quarta-feira, 6 de maio de 2020

Há 10 anos: reapareci no Campo Pequeno com dois companheiros de prisão do Linhó

No final da corrida, fomos ao Hotel Alif e os meus companheiros de prisão
conheceram Pablo Hermoso de Mendoza
Eu e o Nuno, um bom companheiro dos fins-de-semana no Linhó
O Germano entrou pela primeira vez numa praça
e ficou deslumbrado com a beleza do novo C. Pequeno
A chamada de primeira página e, em baixo, o Editorial de Solange
Pinto na edição de 13 de Maio de 2010 do jornal "Farpas"


Há dez anos, neste mesmo dia 6 de Maio (2010) reapareci em público depois de em Fevereiro ter iniciado o cumprimento de uma pena de prisão aos fins-de-semana no Linhó - e levei comigo ao Campo Pequeno dois amigos de reclusão, o Germano e o Nuno. É essa noite que aqui recordo hoje

Miguel Alvarenga - Em Fevereiro de 2010 eu iniciara o cumprimento da minha pena de prisão de 54 fins-de-semana (entrava ao sábado às nove da manhã e saía no domingo às nove da noite) pelo "crime" de "abuso de liberdade de imprensa". Era o segundo jornalista, depois do meu ex-Director Manuel Maria Múrias (semanário "A Rua") a cumprir uma pena de prisão depois do 25 de Abril - que, diziam eles, devolvera a Portugal, alegadamente, a liberdade de expressão. Tretas!
A pena era cumprida, como muitos se recordam e eu nunca mais esqueci, num pavilhão exterior ao Estabelecimento Prisional do Linhó (cadeia de alta segurança), a que chamavam (e parecia) a "casa do Big Brother".
Nessa noite de 6 de Maio de 2010, em que o cavaleiro Tiago Carreiras recebeu a sua alternativa apadrinhado pelo eterno Joaquim Bastinhas com o testemunho de Pablo Hermoso de Mendoza, o Campo Pequeno registou lotação esgotada, os toiros de Bohórquez não foram grande coisa, os toureiros esforçaram-se e triunfaram e houve três pegas enormes de António Alfacinha (grupo de Évora) e de Pedro Castelo e Márcio Francisco (grupo de Vila Franca).
Levei comigo dois bons amigos de reclusão, o Germano e o Nuno - e o Luis Suspiro, ao tempo proprietário de dois restaurantes na praça, convidou-nos para jantar mal soube que eu ia à corrida com dois amigalhaços da "cana". A festa começou antes da corrida, com toda a gente a cumprimentar-me, a perguntar como estava, se aguentava bem os fins-de-semana na cadeia.
O Nuno tinha cavalos, era aficionado e já assistira a várias corridas. O Germano, caboverdiano, entrou pela primeira vez numa praça de toiros e ficou deslumbrado com a beleza do novo Campo Pequeno e com tudo o que viu na arena. No sábado seguinte, no Linhó, não falava de outra coisa aos companheiros, relatando ao pormenor tudo o que vira e a alegria que eu lhe dera quando, depois da corrida, fomos ao Hotel Alif e estivemos à conversa com Pablo Hermoso de Mendoza, um dos grandes protagonistas dessa noite.
Solange Pinto, ao tempo directora-ajdunta do jornal "Farpas", escreveria uma semana depois (13 de Maio) no seu Editorial (ao lado):
"(...) Miguel Alvarenga fez a sua primeira aparição pública enquanto cumpridor de uma pena de prisão aos fins-de-semana. Fê-lo em grande estilo, logo no Campo Pequeno (talvez por ser a única praça com corridas à quinta-feira), bem acompanhado com colegas de reclusão. Foram eles, o Miguel e os seus companheiros da 'casa de campo', como um deles havia muito bem adjectivado, os verdadeiros reis da bancada e dos momentos que antecederam e precederam o espectáculo. Todos queriam cumprimentar o director do jornal que admitam ou não, lá acabam por ler às quintas-feiras".
E eu próprio, no dia seguinte à corrida, escrevi aqui no blog:
"Foi grande a noite de ontem no Campo Pequeno. Grande, porque a praça esgotou e o ambiente era enorme. Grande, porque reapareci dois meses depois da minha prisão (aos fins-de-semana) e, sinceramente, não esperava um acolhimento tão grande (e tão fantástico) por parte de tantos amigos, de tantos toureiros e, sobretudo, de tantos aficionados anónimos que me vieram saudar, cumprimentar, saber como estava a viver esta experiência nova. Grande, porque proporcionei a dois companheiros de reclusão, o Germano e o Nuno (na foto, no final da corrida, com Pablo Hermoso no Hotel Alif), um acontecimento inolvidável, que jamais irão esquecer. Adoraram. Querem voltar".
Recordar é viver. E esta noite, passam hoje dez anos, ficou para a minha história.

Fotos João Dinis