segunda-feira, 29 de julho de 2019

A noite branca das Caldas

Toiros brancos de Canas Vigouroux levaram muito público no sábado à praça
das Caldas da Rainha
Lide brilhante de Rui Salvador, que foi homenageado pelos seus 35 anos de
alternativa

Luis Rouxinol: mais um importante triunfo no sábado nas Caldas. Nesta foto,
dando a volta à arena com outro triunfador da noite, o forcado Francisco
Mascarenhas, cabo dos Amadores das Caldas, autor de pega imponente
Gilberto Filipe lidou superiormente o mais manso dos toiros brancos de Canas
Vigouroux
Classe e bom toureio de Manuel Telles Bastos. Um grande triunfo nas Caldas
Ferro traseiro na sorte de gaiola lesionou o toiro de Rouxinol Jr., que veio a menos
durante a lide e não permitiu grande brilho ao toureiro
Com visíveis dificuldades de locomoção, o último toiro não permitiu a António
Prates a lide desejada


Muita curiosidade e expectativa motivaram uma enchente no sábado na praça das Caldas da Rainha para ver os toiros brancos de Canas Vigouroux. Foi emotiva a corrida, apesar da falta de "chama" dos toiros. Triunfaram Rui Salvador, Luis Rouxinol e Telles Bastos e o cabo dos forcados da terra, Francisco Mascarenhas, com um "pegão" que até fez "estremecer" a praça!

Miguel Alvarenga - Os toiros brancos da ganadaria Canas Vigouroux - seis pela primeira vez neste século numa corrida - encheram (três quartos das bancadas preenchidos) a praça de toiros das Caldas da Rainha no último sábado. Àparte este inédito atractivo, o empresário Rafael Vilhais esmerou-se na montagem de um cartel bem rematado e com seis cavaleiros de estilos muito próprios e distintos, o que também terá contribuído para a afluência de público.
Muito criticadas pelos "puristas" da nossa Festa no tempo em que o saudoso empresário Manuel Gonçalves começou a apostar nelas, a verdade é que as corridas de seis cavaleiros ganharam nos últimos anos cada vez mais adeptos.
Os toiros de pelagem jabonera do ganadero Pedro Canas Vigouroux estavam rematados, tinham apresentação e trapio irrepreensíveis, mas faltou-lhes "chama". Foram mais mansos que bravos, mas impuseram seriedade, tiveram transmissão e foram toiros de emoção. "Bruto" e a pedir contas foi o segundo, o maior da corrida (620 quilos), soberbamente lidado pelo sempre triunfador Luis Rouxinol. O primeiro "deixou-se" sem grande empenho, tinha investidas francas e Rui Salvador lidou-o muito bem. O terceiro, que coube a Gilberto Filipe (a substituir o ainda lesionado Marcos Bastinhas), era manso perdido, cedo se refugiou em tábuas e embora muito bem lidado, não permitiu maior brilhantismo ao cavaleiro. O quarto tinha mobilidade, era meio distraído, mas Manuel Telles Bastos nunca o deixou sossegado, andou sempre ligado e lidou-o de forma notável. O quinto entrou disparado na arena e Luis Rouxinol Jr. recebeu-o com uma sorte de gaiola espectacular, mas que não resultou. O ferro ficou muito traseiro, atingiu o toiro nos rins e embora tivesse dado nota de que seria o melhor toiro da noite, a verdade é que se veio depois abaixo. O sexto toiro saíu visivelmente congestionado, com dificuldades de locomoção e mesmo assim não foi recolhido. António Prates lidou-o com perfeição, mas o animal estava diminuído e não se empregava.
Na generalidade, os seis toiros entraram em cena cheios de gás e a assustar tudo e todos, mas depois foram perdendo a chama durante a lide e alguns apagaram-se mesmo. "Decididamente, hoje não foi o meu dia", reconheceu no fim o ganadero Pedro Canas Vigouroux.
Rui Salvador está a comemorar 35 anos de alternativa, vê-se que está de novo bem montado e embora tendo até aqui toureado pouco, por vários azares sofridos nesta primeira parte da temporada, mantém a raça e o estatuto de sempre e no sábado nas Caldas foi autor de uma lide acertadíssima e com ferros de muita emoção, "à antiga".
Ainda não foi desta, e ainda bem para ele, que vimos Luis Rouxinol estar menos bem. Mal nunca está, é um toureiro consolidado e de um valor tremendo. Mas menos bem também não consegue estar. Grande actuação frente ao maior e mais imponente toiro da corrida, um toiro sério e exigente, ao qual deu uma lide memorável em todos os pormenores, arriscando, entregando-se, pisando a linha de fogo. Público completamente rendido à arte e ao brilhantismo do grande cavaleiro.
Gilberto Filipe toureia pouca, mas devia tourear mais. É um equitador exímio (campeão mundial de Equitação de Trabalho e isso diz tudo) e um toureiro que se apruma sempre e nunca desilude. O seu toiro era um manso perdido que muito cedo procurou refúgio nas tábuas. Mas os mansos também se lidam e Gilberto lidou-o superiormente.
Após um curto intervalo em que se homenageou Rui Salvador com o descerramento de um placa nos corredores da praça (companheiros e forcados brindaram-lhe também as suas lides), veio Manuel Ribeiro Telles Bastos para lidar o quarto toiro da noite. Toiro meio distraído, com sentido, a impor-se e a pedir contas. Manuel vive um momento de alto fulgor, é um toureiro demasiado bom e interpreta o toureio a cavalo com uma arte e um sentimento que tornam tudo bonito. Dá gosto, sempre, vê-lo tourear. À antiga, com aquele porte clássico e com uma classe que contagia o público. Bonitos pormenores de brega, lide exemplar, ferros ao estribo com a verdade que se exige. Grande triunfo.
Luis Rouxinol Jr. é um toureiro que se quer impor de dia para dia. E se tem imposto. Sempre em ebulição e sempre a querer marcar a diferença, esperou o toiro no meio da praça e recebeu-o com uma empolgante (e aparatosa) sorte de gaiola. Um gesto de atitude e de afirmação, mas do qual também não precisa de abusar e de executar em todas as corridas. Desta vez não resultou. O toiro, que parecia ser o melhor dos seis, entrou na arena à velocidade de um comboio e pouco tempo deu ao jovem Rouxinol para pensar. Quase chocaram de frente, o embate foi de tal modo violento que o cavalo ficou virado em "sentido contrário" e só não houve queda por milagre. No meio desse aparato todo, o ferro ficou demasido traseiro, atingiu o toiro no rim e este acabou por vir a menos ao longo da lide, já pouco conseguindo o toureiro fazer para brilhar como queria.
Também António Prates não teve sorte. O último toiro entrou em praça visivelmente congestionado e com dificuldades de locomoção, caindo por várias vezes. O público protestou, mas a direcção da corrida não teve reacção... Prates lidou-o com a usual ousadia e a muita vontade que tem de se afirmar, mas o toiro estava francamente diminuído e a actuação não teve por isso o brilhantismo que se esperava.
Nas pegas, o destaque maior vai para a segunda da noite, pelo cabo do grupo da terra, Francisco Mascarenhas, que executou um pegão impressionante, aguentando um brutal e alto derrote sem jamais desarmar. Forcado de garra e de alma.
Francisco Esteves (à segunda) e Duarte Manoel (à primeira) foram os outros dois forcados de cara pelos Amadores das Caldas.
Pelo Aposento da Moita, grupo mais antigo, pegaram João Ventura (à quarta), tendo nesta noite reaparecido depois de ter sido um dos forcados lesionados na trágica noite de Coruche; Marco Ventura também à quarta e Martim Cosme Lopes à primeira, na melhor pega dos moitenses.
Ana Pimenta dirigiu esta corrida, revelando aficion e bom senso, assessorada pelo médico veterinário Luis da Cruz.

Fotos Maria Mil-Homens