terça-feira, 11 de junho de 2019

Santarém encheu outra vez, Salgueiro chegou ao pelotão da frente, Telles e Rouxinol não largam o trono e António Taurino cantou um hino à arte de pegar toiros!

Praça cheia, Praça Maior, ontem em Santarém!
Fotos M. Alvarenga
António Ribeiro Telles, um Mestre do toureio, teve ontem passagem memorável
pela arena de Santarém, onde já triunfara em Março. Os anos passam, a maestria
de António aumenta!
32 anos depois de ter tomado neste mesmo Dia de Portugal e nesta mesma
praça a sua alternativa, Luis Rouxinol assinalou ontem a efeméride com mais
uma importante tarde de triunfo na Monumental de Santarém
Foram ferros com esta verdade e esta emoção, pisando a linha de fogo, que
ontem colocaram Salgueiro da Costa em definitivo no pelotão da frente


Salgueiro deu outro grito e saltou definitivamente para o pelotão da frente. António Telles e Rouxinol estão vistos e mais que vistos nesta altura do campeonato, mas toda a gente os quer ver sempre outra vez. São dois expoentes máximos do toureio a cavalo e ontem reafirmaram que tão cedo não largam o trono. Os Forcados de Santarém tiveram uma tarde de triunfo e António Taurino fez uma pega épica.
Toiros sérios de Sommer e um de Canas Vigouroux deram emoção a uma tarde em que a Monumental de Santarém voltou a encher como nos velhos tempos. A associação Praça Maior venceu claramente os objectivos e os desafios com que ali chegou este ano: a praça "Celestino Graça" voltou definitivamente à ribalta

Miguel Alvarenga - Não é nem será nunca fácil entender por que razão Bolota levou Ventura, "El Juli", Morante e Padilla a Santarém e ninguém lá os foi ver e como foi possível que a Monumental voltasse ontem a registar uma enchente como nos velhos tempos (mais de três terços das bancadas preenchidos) numa tarde em que os cabeças de cartaz eram dois cavaleiros que nesta altura do campeonato já foram a todo o lado e já estão vistos e revistos: António Telles e Luis Rouxinol, que ontem comemorava o 32º aniversário da sua alternativa, recebido naquela mesma arena em 1987 neste mesmo dia 10 de Junho.
A primeira parte da questão é um enigma. E vai sê-lo sempre. A segunda explica-se: mesmo vistos e revistos, António Ribeiro Telles e Luis Rouxinol são dois grandes toureiros, dois expoentes máximos do toureio a cavalo, estão na sua pujança e na força da sua glória e nunca é demais revê-los. Os antigos, estes dois em particular, continuam todas as tardes a deitar cartas  e teimam em não dar o trono de mão beijada aos novos - que finalmente se estão a afirmar e a marcar a diferença, como fez ontem João Salgueiro da Costa.
Além disso, os jovens componentes da associação Praça Maior que estão desde este ano nos comandos da Monumental "Celestino Graça" têm feito um trabalho de promoção dos seus espectáculos a todos os títulos memorável, eficiente e com resultados à vista. Se em Março surpreenderam tudo e todos voltando a encher a praça que estava, ou assim parecia, condenada a morrer na praia, ontem voltaram a alcançar uma vitória significativa e importante. Precisamente pela repetição de dois cavaleiros que já todo o mundo viu variadíssimas vezes nesta temporada, havia quem preconizasse que esta ia a ser a corrida com menos gente em Santarém. Mas isso não aconteceu. O ambiente foi enorme, a selecta aficion que normalmente povoava as bancadas da Monumental de Santarém voltou a fazê-lo, caras conhecidas, aficionados de solera, mais de oito mil pessoas na praça - e tudo isso graças ao incansável trabalho destes jovens que deitaram mãos à tarefa de voltar a colocar esta praça na ribalta - e o conseguiram indiscutivelmente.
Há, obviamente, arestas a limar. Já em Março tinham sucedido "remendos" no que aos toiros diz respeito e isso ontem voltou a acontecer. Estavam anunciados seis toiros de José Luis Vasconcellos D'Andrade (Sommer) e só foram lidados cinco. Veio um de Canas Vigouroux e vieram mais dois da mesma ganadaria que estavam como sobreros. Ninguém morreu por isso nem veio algum mal ao mundo pelo remendar do curro anunciado. Mas são incidentes de percurso que, com o tempo e a experiência dos novos e valiosos gestores da praça, certamente vão deixar de se repetir.
A tarde era fria - e nós a lembrar-nos das corridas de calor insuportável que ali vivemos noutros tempos, mas tudo mudou, até o tempo... - mas os cavaleiros e os forcados aqueceram-na. Os toiros de Sommer foram toiros sérios, exigentes, com apresentação irrepreensível, transmitiram, deram aquele toque de risco e de seriedade que é a grande e principal essência deste espectáculo. De excelente nota o segundo, o terceiro e o quarto, apenas complicado, mansote e perigoso o sexto e demasiado manso o primeiro. O de Canas Vigouroux, lidado em quinto lugar por Rouxinol, foi um toiro que impôs seriedade, mas que foi pouco claro nas investidas. Em suma, eram toiros para homens de barba rija - e a verdade é que os tiveram pela frente no que aos cavaleiros, forcados e bandarilheiros diz respeito.
Não houve propriamente lides de grande explosão. Houve grandes ferros de Salgueirinho nos seus dois toiros, mas especialmente no último, onde cravou os dois grandes e emotivos ferros da tarde. E houve lides de enorme maestria de Telles (a que rubricou frente ao quarto da ordem) e de Rouxinol (que lidou na perfeição o segunda toiro da corrida).
António Ribeiro Telles esteve sereno e maestro frente ao primeiro toiro da corrida, manso e que lhe deu poucas opções. No quarto, de melhor nota, mas que demonstrou inicialmente alguma crença nas tábuas, António teve a suprema maestria de lhe mudar os terrenos e obrigá-lo a crescer com a ousadia das suas temerárias entradas ao piton contrário, acabando por realizar uma lide brilhante e na qual sobressaíu toda a grandeza do seu toureio puro e verdadeiro.
Luis Rouxinol desenhou uma lide perfeita ao segundo toiro da corrida, de nota alta, brilhando como sempre brilha, como se tivesse outra vez 18 anos e ali estivesse, como esteve há exactamente 32 anos, a escrever a primeira das páginas da sua carreira de glória. Actuação de mestre e uma lide de cátedra.
No quinto toiro, o de Canas Vigouroux, não alcançou o fulgor da primeira actuação, mas também não deixou, não deixa nunca, os seus créditos por mãos alheias.
Por muito que estejam vistos - e este ano estão fartos de tourear juntos - o público gosta sempre de os rever. Alcançaram um estatuto de primazia e de grande relevância, são dois Maestros que "dão o litro" todas as tardes, como se estivessem no princípio. Isso faz a diferença. E isso explica as razões por que, tantos anos depois, continuam a ser reis e a ter a majestade eterna e a arrastar público às praças.
João Salgueiro da Costa andou muitos anos, anos a mais, mesmo, a tentar afirmar-se, ora estando bem, ora estando assim-assim, numa trajectória pautada por alguma irregularidade. Nas duas últimas temporadas, finalmente bem montado e moralizado, tudo se modificou e Salgueirinho deu finalmente mostras de que mais tarde ou mais cedo daria o salto que todos esperavam e ele, mais que todos, desejava e precisava de dar. E deu.
Começou a "arrear" forte em palcos de menos importância, mas os êxitos começaram a soar e a curiosidade de confirmar que finalmente estava no seu momento e chegara a sua hora passou a ser cada vez maior.
Já esta temporada, em praças secundárias e há uma semana na Chamusca, gritara bem alto e a todos dissera "Estou aqui!". E ontem em Santarém saltou, definitiva e indiscutivelmente, para a fila da frente.
Pisou a linha de fogo, arriscou, ousou, pôs nas duas lides (a última, complicadíssima) toda a verdade do seu toureio puro, toda a grandeza da sua alma de bom toureiro. Com decisão, muito querer e aplaudida atitude.
O primeiro toiro era sério, tinha nobreza e Salgueiro lidou-o com emoção, destacando-se em dois ferros curtos de nota altíssima. O último era um "tio" daqueles que descompõem e destapam qualquer toureiro, mas o cavaleiro de Valada esteve por cima, voltou a impor a ousadia do seu toureio, cravou três curtos de parar corações em terrenos de "grande aperto", a entrar pelo toiro dentro "para se matar". Está Salgueirinho definitivamente no pelotão da frente e pronto para todas as "guerras".
E nesse aspecto, a temporada de 2019 está a marcar em grande. Há cinco ou seis figuras de grande impacto, Prates está pronto a romper também, todos esperam pela reaparição de Palha no próximo domingo em Santarém com Moura e Telles, todos têm os olhos postos na corrida de sábado em Reguengos com Moura, Telles e o jovem Rouxinol - e Salgueiro vai agora ter também que fazer parte, obrigatoriamente, dessa "guerra" das novas figuras.
Excelentes intervenções, com toiros que não permitiam deslizes, dos seis magníficos bandarilheiros que ontem se exibiram em Santarém: João Ribeiro "Curro" e António Telles Bastos, a dupla brilhante da equipa de Telles; Manuel dos Santos "Becas" e João Bretes, os dois pilares de grande valor da quadrilha de Rouxinol; e João Prates "Belmonte" e Tiago Santos, os belíssimos peões de brega de Salgueiro.
No que aos forcados diz respeito, e como já aqui ficou detalhadamente referenciado, foi uma tarde de triunfo para o Grupo de Santarém - não só pelas grandes pegas que os seus forcados executaram, mas pela atitude de se encerrarem com seis toiros dos que não dão tréguas.
O cabo João Grave teve ontem o trabalho mais complicado, pegando heroicamente o primeiro toiro à quinta tentativa; Salvador Ribeiro de Almeida pegou o segundo toiro à primeira; Lourenço Ribeiro consumou à segunda a terceira pega da tarde; António Taurino fez ao quarto toiro o "pegão" da corrida; Francisco Graciosa e Ruben Giovety pegaram o quinto e sexto ambos à primeira. O grupo está em alta e esteve ontem muito bem nas ajudas e a rabejar.
Lourenço Luzio dirigiu a corrida com a competência e a aficion do costume e esteve ontem assessorado pelo médico veterinário Dr. Luis da Cruz e pelo incansável cornetim José Henriques, que dedicou aos toureiros e ao público momentos da sua arte. Ao início da corrida e porque se assinalava o Dia de Portugal, o público levantou-se para ouvir tocar o Hino Nacional. Um pormenor que se aplaude.
O factor principal e marcante da corrida de ontem em Santarém foi, sem sombra de dúvidas, a reafirmação do sucesso com que a associação Praça Maior está a levar a cabo esta - não fácil - missão de recolocar a Monumental de Santarém na ribalta e na primeira linha. Com empenho, seriedade e dedicação às causas, nem é tão difícil como parecia recuperar uma praça que, repito, estava condenada a morrer na praia. E hoje, graças a estes jovens empreendedores, é outra vez e para sempre Praça Maior!
Bem hajam!

 Fotos Maria Mil-Homens