
Rui Fernandes abre o livro e conta finalmente tudo sobre o movimento, de que nega ser o líder, que está em curso e é formado, para já, por um grupo restrito de cavaleiros e bandarilheiros, mas que se alargará a todos porque, afirma, "todos são importantes e ninguém quer excluir ninguém". "Não nos tentem dividir, porque não vão conseguir fazê-lo", afirma categoricamente
A conversa começou na tarde de ontem, quando Rui Fernandes me ligou indignado com o facto de aqui ter publicado uma foto sua com uma espingarda na mão, foto essa que já fora publicada há uns anos e com a qual se pretendeu, sem qualquer outro objectivo - e muito menos qualquer sentido maldoso - retratar um momento em que, quer queiram quer não, os toureiros "estão em guerra". Não entre eles, mas em guerra por uma Festa melhor.
Entendi e interpretei o sentir de Rui Fernandes ("Não é o momento para se publicar uma foto dessas", opinou) e retirei, como podem verificar, essa foto, reconhecendo o que possa ter sido, na realidade, um erro num momento tão complicado como o que atravessamos e que poderia, sobretudo, ter más interpretações.
Posto isto, disse-me: "E mais logo falamos, que hoje dou-te uma entrevista e conto tudo para acabar de vez com as polémicas!".
Atrasei-me, estive numa reunião a tarde toda, que se prolongou mais do que imaginava e recebi entretanto uma mensagem do Rui: "Vou esperar até às 21h30 pelo teu telefonema e se não me ligares, dou a entrevista ao João Dinis".
Respondi à mensagem e expliquei que me atrasara, mas que já estava operacional e pronto para a entrevista. Daí a nada o Rui telefonou. Dera entretanto a entrevista ao "Touro e Ouro", mas se eu quisesse, frisou, dava-me também outra a mim. Claro que sim, era importante. E a conversa/entrevista aqui vai.
Começou por me dizer:
- Pergunta aquilo que entenderes. Quero esclarecer tudo e acabar de uma vez por todas com as más interpretações que têm sido feitas de todo este processo em que estamos, nós toureiros, envolvidos e que não tem outro objectivo que não seja o de encontrar caminhos, soluções e projectos para que regressemos todos em força e mais unidos quando as corridas se voltarem a realizar.
- Muito bem, então explica concretamente o que se está a passar. Há um grupo de cerca de vinte cavaleiros e três bandarilheiros que estão descontentes com algumas situações e se propõem melhorá-las, é isso?
- A primeira reunião, que foi na semana passada em minha casa, contou com a presença de catorze cavaleiros e três bandarilheiros. Mas para explicar tudo, tenho que voltar atrás e começar pelo princípio.
- Volta então atrás...
- Fez domingo passado quinze dias, estava a falar ao telefone com o meu amigo João Prates "Belmonte", que até foi meu bandarilheiro e, palavra para aqui, palavra para acolá, abordámos o facto de os toureiros não aparecerem nas televisões, nos jornais, de estarem completamente esquecidos nesta fase crítica que todos estamos a viver. E concordámos que alguma coisa tinha que ser feita. Deitei-me a pensar nisso e na manhã seguinte liguei ao João Moura Jr. e ao João Ribeiro Telles e decidimos fazer uma reunião entre o nosso grupo de amigos mais próximos para discutir ideias e ver o que podíamos fazer. E essa reunião aconteceu dias depois em minha casa. Estiveram presentes catorze cavaleiros e três bandarilheiros que decidimos entre nós convidar para esse primeiro encontro, o João "Belmonte", o Duarte Alegrete e, por sugestão deles, o Diogo Malafaia. Os cavaleiros presente foram, por ordem de antiguidade, eu, Ana Batista, Gilberto Filipe, Filipe Gonçalves, Moura Caetano, Manuel Telles Bastos, Moura Júnior, Marcos Bastinhas, João Telles, Duarte Pinto, Francisco Palha, Miguel Moura, Salgueiro da Costa e Rouxinol Júnior.
- Porquê só estes?
- Porque somos todos mais chegados, mais próximos, porque por algum lado tínhamos que começar. Decidimos ser só nós nesta primeira reunião e, se corresse bem, na seguinte chamaríamos os quatro cavaleiros veteranos no activo, João Moura, António Telles, Rui Salvador e Luis Rouxinol. Também achámos que não devíamos ter na primeira reunião ninguém da Associação de Toureiros, para falarmos o que tínhamos que falar mais à vontade e numa segunda fase então alargar o grupo e contar obviamente com a presença de membros da Direcção da Associação.
- Diz-se que os cavaleiros veteranos ficaram ofendidos por ter sido excluídos desse primeiro encontro...
- Ficaram sim, mas não era nossa intenção que a ausência deles significasse qualquer tipo de exclusão. Não era o caso. Tínhamos que começar por algum lado e por isso reunimos primeiro entre nós. Mas mal soube que tinham ficado ofendidos, telefonei de imediato ao João Moura, que entendeu as minhas explicações, ao António Telles, que de início não entendeu muito bem, ao Rui Salvador, que não entendeu mesmo e ao Luis Rouxinol, que entendeu. Na reunião seguinte, que foi a da última segunda-feira, já estiveram presentes. O Rui Salvador, que é vice-presidente da Associação de Toureiros, disse-me que não fazia sentido estar ele e não estar o Nuno Pardal, que é o presidente. E veio. E ainda nos sugeriram que também viessem o Emídio Pinto, que é presidente da Assembleia-Geral e o João Telles (pai), que foi presidente da associação. Tudo bem, aceitámos e eles estiveram presentes também nesta segunda reunião que, como sabes, decorreu no picadeiro do Gilberto Filipe, na Atalaia.
- Que foi uma reunião prolongada e algo agitada, ao contrário do que no dia seguinte me contaste...
- Foi, continuo a dizer, uma reunião muito positiva. Houve, na verdade, alguma agitação, mas penso que essas coisas num momento destes não deveriam vir a público, porque são contraproducentes. Bom, mas todos falaram o que tinham a falar, discutiram-se ideias, projectos e delinearam-se medidas para tentar melhorar tudo. Quem tinha dúvidas tirou-as, quem tinha a dizer isto ou aquilo disse-o. O que eu quero esclarecer é que ninguém está contra ninguém. Não tenho nada contra o Nuno Pardal e penso que também ninguém tem. Há coisas com que uns não concordam e que todos podemos melhorar e esse é o caminho que temos que levar. Até te digo mais, uma das medidas que considerámos que deviam ser tomadas é a realização de pelo menos dez reuniões destas por ano. Porque fazem falta, porque é importante que estejamos juntos várias vezes e vejamos a cara uns aos outros, e dessas reuniões e desses debates possamos sair todos mais reforçados, mais esclarecidos e com mais ideias.
- Sabes que há muitos toureiros, nomeadamente todos os outros cavaleiros e também os matadores e novilheiros, que se sentiram marginalizados por não terem sido convocados e a ideia que ficou foi a de que este vosso grupo, de primeiras figuras, está a querer mandar e a colocar os outros à margem...
- Primeiro, ninguém quer mandar em ninguém e eu não sou nenhum líder deste grupo, somos todos e estamos todos a trabalhar para todos, sem excluir ninguém. Essa é a primeira. Não há aqui nenhuma "Liga de Campeões", nem ninguém quer ser mais que ninguém. Não é verdade que na reunião alguém tenha dito que "os outros não contavam para o campeonato"...
- Disseram-me que sim, que isso foi lá dito...
- Informaram-te mal, Miguel. Ninguém disse isso e ninguém diria isso.
- Mas então porque razão não foram convocados os outros cavaleiros e os matadores?
- Já expliquei que tínhamos que começar por algum lado. Começámos em minha casa com o nosso grupo de amigos mais próximos, aqueles que estão mais chegados. Depois vieram os cavaleiros veteranos na segunda reunião e nas próximas virão todos, concerteza que sim. Ninguém ficará excluído, todos são importantes. Para te falar de um apenas, achas que podemos esquecer o Nuno Casquinha (matador), com todos os sacrifícios por que tem passado no Peru? Falei só do Nuno para te dar um exemplo. E para explicar que todos são importantes e que aqui não se pretende excluir ninguém. O trabalho que estamos a tentar fazer é em prol da Festa e em prol de todos os toureiros, por isso tenham calma, hão-de vir todos às reuniões. Não há toureiros de primeira e toureiros de segunda...
- ... mas não alvitratam criar a tal história dos grupos, toureiros do Grupo A, toureiros do Grupo B?
- Não, de maneira nenhuma, isso nunca foi abordado. Um dos pontos por que nos debatemos foi o da criação de tabelas respeitantes aos honorários de cavaleiros, de matadores, de bandarilheiros, que é coisa que não existe e que é importante que se estabeleça. Quanto a isso dos grupos A e B, não é verdade. Não há toureiros de primeira e de segunda, repito, todos são importantes e vamos contar com todos. Mas, volto a insistir, as coisas têm que ter um princípio, têm que começar por algum lado. E depois certamente que serão alargadas e vamos convocar todos os toureiros.
- ... já na próxima reunião de segunda-feira?
- Ainda não, aí ainda vamos debater as medidas que apresentámos à Direcção da Associação de Toureiros. Isto é um trabalho que vai ser feito nas próximas semanas para que todos saiam reforçados mal comecem de novo as corridas. E é importante que se diga que estamos todos unidos. Li que havia toureiros descontentes e que se sentiram marginalizados, mas a realidade é que não houve um único que me tivesse telefonado a dizer isso, a mim ou a qualquer outros dos toureiros que estiveram nestas duas primeiras reuniões.
- Vão então abrir o leque e convocar mais toureiros em próximas reuniões?
- Claro que sim! Todos unidos vamos conseguir chegar a bom porto. O que se está a fazer é para o bem de todos. Volto a falar do Nuno Pardal. É muito fácil apontar o dedo, criticá-lo, há uns que gostam de umas coisas e outros que não gostam. Isso é normal, as pessoas não gostam todas das mesma coisa, nem todas concordam com o mesmo. Daí a necessidade de debatermos ideias, de trocarmos impressões, de delinearmos caminhos que sejam os ideais para todos nós, sem excepção. Mas ninguém está contra o Nuno Pardal, nem este grupo é um movimento de revoltosos com o objectivo de o destituir. Há, por exemplo, muita coisa com que não concordamos com a PróToiro, mas é do diálogo que nascem as ideias e se desfazem dúvidas. Temos que estar todos do mesmo lado e todos a remar para o mesmo lado. É fundamental contarmos uns com os outros, contarmos com todos. E volto a dizer: com todos os toureiros, independentemente de que toureiem mais ou menos. Vamos, inclusivamente, convocar toureiros já retirados para próximas reuniões. Queremos que tudo seja transparente e claro como a água.
- É importante, por exemplo, que haja diálogo com os jornalistas, que as coisas não sejam "secretas", como é quase tudo o que faz a PróToiro...
- Claro que sim. E depois das próximas reuniões vamos ter o cuidado de informar os orgãos de comunicação social de tudo o que se passou, para evitar que depois se publiquem coisas erradas. E vamos ter que contar com todos e estar de mãos dadas com todos. Não só com o 'Farpas' e com o 'Touro e Ouro', mas também com o João Cortesão ('Sortes de Gaiola'), com o 'Tauronews', com todos sem excepção. E numas próximas reuniões seria importante que vocês, jornalistas, também estivessem presentes, para contarem o que se passou. Para que não haja depois versões erradas. Por exemplo, informou-te mal quem te disse que não cumprimos as regras de segurança, o distanciamento social e tudo o mais. Na primeira reunião em minha casa havia máscaras para todos, gel desinfectante, luvas. E na segunda, na passada segunda-feira, também, e eu próprio levei uma viseira que ofereci ao João Moura. Tenho duas filhas em casa, uma com sete meses, achas que não ia ter todos os cuidados? Não somos gaiatos pequenos. Mas digo-te mais: mesmo que isso fosse verdade, mesmo que alguns não tivessem respeitado as normas de segurança, achas que devias ter escrito isso, achas que num momento destes se devem dizer essas coisas?...
- ... estás-me a garantir que todos cumpriram rigorosamente as normas de segurança impostas pelas autoridades sanitárias, conheço-te há muitos anos e acredito em ti. Mas não foi o que ouvi de outras pessoas com quem falei e se não fosse como me dizes que foi, e volto a dizer, acredito em ti, não achas que era grave?
- Acho que isso não deveria ser escrito... às vezes penso que és anti-taurino...
- Anti-Taurino? Acho que não. Pelo menos por enquanto. Estamos então a falar de censura? Achas que te devo telefonar antes de escrever o que quer que seja?
- De modo algum eu iria interferir na tua actividade jornalística, Deus me livre. Posso ter sido mal interpretado, mas o que quis dizer foi que numa altura destas acho que é preciso também vocês terem algum cuidado com o que escrevem.
- Adiante...
- O que quero dizer é que num momento destes não podemos dar armas aos outros. Existem muitos perigos que nos espreitam e temos que dar uma imagem digna dos toureiros. Mais que nunca, temos que estar unidos em prol de um futuro melhor. Pode haver discordâncias com isto e com aquilo, mas então que trabalhemos todos juntos para que haja melhoramentos. E volto a frisar que não sou o líder deste grupo ou deste movimento. Não há um cabecilha, somos todos cabecilhas. E não tentem dividir-nos, não tentem pôr-nos uns contra os outros, porque somos superiores e não vamos permitir que isso aconteça.
- Muito bem, Rui, estou esclarecido, pelos menos dos objectivos que vos norteiam, penso que os leitores também e todos os teus companheiros de arena o ficarão também depois desta entrevista, que realmente fazia falta, já deveria ter sido feita há mais tempo e teria evitado suposições e suspeições que terão sido desnecessárias.
- Concerteza que sim, espero que tenha esclarecido as dúvidas que existiam. Não se trata de um movimento de uns contra os outros. Começámos com um grupo de catorze, que já foi alargado na segunda reunião e que será ainda mais nas próximas. O objectivo é o bem de todos, melhorar o que possa não estar tão bem e conseguir que regressemos todos mais reforçados e mais unidos assim que a actividade seja retomada.
Fotos D.R.