segunda-feira, 23 de dezembro de 2024

Na morte de José Tinoca, toureiro de um tempo antigo

Miguel Alvarenga - Daquele tempo em que, ainda miúdo (teria uns 11, 12 anos) me apresentei no escritório de Manuel dos Santos na praça do Campo Pequeno (encontro que tinha sido marcado e tratado por meu Pai, amigo do antigo matador e então empresário da nossa primeira praça) com o sonho de um dia escrever de toiros, daquele tempo, dizia, um dos que restavam era o José Tinoca. Vive ainda, graças a Deus, José Cardal. Mas já cá não estão Manuel dos Santos, Manolo Escudero, Américo Pena, José Agostinho dos Santos, Alfredo Ovelha, Ricardo Chibanga e poucos mais dessa época que para mim foi a primeira.

O Maestro José Tinoca conhecia-me "desde miúdo", como sempre recordava quando nos encontrávamos. A última vez foi em Maio do ano passado na Chamusca, por ocasião da tradicional corrida de quinta-feira da Ascensão. Fez-me uma festa enorme. E eu a ele. É desse momento a foto que publico em cima. "E lembras-te disto, e lembras-te daquilo, e o nosso querido Manolo, e que é feito do Vitor Escudero e que bons tempos aqueles". Foi mesmo uma festa. Não o voltei a ver. E esta manhã telefonou-me o Jaime Amante a dar a triste notícia. Mais triste ainda por acontecer nesta época que todos festejam com aparente alegria, mesmo que num registo meio hipócrita.

Com a morte de José Dias Tinoca (nascido a 16 de Novembro de 1931 em Reguengos do Alviela) fecha-se um ciclo e encerra-se um dos mais importantes capítulos, pelo menos em recordações, daquela que foi a época-maior do toureio a pé e dos grandes bandarilheiros.

Pertenceu, com Manuel Cipriano "Badajoz" e Manuel Barreto, à célebre Quadrilha Maravilha de Manuel dos Santos, a quem um dia salvou a vida no México, colocando-se entre os cornos de um toiros e o corpo do seu matador e levando ele uma cornada.

José Tinoca frequentou na Golegã a histórica escola de toureio de Mestre Patrício Cecílio e no ano de 1952 chegou a actuar como novilheiro num festejo em Almeirim, apresentando-se também, com sucesso, em outras praças. Mas depois optou pela carreira de bandarilheiro e a 15 de Maio de 1955 tomou a alternativa na desaparecida praça de Algés, apadrinhado por Sebastião Saraiva.

Depois de Manuel dos Santos se ter retirado, foi um dos grandes pilares da carreira do saudoso Ricardo Chibanga e na fase final da sua carreira integrou a quadrilha do cavaleiro Rui Salvador, juntamente com Manuel Barreto.

Ao longo da sua gloriosa carreira fez parte das quadrilhas de grandes figuras do toureio, entre as quais Francisco Mendes, José Júlio, Manuel dos Santos e Ricardo Chibanga, tendo também integrado ocasionalmente, nas suas vindas ao nosso país, as quadrilhas de gloriosas figuras do toureio espanhol, como António Ordoñez, "Chicuelo II", Miguel Báez "Litri" (pai e filho), Paco Camino e seu filho Francisco Camino, Francisco Rivera "Paquirri", Diego Puerta, Paco Ojeda, irmãos "Esplá", Andrés Vásquez, "Niño de la Capea", Ruiz Miguel e outros.

Chegou a ser apoderado de toureiros, como Rui Salvador e Chibanga. E retirou-se das arenas em 11 de Outubro de 1992 juntamente com Manuel Badajoz, passando então a ser director de corridas, missão que desempenhou durante alguns anos com grande seriedade e rigor.

Toureiro de um tempo antigo, foi um homem simples, anti-vedetismos, tinha a grandeza dos eleitos - e fica na História como um dos maiores toureiros deste país. 

A Câmara Municipal da Golegã homenageou José Tinoca em Setembro de 2021 dando o seu nome a uma rua da vila, exactamente no mesmo dia em que foi inaugurado o busto de Ricardo Chibanga.

Manuel Jorge Diez dos Santos, filho do saudoso Manuel dos Santos, recorda José Tinoca com estas palavras publicadas há momentos na sua página da rede social "Facebook":

"Deixou-nos hoje José Tinoca, um dos melhores bandarilheiros portugueses de sempre, um óptimo aficionado e um grande homem. Mas sobretudo sinto a perda de um extraordinário amigo, daqueles que é raro encontrar na vida. Já tinha sido, além do seu peão de brega de confiança, um grande amigo do meu pai e continuou a sê-lo, tanto meu como de toda a minha família. Sentiremos muito a sua falta mas esperamos que já se encontre, em paz, num lugar melhor".

Não são ainda conhecidos pormenores das cerimónias fúnebres, que se deverão realizar na Golegã.

A sua Família enlutada, em particular a sua Mulher e sua Filha, endereçamos as mais sentidas condolências.

Que em paz descanse.

Fotos Emílio de Jesus /Arquivo, M. Alvarenga, Maria Mil-Homens e Fernando Clemente

Duas glórias dos bandarilheiros: José Tinoca e Manuel Badajoz
Em Maio do ano passado na Chamusca com o matador Nuno
Casquinha

Tinoca ladeado por Manuel Jacinto e Ricardo Chibanga
Em Outubro de 2019 no Museu Taurino do Campo Pequeno, com
João Cortes e José Maldonado Cortes, num acto comemorativo do
50º aniversário das corridas de toiros em Jacarta, na Indonésia,
onde os três participaram
Em 2019 numa tenta na ganadaria de Manuel Veiga, com 
Morante de la Puebla e Ricardo Chibanga
Manuel dos Santos, Ricardo Chilanga e José Tinoca
Tinoca, Badajoz e Barreto - a Quadrilha Maravilha
Cartaz da corrida da despedida de Manuel 
Badajoz e José Tinoca em 1992 em Santarém
Recortes da secção de tauromaquia do jornal "A Capital", da
responsabilidade do saudoso José António Lázaro, sobre a
corrida da despedida de Badajoz e Tinoca em Santarém