Tito Semedo com sua noiva, Sofia Gamboa (com quem casará este ano) e seu sogro, o empresário e antigo matador de toiros Maestro Fernando dos Santos |
"A minha principal meta no toureio é nunca defraudar o público" |
"Tive poucos mestres, fui sempre um autodidacta" |
Em 32 anos de toureio e 20 de
alternativa - que sexta-feira comemora oficialmente numa grande corrida em Beja
- Tito Semedo pode não ter atingido o patamar da glória das grandes Figuras,
mas manteve sempre uma trajectória intocável, de cabeça erguida e jamais
defraudando o público. Teve apenas dois apoderados porque "não tem feitio
para essas coisas", considera que o mundo de toureio tem "muitos
interesses e jogos de bastidores" que "o incomodam", mas nem por
isso deixa de seguir em frente, com a mesma vontade e o mesmo querer que lhe
dão força desde o primeiro dia em que toureou, tinha apenas onze anos de idade
acabados de cumprir. Esta noite actua na Monumental de Albufeira, ao lado dos
Maestros Moura e Bastinhas, na mais mediática corrida do ano da região
algarvia. Antes disso, fomos ouvi-lo. Ele aqui está - Tito Semedo. Por si
próprio.
Entrevista de Miguel Alvarenga
- 32 anos de toureio e 20 de
alternativa. Quais foram, Tito, os melhores e os piores momentos?
- Os melhores momentos... recordo sempre
muito o dia da minha alternativa, que foi muito importante para mim. E o dia da
minha apresentação em público, também...
- A apresentação em público foi em que
ano?
- A apresentação oficial foi em Coruche em
1981, dia 18 de Agosto, mas anteriormente já tinha toureado nas tradicionais
festas de Santana da Serra, mas com pouca noção do que era o toureio, apenas
com o que tinha visto. Fui sempre um autodidacta e o meu pai comprou um cavalo
ao Varela Crujo e disse-me assim: "Agora montas-te no cavalo vais pôr aí
dois ou três ferros na vaca". E foi assim que eu comecei. Toureei nesse
dia com o Joaquim Veríssimo e com o Luis da Cruz.
- Com que idade?
- Tinha feito onze anos há muito pouco
tempo...
- Como é que tudo começou?
- Fui sempre um grande aficionado do
cavalo e desde pequenino que montava e participava nas tradicionais festas das
aldeias, em Santana, que eram as 'cavalhadas", desde os meus cinco, seis
anos. Depois começaram a fazer umas vacadas e começaram a vir tourear os
amadores, precisamente o Veríssimo e o Luis da Cruz. Nós também tínhamos uma
grande ligação à casa de José Varela Crujo e comecei a frequentá-la e a ver
tourear e foi a partir daí que o meu sonho começou.
- E depois, teve mestres?
- Poucos. O Joaquim Veríssimo, que tem
mais três ou quatro anos que eu, era um cavaleiro muito intuitivo e passei
muitas horas a vê-lo montar. E também o saudoso José Varela Crujo, que já era
cavaleiro profissional na altura. Foram esses dois os meus principais mestres,
se assim posso dizer. Foi com quem aprendi.
- O seu pai (conceituado médico) e sua
mãe, como aceitaram essa sua decisão de ser toureiro?
- O meu pai era um grande aficionado e
sempre me apoiou. A minha mãe, menos, mas também nunca me deixou de apoiar, ia
ver-me tourear e à maneira dela lá me dava o seu apoio.
- Recorde-me o dia da alternativa, vão
passados vinte anos...
- Foi um dia muito especial.
Infelizmente, já não tinha cá o meu pai. Gostava muito que ele tivesse
assistido. Proporcionou-se ser em Beja, no 10 de Agosto, em 1993, com a praça
completamente esgotada, um calor abrasador, uma corrida de Lampreia, o
Bastinhas como meu padrinho e o Veríssimo e o Salgueiro como testemunhas. Essa
corrida marcou-me muito, não apenas porque era o alcançar de uma meta e de um
patamar que todos os toureiros desejam, mas especialmente porque as coisas me
correram bem e ganhei o prémio para a melhor lide. Foi o concretizar de um
sonho que eu tinha.
- Ainda se lembra das palavras de
Joaquim Bastinhas no momento em que lhe concedeu a alternativa?
- Claro que me lembro. Disse-me que esta
era uma vida muito difícil e de muito sacrifício, mas que com muito trabalho e
dedicação haveria de realizar os meus sonhos.
- Vinte anos depois, alcançou todos os
seus sonhos ou ainda existem metas para alcançar?
- A meta principal é sempre não
defraudar o público. Sempre que toureio, preocupo-me essencialmente com isso,
esforço-me para que as coisas corram bem e para que o público saia satisfeito.
Isso para mim é o principal. Gosto do toureio de verdade e penso que tenho
levado uma linha sempre contínua dentro deste meu pensamento.
- Quem foram os seus ídolos?
- Tive ídolos na juventude. Com cinco,
seis anos, já tentava imitar o José Mestre Batista. Foi sempre o meu ídolo e
uma grande referência na minha carreira. Um toureiro que me marcou muito.
Depois, admirei outro toureiro que era o José João Zoio e posteriormente o João
Moura.
- Ainda não me respondeu à primeira
pergunta, já falou dos bons momentos, mas quais foram os maus?
- Penso que tentei sempre levar uma
linha que se identificasse com a minha pessoa, sempre de uma maneira correcta e
séria, procurando andar na Festa de cabeça erguida, que foi sempre o meu
principal objectivo. Por isso, penso que não houve maus momentos que mereçam a
pena lembrar.
- Qual foi o cavalo da sua vida?
- O cavalo da minha vida é um que tenho
neste momento, o "Vereador", com ferro de Eugénio Baião, da linha do
"Nilo", que me deixa fazer o toureio de verdade, que me deixa chegar
perto dos toiros e que é um cavalo lidador. Anteriormente, tive outro que vendi
ao João Moura, o "Descarado", que era também muito habilidoso. Penso
que são dois cavalos que se identificavam com a minha maneira de tourear. Mas,
claro, cavaleiro novo, cavalo velho... e aprendi muito com os cavalos velhos.
Tive um cavalo de referência que era o "Chinelo", com o ferro do
Senhor David R. Telles, também muito importante na minha carreira.
Anteriormente, tive o "Melro", que tinha o ferro de Veiga Maltez e
que tinha sido de Manuel Conde e posteriormente do Veríssimo e de que também
guardo boas recordações. Foram cavalos que me ensinaram muito.
- Neste momento tem finalmente a quadra
ideal?
- Sim, tenho nove cavalos prontos a
tourear, uns que fazem umas coisas, outros que fazem outros, mas considero que
é a melhor quadra da minha carreira.
- Comemora esta semana vinte anos de
alternativa, quantos mais anos vai andar nas arenas?
- Depende de muita coisa. Enquanto o
público me aceitar e enquanto eu sinta que consigo tourear da maneira como
sinto o toureio, vou continuar enquanto puder.
- Expectativas para a corrida de
sexta-feira em Beja?
- Penso que o cartel está bem montado e
bem cuidado. A corrida de Passanha está muito bonita, vamos ver se os toiros
investem como desejamos. Tourear com o João Moura, o Rui Salvador, a Ana
Batista, o Brito Paes e o Miguel Moura é, penso, o cartel sonhado. Gostaria
imenso que o meu padrinho de alternativa, Joaquim Bastinhas, estivesse a meu
lado nesta noite, mas já tinha um compromisso assumido para outra praça. E
estarão em praça dois bons grupos de forcados, os Amadores de Montemor e os de
Cascais. Será também o momento de prestar em Beja uma significativa homenagem à
memória de José Maria Cortes.
- Que sonhos ainda alimenta na sua
carreira?
- Essencialmente, aparecer todos os anos
com um cavalo novo, isso dá-me um gozo e uma satisfação extraordinária, quase
tanto como tourear. E levar um toureio sério dentro de mim e nunca defraudar o
público.
- Feito o balanço, foi difícil chegar
onde chegou, Tito?
- Quer dizer... eu nunca cheguei a lugar
nenhum, Miguel...
- ... mas alcançou um plano importante,
é um toureiro respeitado...
- Bom, não ter ninguém que me aponte o
dedo, andar na Festa de cabeça erguida, ter a consciência tranquila, ser uma
pessoa séria e honesta, isso para mim é fundamental e tem sido fundamental ao
longo destes vinte anos de alternativa e mais de trinta de toureio.
- Também se tem dedicado à carreira
empresarial, como tem sido essa experiência?
- Isso veio por acréscimo, sobretudo por
também eu ser proprietário da praça de toiros de Beja, mas nunca quis muito
misturar a parte taurina com a empresarial, por considerar que era uma coisa
que me poderia prejudicar, mas é uma coisa a que não posso fugir e não me tenho
dado mal.
- Quem foram os grande pilares da sua
carreira?
- O grande pilar foi o meu pai. E também
não posso deixar de referenciar o senhor José Crujo, pai do Varela Crujo, uma
pessoa que também me acompanhou sempre ao longo da minha carreira e de quem
guardo imensa saudade. Foi uma pessoa sempre presente. Ultimamente, tenho a
agradecer todo o apoio que me tem dado o Maestro Fernando dos Santos, meu
sogro, um grande homem do mundo tauromáquico, um grande conselheiro e sobretudo
um grande amigo com quem muito tenho aprendido a todos os níveis.
- O mundo do toureio é um mundo fácil ou
complicado?
- Fácil não é. E não é, sobretudo, um
mundo que se coadune muito com a minha maneira de ser e de pensar. Há muitos
jogos de bastidores, muitos jogos de interesses e isso incomoda-me...
- Nunca teve muitos apoderados, por quê?
- Tenho o José Luis Zambujeira há seis
anos, é uma pessoa que me acompanha e que é meu amigo. Antes tive o Francisco
Murteira Vaz, na temporada de 1999. Nunca fui de ter apoderados, se calhar a
minha maneira de ser não vai muito com isso...
- Antes de comemorar os vinte anos de
alternativa, na próxima sexta-feira em Beja, toureia esta noite em Albufeira na
corrida mais mediática da temporada algarvia, ao lado de Moura e Bastinhas. Que
perspectivas, Tito?
- É uma corrida importante, a mais
importante desta temporada na região do Algarve, com duas máximas Figuras,
espero fazer o melhor que sei e estar, pelo menos, ao nível desses dois
"monstros" que são os Maestros João Moura e Joaquim Bastinhas.
Fotos D.R. e Emílio de Jesus/fotojornalistaemilio@gmail.com