segunda-feira, 11 de maio de 2015

Vila Franca: quando os toiros são Teixeiras...

Luis Rouxinol rubricou lide de grande seriedade e maestria no primeiro toiro
da tarde, ontem em Vila Franca, mas não repetiu o triunfo no quarto da ordem
Grande par de bandarilhas de Filipe Gonçalves, a fechar a sua primeira triunfal
actuação. Errou depois na lide do seu segundo e deixou ir um grande êxito...
Duarte Pinto esteve enorme no terceiro toiro da tarde e pouco pôde fazer no
sexto, que se fechou em tábuas. O cavaleiro de Paço d'Arcos primou pelo
toureio de emoção e de frente e cravou ferros de arrepiar
Rui Godinho (V. Franca) deu sózinho a volta à arena no quinto toiro, depois de
brilhante pega e depois de Filipe Gonçalves ter desperdiçado um triunfo que teria
sido importante; na foto de baixo, José Henriques (Apos. Moita) com o primeiro-
ajuda, agradecendo no centro da arena os aplausos pela grande pega ao sexto
toiro da corrida de ontem em Vila Franca




Miguel Alvarenga - Havendo toiros, mas toiros de verdade, há emoção que vai da arena às bancadas e provoca suspiros no espectador. Foi assim em Vila Franca, ontem, com a mais que séria corrida de Veiga Teixeira. Era assim antigamente nas nossas praças, até chegar a era do "toirinho de corda", do "toiro tele-comandado", do "toiro da comodidade". Não é assim tão difícil, meus senhores, voltar a entusiasmar o público e o povo pelo espectáculo taurino, não é assim tão difícil voltar a encher as praças - basta apresentar toiros de verdade, como o fez ontem o novo empresário da "Palha Blanco", Paulo Pessoa de Carvalho. Como aconteceu em Montemor no passado dia 1. Como vai acontecer em próximas corridas, a começar pela de quinta-feira em Lisboa, onde estarão os Murteira Grave. Basta devolver a emoção, o perigo, os suspiros, os ais, aquela que era toda a essência do espectáculo e da corrida de toiros e que ultimamente se andava a perder por aí...
Depois, claro, é preciso que haja toureiros e forcados que consigam fazer frente a toiros de emoção, a toiros, como os Veiga Teixeira de ontem, que não deixam pensar, que não permitem equívocos, que não autorizam deslizes e muito menos distracções.
Se todos os toiros que se lidam nas nossas praças fossem como os Veiga Teixeira de ontem em Vila Franca, se não houvesse empresários, toureiros e forcados brincalhões, se isto entrasse de uma vez por todas na ordem e nos eixos, metade dos grupos de forcados iriam para casa, ficariam os consagrados, como acontecia antigamente; e metade dos cavaleiros, para já não falar dos toureiros a pé, meditavam seriamente sobre o que andam aqui a fazer e entenderiam de uma vez por todas que esta arte não é para quem quer - mas sim para quem pode. Devolver-se-ia a Verdade e a Emoção ao espectáculo tauromáquico e as praças voltariam a encher, como acontecia noutros tempos - quando não havia compadrio, quando os apoderados não eram simultâneamente empresários, quando os toureiros tinham que triunfar e suar para mostrar o seu valor e não andavam simplesmente de praça em praça ao sabor de trocas e baldrocas, pões-me o meu, meto-te o teu e por aí adiante... enfim.
Ontem em Vila Franca houve perigo, houve emoção, respeito, verdade e calafrios nas bancadas. Os toiros de Veiga Teixeira tinham irrepreensível presença, enorme trapio, tiveram comportamento duro e difícil, o quinto foi um toiro de bandeira, pena que ninguém se tivesse lembrado, nem o director de corrida, de levar à praça o ganadeiro - que bem o merecia, que o triunfo foi, acima de tudo, dos seus magníficos toiros.
Triunfadores, ontem, foram também os valentes Forcados Amadores de Vila Franca, com três pegas ao primeiro intento que foram todo um compêndio e uma lição da nobre e tão portuguesa arte de pegar toiros. Os caras estiveram soberbos a citar, a recuar, a fechar-se, a aguentar derrotes como heróis e o grupo esteve enorme e coeso a ajudar, havendo, como sempre, a destacar o bom desempenho nas três intervenções do fantástico rabejador Carlos Silva. Grande grupo! As pegas foram consumadas por intermédio de três valores máximos da forcadagem actual: Pedro Castelo, Ricardo Patusco e Rui Godinho. Enormes!
Um júri composto pelos antigos forcados Jorge Faria, João Franco, João Cortes, António Manuel Cardoso "Nené" e Manuel Duque, atribuíu, justa e merecidamente, aos Amadores de Vila Franca, o troféu que tinha o nome do saudoso João Villaverde e que estava destinado a premiar, no conjunto, o melhor grupo.
Os Amadores do Aposento da Moita tiveram ontem, no conjunto das três pegas, exibição mais irregular, mas nem por isso destituída do valor e do nome deste também grande grupo. José Maria Bettencourt, um forcado experiente e de méritos provados, foi quatro vezes à cara do segundo toiro da tarde e a pega acabou por ser consumada ao quinto intento, sem brio algum e em sorte de sesgo, estilo todos ao molho e fé em Deus.
A segunda pega dos moitenses, que assinalam esta temporada o seu 40º aniversário, foi brilhantemente executada por outro grande forcado do grupo, Nuno Inácio, ao primeiro intento e com exemplar entrada de todos os companheiros a ajudar. Uma pega espectacular.
José Henriques foi o forcado de cara da última pega do Aposento da Moita, a sexta da tarde, consumando à segunda e depois de ter sido violentamente derrotado, já perto das tábuas, na primeira e valente tentativa. Na vinda à arena, no final, foi acompanhado pelo primeiro-ajuda, mas ficaram-se por recolher os aplausos no centro da arena, abdicando da merecida volta que o director autorizara e o público pedia - e se tinha justificado em pleno.
No que aos cavaleiros diz respeito, houve duas partes distintas. Triunfaram os três na primeira, estiveram por baixo dos toiros na segunda, em especial Rouxinol e Filipe Gonçalves, já que Duarte Pinto pouco pôde fazer com o sexto toiro.
Luis Rouxinol abriu a corrida com uma lide séria e de grande maestria frente a um Veiga Teixeira que não permitia um deslize. O cavaleiro de Pegões puxou dos seus galões e demonstrou em pleno o que é tourear um toiro bravo e um toiro sério. Nem houve o habitual par de bandarilhas, mas houve extrema seriedade e enorme valor nos ferros compridos e nos curtos, no "palmito" com que fechou a lide e sobretudo na forma como lidou e toureou, impondo a sua raça.
No segundo toiro da corrida, outro sério exemplar, Filipe Gonçalves pôs a carne no assador, rubricou também uma actuação pautada pela seriedade e pela verdade, com ferros de grande emoção e um par espectacular a terminar, que mais parecia um desafio ao companheiro Rouxinol, que desta vez não pôs nenhum.
No terceiro Veiga Teixeira da corrida, Duarte Pinto praticou um toureio de verdade, emocionando nos compridos, parando os corações nos curtos, entrando de frente e pisando terrenos de grande compromisso, os chamados terrenos da verdade que os antigos se honravam de pisar e que este jovem tanta gala faz em recordar. Grande actuação, premiada, como as duas anteriores, com aplaudida volta à arena.
Na segunda parte, tudo mudou de figura. Mandaram os toiros de Veiga Teixeira e o resto foi quase nada, exceptuando a actuação dos forcados, que deram volta ou vieram à arena sózinhos, ficando os cavaleiros entre tábuas.
Rouxinol andou meio ao sabor do toiro, não conseguindo impor-se ao oponente e Filipe Gonçalves desperdiçou o melhor toiro da corrida, desperdiçando também, por sua exclusiva culpa e de mais ninguém, a oportunidade de sair triunfador de Vila Franca, onde nunca tinha lidado dois toiros e continuou como estava, porque não chegou a tourear o segundo. O quinto Veiga Teixeira investia com clareza e com nobreza e de largo de todos os terrenos, foi assim até ao fim para os forcados - e Filipe não o soube tourear. Trazia o trabalho feito de casa - e isso não pode acontecer num toureiro com a sua experiência e o seu já vasto palmarés - insistiu nos "quiebros" diante de um toiro que não permitia enganos e o resultado foi uma lide castastrófica, saindo da arena sob uma chuva de assobios. Cada toiro tem a sua lide, não se pode trazer a actuação pré-concebida de casa. Por muito que as sortes de "quiebro" sejam do agrado do público, a verdade é que depois de ver, na primeira, que o toiro não se prestava a tais enganos, Filipe Gonçalves deveria ter mudado de cavalo e toureado o toiro como ele pedia. Não. Continuou a "quiebrar" e a errar. E assim perdeu um êxito que o quinto toiro lhe proprocionava.
No último toiro da corrida, Duarte Pinto brindou a seu Pai, Emídio Pinto, que hoje cumpre 40 anos de alternativa e foi para o Mestre a primeira grande ovação dessa recta final da tarde. Depois, veio a grande emoção em dois compridos de luxo, sobretudo o segundo, em que entrou nitidamente pelo toiro dentro em terrenos apertadíssimos e saíu airoso, com brilhantismo. A seguir, o toiro tapou-se, fechou-se em tábuas e Duarte ainda conseguiu, com imenso mérito, cravar dois curtos a sesgo, mas já não conseguiu colocar o terceiro. Abandonou a arena como quem tudo fez e já nada mais podia fazer, o público entendeu e despediu o cavaleiro com uma salva de merecidas palmas.
Em tarde de toiros muito sérios, houve bandarilheiros de valor e destaco David Antunes, João Bretes e Marco Sabino, se bem que tenha havido, lamentavelmente, excessivos e desnecessários capotazos em todos os toiros.
Houve brindes a Paula Villaverde, viúva do sempre lembrado João Villaverde, um brinde de Rouxinol à equipa médica da praça "Palha Blanco" e outro de Filipe Gonçalves a Jorge Ortigão Costa.
Eficiente e exigente, como se impõe, não permitindo aos cavaleiros que viessem dar as voltas que não mereciam nos segundos toiros, esteve Manuel Gama em evidência a dirigir a corrida, assessorado pelo médico veterinário Dr. José Manuel Lourenço, pecando única e simplesmente por não ter colocado à vista o lenço que permite ao ganadeiro vir à praça. António Francisco da Veiga Teixeira merecia-o plenamente, sobretudo no quinto toiro - e para ele e para a sua ganadaria vai o meu enorme olé, a terminar esta crónica.

Fotos Emílio de Jesus/fotojornalistaemilio@gmail.com