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| Morante na noite mágica de Julho na Nazaré |
Miguel Alvarenga - Tem pouca história (e quase toda ela é estrangeira...) a presença do toureio a pé nos cartéis desta temporada. O ano ficou marcado por Morante de la Puebla na Nazaré, Borja Jiménez em Almeirim, Manzanares em Santarém, Ismael Martín na Ilha Terceira e Roca Rey em Lisboa.
Pela parte portuguesa, manteve-se o matador Manuel Dias Gomes na ribalta e voltou o promissor novilheiro Tomás Bastos a aquecer o entusiasmo dos aficionados. Pouco mais.
Nos tempos em que a tauromaquia tinha um imenso esplendor e fazia parte dos costumes e das tradições da sociedade portuguesa, raras eram as corridas em que não entravam matadores de toiros. No Campo Pequeno, por exemplo (anos 60 e 70), só a corrida (de gala à antiga portuguesa) a favor da Liga Contra o Cancro era de seis cavaleiros. Todas as outras (e chegavam a ser 22 por ano) eram mistas e de oito toiros, com dois cavaleiros e dois matadores, vinham as grandes figuras do toureio mundial e ombreavam com as maiores estrelas de Portugal (que eram várias).
O boom do toureio a cavalo nos finais dos anos 70, provocado pelo aparecimento de um novo ídolo-cavaleiro, João Moura, a par de alguns desgaste que já começava a sentir-se nos matadores da época, praticamente todos já em fase final de carreira, sem que se registasse o aparecimento de novas estrelas (Vitor Mendes chegaria em força na década de 80 e, depois, Pedrito criava furor nos anos 90), acabou por provocar uma queda dos "a pé" em tempo de ascensão vertiginosa dos de "a cavalo".
Vitor Mendes foi a figura que se seguiu ao fim de uma época de matadores-figuras marcada pela morte de José Falcão em Barcelona (1974), mas teve sempre uma força e um cartel maior em Espanha e em França do que no seu país.
Pelo meio apareceram António de Portugal e Parreiritra Cigano, a prometer muito enquanto novilheiros, e mais alguns, mas sem que algum atingisse o relevo e o carisma que tinham todos os antigos - de que recordo, depois da época de ouro de Diamantino Vizeu e Manuel dos Santos e das curtas carreiras de Augusto Gomes Júnior e Francisco Mendes, nomes como os de António dos Santos, José Júlio, José Trincheira, José Simões, Armando Soares, Amadeu dos Anjos, Fernando dos Santos, José Falcão, Óscar Romano, Mário Coelho, Júlio Gomes, José Manuel Pinto e Ricardo Chibanga.
Pedrito de Portugal foi, nos anos 90, a nova esperança para fazer ressurgir o toureio a pé. Chamou público, esgotou praças, esteve uns tempos na moda, mas foi sobretudo enquanto novilheiro que a sua auréola brilhou. Teve tudo na mão para revolucionar o panorama do toureio a pé, mas deixou ficar um futuro brilhante pelo caminho, passou ao lado de uma grande carreira. Depois de alguns ameaços de regresso, voltou este ano a tourear uma corrida nas Caldas da Rainha, beneficiando de o fazer numa das datas mais tradicionais da temporada (15 de Agosto), esgotando a praça, mas deixando que tudo ficasse na mesma. Não teve o impacto que se desejava.
Depois do boom de Pedrito nos anos 90, entrámos no novo século e o toureio a pé continuou "em banho maria", sem um nome que arrastasse gente às praças - ao contrário do que ia acontecendo no toureio a cavalo, onde todos os dias iam aparecendo novos candidatos a um lugar de destaque.
Este ano, foram poucos (ou quase nenhuns) os matadores em actividade. O clássico e muito artista Manuel Dias Gomes (na foto de cima, na corrida de Julho na Nazaré com Morante) foi o que mais toureou e aquele que mais continua a cativar o público - pela sua arte, pelo seu aplaudido temple.
Diogo Peseiro, o novo matador, esteve em Almeirim (fotos de cima) a competir com Borja Jiménez frente a toiros dignos de Madrid da ganadaria Santa Maria. Foi aos Açores, à Ilha Graciosa, enfrentar toiros-toiros com cinco anos e triunfou em Abiul também com uma corrida séria de Varela Crujo. É toureiro para triunfar e ir em frente - assim haja visão empresarial por parte de quem gere as nossas praças.
Os outros estiveram parados (ou quase). António João Ferreira toureou um único festejo em França; Joaquim Ribeiro "Cuqui" (foto de cima) toureou na sua praça da Moita uma única vez e fora de feira, numa corrida "mal amanhada" e mal promovida, de (triste) comemoração dos 75 anos da praça...
Nuno Casquinha pisou a arena da sua praça de Vila Franca... mas apenas nas cortesias e como sobressalente do francês Sebastián Castella (foto de cima)...
E no final da temporada, depois de uma passagem sem grande glória pela Copa Chenel em Espanha e de uma presença triunfal numa corrida na sua terra (Monforte), o promissor "Juanito" (foto de cima) anunciou que se ia embora. Oxalá seja só um afastamento temporário.
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| Foto D.R. |
E tirando Manuel Dias Gomes e Diogo Peseiro, o nosso toureio a pé resumiu-se à raça e à força do promissor novilheiro Tomás Bastos (primeira foto de cima) - com presenças notáveis na Chamusca, em Abiul, em Vila Franca e na Moita e em particular em Espanha, onde somou importantes triunfos, deixando grande ambiente para a alternativa no próximo ano - e à aficion de Rui Bento e de João Queiroz (director da revista "Novo Burladero") com o regresso da novilhada da "Orelha de Ouro" na Nazaré, de que esta temporada saíu triunfador João Fernandes (da Escola da Moita, segunda foto de cima).
Gonçalo Alves, outro novilheiro que muito prometeu, não deu em 2025 o passo em frente que se esperava e que se impunha. Vai ainda a tempo, mas o tempo corre e o comboio não passa duas vezes...
João D'Alva continuou dando passos em frente em Espanha e acaba de anunciar que tomará a alternativa de matador de toiros em 2026. Também do lado de lá da fronteira e por cá, outros jovens se notabilizaram e continuam a ser promessas levadas muito a sério: entre outros, João Mexia, Vicente Sánchez e António Grilo "Toninho", assim como o novo "Chibanga" da Escola da Moita, Eduardo de seu primeiro nome. Ainda a dar os primeiros passos, mas já a dar que falar, revelou-se este ano em Espanha o jovem João "Belmonte", aluno da Escola de Badajoz, filho do antigo novilheiro e consagrado bandarilheiro do mesmo nome.
Com a quase nula actividade da maioria dos nossos matadores, excepção, como já acima se referiu, de Dias Gomes e Peseiro, a temporada ficou sobretudo marcada pelos triunfos dos matadores espanhóis que por cá tourearam.
Morante de la Puebla (na foto de cima com Rui Bento na Nazaré em Julho, na corrida que muitos referenciam ainda como "a do século"!) viveu essa noite de sonho (e praça esgotada) com toiros sérios da ganadaria Ribeiro Telles. Foi depois distinguido, com todo o mérito, com os prémios do júri e do público na Gala da Tauromaquia. Foi o momento mais alto do ano no que ao toureio a pé diz respeito. E um dos mais espectaculares e marcantes dos últimos anos.
No final de Abril, já Borja Jiménez (fotos de cima) deixara o perfume da sua arte e do seu valor na arena de Almeirim (alternando com o nosso novo matador Diogo Peseiro), com toiros de verdade, dignos de Madrid, da ganadaria Santa Maria.
Foi pena nenhuma outra empresa, além desta (Rui Bento), ter aproveitado a embalagem desta triunfo e ter repetido a nova estrela do toureio espanhol em qualquer outra praça. Mas, infelizmente, hoje em dia a aficion e a cultura taurina dos nossos empresários, quase todos antigos forcados, é pouca ou mesmo nenhuma...
Lembro-me, por exemplo, os triunfos de "Paquirri" e de Dámaso González nos anos 60 e ainda no início dos 70 em Lisboa e das vezes que o grande Manuel dos Santos os repetiu depois, nesta e noutras praças, fazendo deles ídolos da nossa aficion. Os tempos mudaram. Os empresários-forcados de hoje não têm, nem de perto, nem de longe, a visão que tinham os empresários-vedetas desses tempos de glória...
Depois de Borja Jiménez e Peseiro em Almeirim, veio Manzanares a Santarém (fotos de cima). Sózinho, sem competidor, sem esgotar a Monumental (como Roca Rey a esgotara um ano antes), mesmo assim provocando algum interesse e entusiasmo e registando uma belíssima entrada de público. Trouxe dois toiritos da ganadaria espanhola de Álvaro Nuñez, deu um ar da sua graça, mas a pouca presença e pouca seriedade dos oponentes retirou brilhantismo a esta sua tarde em Santarém. É pena, continua a ser pena, que as figuras de Espanha, na maioria das vezes, tragam "debaixo do braço" toirinhos de brincar...
Aconteceu depois o mesmo (pior) em Julho em Vila Franca, por alturas do Colete Encarnado, onde se anunciou com pompa e circunstância o regresso de "um toureiro querido na terra", o francês Sebastián Castella. Com dois toiritos inofensivos de Varela Crujo, passou Castella pela "Palha Blanco" sem pena nem glória. Teve boa vontade, mas...
Ainda em Julho, mas na Ilha Terceira, onde a Festa tem um sabor especial, revelou-se Ismael Martín (foto de cima), nova estrela do toureio espanhol, de Salamanca, um matador todo-o-terreno que brilha com o capote, as bandarilhas e a muleta, que conquistou e galvanizou o público açoreano e que reúne todas as condições e mais algumas para "virar isto do avesso" se nela apostarem os empresários.
Pô-lo a competir com o nosso Peseiro era uma mais valia para qualquer praça, para qualquer feira. Mas é a mesma conversa de há pouco: não temos quase nenhuns empresários com visão e sensibilidade para "dar esta volta". Ismael enfrentou dois bons exemplares das ganadarias locais de Rego Botelho e Albino Fernandes - e volta em Julho do próximo ano à Corrida do Ramo Grande na Ilha Terceira. E por cá, pelo continente, alguém vai apostar na diferença?...
A terminar a temporada, era para ter vindo David de Miranda a Vila Franca, mas uma voltareta na véspera impossibilitou-o de estar presente e a nova empresa esqueceu-se de ter um plano b, não o substituindo. Caiu mal no público essa falta de capacidade para dar a volta ao filme. Mas, por outro lado, a empresa fica agora com a cartada de voltar a poder anunciar David de Miranda no próximo ano, ainda por cima ano de aniversário da praça, na "Palha Blanco". É neste momento um dos toureiros emergentes do outro lado da fronteira e um dos que mais interesse suscita.
No Campo Pequeno, a mini-temporada de quatro corridas terminou em grande em Setembro com a vinda do matador peruano Roca Rey (foto de arquivo em cima) - que esgotou a praça e entusiasmou quem o foi ver. Trouxe dois toiros espanhóis, um de García Jiménez e outro de Garcigrande, de apresentação q.b., deixando um grande ambiente e comprovando que até no Campo Pequeno o toureio a pé tem seguidores. Basta trazer vedetas, nomes que levem gente à praça. Dar corridas mistas em Lisboa, ou noutra praça, com elencos de menos interesse, é natural que não levem público às bancadas e acabem por ser um prejuízo e uma dor de cabeça para o empresário. Dá-las nos moldes em que este ano o fizeram, já é outra música!
Como se viu, não é o toureio a pé que dá prejuízo aos empresários. É, isso sim, a forma como se montam os cartéis com toureiros a pé. Roca Rey é Roca Rey. Foi ele quem esgotou o Campo Pequeno. Nos anos anteriores houve vários elencos em corridas com matadores. E o empresário Luis Miguel Pombeiro (há um ano, na apresentação dos cartéis lisboetas) justificou que não haveria matadores em 2024 no Campo Pequeno porque perdera sempre dinheiro nas corridas mistas e o público não acorria à praça quando se anunciavam toureiros a pé. Desta vez, o público esgotou a praça com antecedência para ver o matador Roca Rey.
Moral da história: a corrida mista pode ter futuro em Portugal. Basta para isso ter visão e sentimento para confeccionar os cartéis. E é isso, e só isso, que tem faltado aos nossos empresários.
Querem sugestões? Antes do mais, contratem figuras que estejam dispostas a enfrentar toiros de verdade (e não a trazer debaixo do braço toirinhos de corda), como esteve Morante na Nazaré, como esteve Borja Jiménez em Almeirim, como esteve Ismael Martín na Terceira.
Depois, apostem nos nossos matadores, ponham-nos a competir com as vedetas estrangeiras.
Há público para o toureio a pé. É necessário e urgente que haja visão, sentimento, aficion e rigor dos empresários para montar boas corridas de toureio a pé.
Não é assim tão difícil como dizem...
Fotos M. Alvarenga e Fernando José
































