai) e Pablo em animado convívio depois da corrida no “Galeto” (com o meu testemunho…) e Moura Jr. a cear em família no “Rubro” e com o apoderado Rui Bento, a quem brindou a sua segunda e deslumbrante actuação. Até nisso teve valor.

Fotos Maria Mil-Homens