domingo, 29 de dezembro de 2024

2024: o "ano horrível" de Ricardo Levesinho

Ricardo Levesinho - o princípio do fim? Oxalá que não! Faz falta!

Miguel Alvarenga - No que aos nossos empresários diz respeito, a temporada de 2024 não deixa as maiores saudades. Exceptuando raríssimos casos, de que falarei adiante, continua a ser altamente preocupante a falta de imaginação evidenciada pela maioria deles, montando e remontando sempre os mesmos elencos, aparentemente sem a mínima preocupação de assegurar um futuro (que não existirá sem o interesse do público e cada vez esse interesse é menor face aos cartéis mais do mesmo) para a tauromaquia e para eles próprios.

Bem sabemos que não existem hoje ídolos no toureio, nem toureiros com força de bilheteira para levar público às praças, o que dificulta ainda mais o já de si difícil labor dos empresários. Não é fácil montar cartéis e levar público às praças. Nos últimos anos, as corridas a cavalo andam à volta de uma dúzia de cavaleiros que são sempre os mesmos. Hoje toureia o a, o b e o c, amanhã toureia o b, o c e o d, depois o f, o a e o b, é sempre a mesma coisa. Cansa. E com essa permanente repetição, as pessoas fartam-se, não vão às praças e ainda para mais nenhum deles tem força para arrastar público. 

Vai-se hoje aos toiros apenas por ir. Sem o entusiasmo de outros tempos. Sem o interesse com que se ia ver um João Moura nos seus anos de ouro. Um Pedrito nas suas épocas de glória. 

A empresa Toiros com Arte foi a que mais festejos taurinos promoveu - 20, segundo os dados estatísticos divulgados pela Direcção-Geral das Actividades Culturais. Numa parceria em algumas praças (não em todas) com a Ovação e Palmas de Luis Miguel Pombeiro, a dupla Jorge Dias/Samuel Silva evidenciou alguma inexperiência, mas muita vontade. E, sobretudo, seriedade. Cometeu erros crassos, resultado, como o próprio Samuel reconheceu numa recente entrevista ao "Farpas", de terem sido decisões tomadas "com a cabeça quente"

Por exemplo: imaginar e acreditar que encheriam a Monumental do Montijo na (sempre fraca) corrida de Maio só porque iam sortear entre os espectadores um Fiat 500, independentemente do cartel que seria apresentado, demonstrou alguma inexperiência por parte dos jovens empresários. E é estranho que ninguém os tenha aconselhado...

Em Coruche e no Montijo, os resultados ficaram muito longe daqueles que se previam - e se desejavam. Na Chamusca, deram duas corridas na Ascensão, uma teve público, a outra não. Há que repensar as estratégias e, acima de tudo, os cartéis que mais interessam aos públicos dessas duas localidades. Samuel já afirmou que terão "maior precaução" em 2025 - e é mesmo preciso que isso aconteça.

Para já, não se sabe ainda se continua a parceria da Toiros com Arte com a Ovação e Palmas - ou se cada uma das empresas seguirá o seu caminho. Vamos aguardar pelas novidades que Pombeiro diz ter para anunciar depois de 15 de Janeiro.

Luis Miguel Pombeiro continua a ser o exemplo daquilo que é um empresário taurino à maneira antiga. Conhece, como ninguém, as preferências dos aficionados em cada uma das praças que gere, tem imaginação e tem experiência - mas nem sempre lhe reconhecem e lhe aplaudem o seu valor.

Se não fosse ele a dar o passo em frente nos tempos da pandemia, quando todos os empresários tinham dado passos atrás, ainda hoje estaríamos à espera de assistir à primeira tourada. Foi ele também que esteve uma (ou duas) noite sem dormir para elaborar as novas regras de restrição nas praças de toiros durante os anos do covid. A ele ficamos a dever a tauromaquia ter continuado num tempo em que muita coisa parou. Mas as pessoas, às vezes, esquecem-se disso.

No ano passado, mesmo sem cartéis "do outro mundo", Pombeiro logrou devolver o glamour e a categoria de outras eras ao Campo Pequeno, enchendo a praça em três corridas e esgotando na última com uma semana de antecedência. Nas outras praças em que está ao leme, houve enchentes e boas corridas.

Rui Bento, por seu turno, foi muito justamente referenciado nesta temporada como "o empresário das praças cheias" - pelos sucessos verificados nas duas corridas em Almeirim (com a primeira esgotada e a segunda cheia) e das três na Nazaré (todas com casa cheia). No próximo ano, junta a estas duas a praça da Figueira da Foz, a que regressa em força.

Importante voltou a ser a temporada promovida pela Associação "Sector 9" em Santarém - que saíu galardoada na Gala da Tauromaquia com o prémio da Melhor Empresa. Foram levadas a cabo três grandes corridas, tendo esgotado a terceira, no Dia de Portugal, onde toureou Roca Rey. Formada por jovens aficionados locais, quase todos antigos forcados, esta associação (já com uma segunda formação, antes chamava-se Praça Maior) não agarrou numa praça em alta, antes pelo contrário, foi gerir uma praça que estava pelas ruas da amargura e logrou levantá-la, tornando-a, actualmente, a mais importante do país. É obra o que eles fizeram!

Nota alta, um ano mais, para António Alfacinha e Carlos Ferreira pela temporada em Évora, com boas casas na maioria dos espectáculos, onde ponderou a seriedade dos toiros lidados e a variedade dos cartéis.

Com o destaque habitual, sobretudo na praça de Alcochete, voltaram a estar em alta os jovens empresários Margarida e António José Cardoso (Toiros & Tauromaquia), faltando agora saber se continuam ou não em Reguengos de Monsaraz, onde tarda a conhecer-se a decisão da Santa Casa depois de um (estranho) concurso a quer concorreram várias empresas e para o qual se formou à pressa uma associação de antigos forcados para também se candidatar, chegando mesmo a prolongar-se por mais uns dias o prazo para entrega de propostas... Gerem também a praça de Estrermoz em parceria com a Tertúlia Tauromáquica local, mas neste momento existe uma acção em tribunal interposta por outra instituição estremocense que reclama o direito de gerir a praça, pelo que não se sabe sequer se haverá ali corridas no próximo ano. Coisas à portuguesa...

José Luis Zambujeira e João Anão (empresa Tertúlia Óbvia), que geriam o Coliseu Figueirense, desaparecem de cena ou, pelo menos, de palcos importantes, podendo manter a organização de alguns festejos em praças de menor importância no Alentejo. São dois bons empresários, com obra feita - e que merecem continuar. 

Luis Pires dos Santos foi outro empresário em alta nesta temporada, destacando-se não apenas pela promoção de corridas a norte, sobretudo na zona raiana, mas também no Coliseu de Elvas e em Salvaterra de Magos, mantendo nesta última a parceria de sucesso com a comissão de aficionados nomeada pela Santa Casa para gerir a centenária praça ribatejana.

José Maria Charraz foi, um ano mais, o garante de boas corridas e praças cheias em duas importantes praças alentejanas, as de Beja e de Moura, mas também com excelentes corridas promovidas em Garvão e em Cuba. Foi um dos candidatos à adjudicação da praça de Reguengos e diz-se que pode vir a ter no próximo ano uma importância mais alargada no plano empresarial taurino. Aguarde-se.

Com menos corridas organizadas, mas sem que isso signifique menor importância ou menos eficiência, pelo contrário, conseguiram sucessos de praça cheia nas suas promoções, voltaram a estar em foco empresários como José Luis Gomes (Sobral de Monte Agraço), Paulo Vacas de Carvalho (Montemor-o-Novo), Rui Palma (Messejana), Américo Rolo (Alter do Chão), João Pedro Bolota (Tomar), a Associação Tauromáquica Redondense (Coliseu do Redondo) e Nuno Leão (São Manços), entre outros.

Realce, também - e bem merecido - para o desempenho da Tertúlia Tauromáquica Terceirense na organização da sempre apreciada Feira de São João em Angra de Heroísmo.

Deixei Ricardo Levesinho (Tauroleve) para o fim - porque ele protagonizou, infelizmente pela negativa, o caso do ano. 

Empresário sério, dinâmico e muito à frente dos outros, como diversas vezes referi, Ricardo Levesinho estava nestas andanças há quase vinte anos. Perdeu fôlego no último ano e debateu-se com graves problemas financeiros, que acabaram por reflectir-se negativamente nas suas organizações desta temporada. 

Em Outubro, com a história do cancelamento da corrida mista da Feira Taurina na "Palha Blanco", porque faltavam toiros sobreros para as lides a pé e os matadores se recusaram a entrar em cena com a possibilidade de terem que enfrentar toiros sobressalentes das lides a cavalo, Levesinho amuou, encheu a praça dois dias depois (na nocturna de terça-feira), assim como a enchera na véspera (com o fantástico mano-a-mano de Marco Pérez e Tomás Bastos), mas, apesar desses êxitos, a seguir comunicou à Santa Casa que ia embora e que não queria beneficiar do direito de opção que, por contrato, o poderia ainda manter mais uma temporada ao leme da sua "Palha Blanco".

O novo empresário, a quem a praça foi entregue pela Santa Casa, é um antigo forcado dos Amadores de Vila Franca - e o seu reinado é aguardado com justificada expectativa.

Ricardo Levesinho continuará, segundo ele próprio informou, a gerir a praça da Moita - mas vai fazer falta em Vila Franca. Foi o seu ano horrível. Mas ele foi, e é, e voltará a ser, se Deus quiser, um dos mais importantes e empreendedores empresários taurinos deste país. Não pode ir embora por um amuo. Muitos menos por um sobrero...

Fotos M. Alvarenga

Pombeiro: já se esqueceram que lhe devemos a tauromaquia
ter continuado de pé apesar da pandemia?
Jorge Dias e Samuel Silva (Toiros com Arte) foram os empresários
que mais festejos promoveram este ano - 20. Vão continuar a ser
parceiros de Pombeiro? Essa é a incógnita...
Rui Bento foi este ano "o empresário das praças cheias"