Há 116 anos a revista "O Século Ilustrado" retratou assim o momento da colhida mortal do cavaleiro Fernando de Oliveira no Campo Pequeno |
No antigo (e desaparecido) Museu Taurino da praça do Campo Pequeno estava exposto (vitrine da esquerda) a casaca que Fernando de Oliveira vestia na tarde da sua morte |
Homenagem da empresa do Campo Pequeno no ano das comemorações do 125º aniversário da inauguração da praça |
Na tarde de 12 de Maio de 1904, cumpriram-se ontem 116 anos, foi mortalmente colhido o cavaleiro Fernando de Oliveira na praça do Campo Pequeno, o primeiro toureiro a perder a vida na arena da praça de toiros de Lisboa, que fora inaugurada doze anos antes
"Ferrador", um toiro da ganadaria do Marquês de Castelo Melhor, atingiu o cavalo de Fernando de Oliveira, o "Azeitona", derrubando-o com estrépito. O cavaleiro, que tinha 45 anos e fora o primeiro a receber a alternativa na nova praça de toiros de Lisboa, em cuja corrida inaugural actuara a 18 de Agosto de 1892, bateu com a cabeça no solo, fracturando a base do crânio. A morte foi quase instantânea.
O jornalista Norberto de Araújo descreveu assim na revista "O Século Ilustrado" a trágica colhida mortal de Fernando Oliveira, primeiro toureiro a perder a vítima na arena da Monumental de Lisboa:
"Fernando de Oliveira, que recebera a farpa da mão do espanhol Currinche, um bandarilheiro castelhano e medíocre, passa pelo sector 1, onde os amigos, debruçados sobre as capas, azul uma, branca outra, de Manuel dos Santos e Tomás da Rocha, o aplaudem; sorri vagamente a Bombita Chico, depois o famoso Ricardo Bombita, que da trincheira, ao lado de Chicuelo, segue a jornada do cavalo; saúda com mal disfarçado respeito as Majestades que olham o redondel distraidamente - e toma à esquerda o lugar para a gaiola. O Ferrador endireitou ao vulto do capote de Teodoro e a gaiola falhou para o cavaleiro. (...)
"E que lindo vai agora o Azeitona, numa meia volta que Fernando de Oliveira remata com o seu brilhantismo peculiar! Mas o toiro é tardo e difícil. Fernando já saiu em falso duas vezes... É preciso apertar. Das barreiras, dos sectores de sombra e sombra-sol incitam-no. Há um pequeno silêncio no circo. Vai outra meia volta, e adivinha-se perigosa.
"O toiro está nos tércios, em frente do sector 6, sombra-sol, e Morenito, um espanhol de Bombita, atira-lhe o capote. O toiro coloca-se, ainda que apertado. Fernando dá então uma sacudidela ao cavalo, que larga, enquanto a voz possante do cavaleiro incita o bicho - que se volta a sorte. O cavaleiro, corajosamente, remata, mas remata consentindo, isto é, deixando o toiro entrar muito. Cravou o ferro. Há um frémito, agora... O toiro colhera o ginete pela anca e, na violência da pancada, o Azeitona tombou, desequilibrou-se, foi ao solo. Já grita a praça em peso, aos capotes. Correm os espanhóis, porque tudo fora num segundo, pouco mais que num segundo. O cavaleiro saíra pela cabeça do cavalo, e está agora debaixo da montada, aquela montada gentil e donairosa, esperança do cavaleiro para breve, e que o toiro carrega, numa fúria, numa violência.
"Por momentos está tudo de pé, nos sectores. Os capotes são inúteis; quase é preciso puxar o bicho, que alfim deixa a presa, já quando Fernando de Oliveira, sangrando da cabeça, com as abas da casaca vermelha voltadas sobre as costas - não dava acordo de si. O cavalo, sem governo, corre desordenadamente a praça. Todos os capotes estão agora em cena. Fernando é levado para a enfermaria. Pela praça vai um frio de morte".
Anos mais tarde, a 16 de Outubro de 1966, quase nas mesmas circunstâncias, perdeu também a vida no Campo Pequeno, no dia em que completava 21 anos, aquele que era um dos mais promissores cavaleiros da época: natural de Évora, chamava-se Joaquim José Correia e era anunciado nos cartéis como "Quim-Zé".
A 11 de Agosto de 1983, o cavaleiro José Francisco Varela Crujo , sofre impressionante queda também na arena lisboeta. Permanece quatro anos em coma vigil e acaba por morrer no dia de Natal de 1987.
Fotos D.R. e Frederico Henriques/Campo Pequeno