Luis Rouxinol rubricou lide de grande seriedade e maestria no primeiro toiro da tarde, ontem em Vila Franca, mas não repetiu o triunfo no quarto da ordem |
Grande par de bandarilhas de Filipe Gonçalves, a fechar a sua primeira triunfal actuação. Errou depois na lide do seu segundo e deixou ir um grande êxito... |
Miguel Alvarenga - Havendo toiros, mas
toiros de verdade, há emoção que vai da arena às bancadas e provoca suspiros no
espectador. Foi assim em Vila Franca, ontem, com a mais que séria corrida de
Veiga Teixeira. Era assim antigamente nas nossas praças, até chegar a era do
"toirinho de corda", do "toiro tele-comandado", do
"toiro da comodidade". Não é assim tão difícil, meus senhores, voltar
a entusiasmar o público e o povo pelo espectáculo taurino, não é assim tão
difícil voltar a encher as praças - basta apresentar toiros de verdade, como o
fez ontem o novo empresário da "Palha Blanco", Paulo Pessoa de
Carvalho. Como aconteceu em Montemor no passado dia 1. Como vai acontecer em
próximas corridas, a começar pela de quinta-feira em Lisboa, onde estarão os
Murteira Grave. Basta devolver a emoção, o perigo, os suspiros, os ais, aquela
que era toda a essência do espectáculo e da corrida de toiros e que ultimamente
se andava a perder por aí...
Depois, claro, é preciso que haja toureiros
e forcados que consigam fazer frente a toiros de emoção, a toiros, como os
Veiga Teixeira de ontem, que não deixam pensar, que não permitem equívocos, que
não autorizam deslizes e muito menos distracções.
Se todos os toiros que se lidam nas
nossas praças fossem como os Veiga Teixeira de ontem em Vila Franca, se não
houvesse empresários, toureiros e forcados brincalhões, se isto entrasse de uma
vez por todas na ordem e nos eixos, metade dos grupos de forcados iriam para
casa, ficariam os consagrados, como acontecia antigamente; e metade dos
cavaleiros, para já não falar dos toureiros a pé, meditavam seriamente sobre o
que andam aqui a fazer e entenderiam de uma vez por todas que esta arte não é
para quem quer - mas sim para quem pode. Devolver-se-ia a Verdade e a Emoção ao
espectáculo tauromáquico e as praças voltariam a encher, como acontecia noutros
tempos - quando não havia compadrio, quando os apoderados não eram
simultâneamente empresários, quando os toureiros tinham que triunfar e suar
para mostrar o seu valor e não andavam simplesmente de praça em praça ao sabor
de trocas e baldrocas, pões-me o meu, meto-te o teu e por aí adiante... enfim.
Ontem em Vila Franca houve perigo, houve
emoção, respeito, verdade e calafrios nas bancadas. Os toiros de Veiga Teixeira
tinham irrepreensível presença, enorme trapio, tiveram comportamento duro e
difícil, o quinto foi um toiro de bandeira, pena que ninguém se tivesse
lembrado, nem o director de corrida, de levar à praça o ganadeiro - que bem o
merecia, que o triunfo foi, acima de tudo, dos seus magníficos toiros.
Triunfadores, ontem, foram também os
valentes Forcados Amadores de Vila Franca, com três pegas ao primeiro intento
que foram todo um compêndio e uma lição da nobre e tão portuguesa arte de pegar
toiros. Os caras estiveram soberbos a citar, a recuar, a fechar-se, a aguentar
derrotes como heróis e o grupo esteve enorme e coeso a ajudar, havendo, como
sempre, a destacar o bom desempenho nas três intervenções do fantástico
rabejador Carlos Silva. Grande grupo! As pegas foram consumadas por intermédio
de três valores máximos da forcadagem actual: Pedro Castelo, Ricardo Patusco e
Rui Godinho. Enormes!
Um júri composto pelos antigos forcados
Jorge Faria, João Franco, João Cortes, António Manuel Cardoso "Nené"
e Manuel Duque, atribuíu, justa e merecidamente, aos Amadores de Vila Franca, o
troféu que tinha o nome do saudoso João Villaverde e que estava destinado a
premiar, no conjunto, o melhor grupo.
Os Amadores do Aposento da Moita tiveram
ontem, no conjunto das três pegas, exibição mais irregular, mas nem por isso destituída do valor e do nome deste também grande grupo. José Maria
Bettencourt, um forcado experiente e de méritos provados, foi quatro vezes à
cara do segundo toiro da tarde e a pega acabou por ser consumada ao quinto
intento, sem brio algum e em sorte de sesgo, estilo todos ao molho e fé em
Deus.
A segunda pega dos moitenses, que
assinalam esta temporada o seu 40º aniversário, foi brilhantemente executada
por outro grande forcado do grupo, Nuno Inácio, ao primeiro intento e com
exemplar entrada de todos os companheiros a ajudar. Uma pega espectacular.
José Henriques foi o forcado de cara da
última pega do Aposento da Moita, a sexta da tarde, consumando à segunda e
depois de ter sido violentamente derrotado, já perto das tábuas, na primeira e
valente tentativa. Na vinda à arena, no final, foi acompanhado pelo
primeiro-ajuda, mas ficaram-se por recolher os aplausos no centro da arena,
abdicando da merecida volta que o director autorizara e o público pedia - e se
tinha justificado em pleno.
No que aos cavaleiros diz respeito,
houve duas partes distintas. Triunfaram os três na primeira, estiveram por
baixo dos toiros na segunda, em especial Rouxinol e Filipe Gonçalves, já que
Duarte Pinto pouco pôde fazer com o sexto toiro.
Luis Rouxinol abriu a corrida com uma
lide séria e de grande maestria frente a um Veiga Teixeira que não permitia um
deslize. O cavaleiro de Pegões puxou dos seus galões e demonstrou em pleno o
que é tourear um toiro bravo e um toiro sério. Nem houve o habitual par de
bandarilhas, mas houve extrema seriedade e enorme valor nos ferros compridos e
nos curtos, no "palmito" com que fechou a lide e sobretudo na forma
como lidou e toureou, impondo a sua raça.
No segundo toiro da corrida, outro sério
exemplar, Filipe Gonçalves pôs a carne no assador, rubricou também uma actuação
pautada pela seriedade e pela verdade, com ferros de grande emoção e um par
espectacular a terminar, que mais parecia um desafio ao companheiro Rouxinol,
que desta vez não pôs nenhum.
No terceiro Veiga Teixeira da corrida,
Duarte Pinto praticou um toureio de verdade, emocionando nos compridos, parando
os corações nos curtos, entrando de frente e pisando terrenos de grande
compromisso, os chamados terrenos da verdade que os antigos se honravam de
pisar e que este jovem tanta gala faz em recordar. Grande actuação, premiada,
como as duas anteriores, com aplaudida volta à arena.
Na segunda parte, tudo mudou de figura.
Mandaram os toiros de Veiga Teixeira e o resto foi quase nada, exceptuando a
actuação dos forcados, que deram volta ou vieram à arena sózinhos, ficando os
cavaleiros entre tábuas.
Rouxinol andou meio ao sabor do toiro,
não conseguindo impor-se ao oponente e Filipe Gonçalves desperdiçou o melhor
toiro da corrida, desperdiçando também, por sua exclusiva culpa e de mais
ninguém, a oportunidade de sair triunfador de Vila Franca, onde nunca tinha
lidado dois toiros e continuou como estava, porque não chegou a tourear o
segundo. O quinto Veiga Teixeira investia com clareza e com nobreza e de largo de todos os
terrenos, foi assim até ao fim para os forcados - e Filipe não o soube tourear.
Trazia o trabalho feito de casa - e isso não pode acontecer num toureiro com a
sua experiência e o seu já vasto palmarés - insistiu nos "quiebros"
diante de um toiro que não permitia enganos e o resultado foi uma lide castastrófica,
saindo da arena sob uma chuva de assobios. Cada toiro tem a sua lide, não se
pode trazer a actuação pré-concebida de casa. Por muito que as sortes de
"quiebro" sejam do agrado do público, a verdade é que depois de ver,
na primeira, que o toiro não se prestava a tais enganos, Filipe Gonçalves
deveria ter mudado de cavalo e toureado o toiro como ele pedia. Não. Continuou
a "quiebrar" e a errar. E assim perdeu um êxito que o quinto toiro
lhe proprocionava.
No último toiro da corrida, Duarte Pinto
brindou a seu Pai, Emídio Pinto, que hoje cumpre 40 anos de alternativa e foi
para o Mestre a primeira grande ovação dessa recta final da tarde. Depois, veio
a grande emoção em dois compridos de luxo, sobretudo o segundo, em que entrou
nitidamente pelo toiro dentro em terrenos apertadíssimos e saíu airoso, com
brilhantismo. A seguir, o toiro tapou-se, fechou-se em tábuas e Duarte ainda
conseguiu, com imenso mérito, cravar dois curtos a sesgo, mas já não conseguiu
colocar o terceiro. Abandonou a arena como quem tudo fez e já nada mais podia
fazer, o público entendeu e despediu o cavaleiro com uma salva de merecidas
palmas.
Em tarde de toiros muito sérios, houve
bandarilheiros de valor e destaco David Antunes, João Bretes e Marco Sabino, se
bem que tenha havido, lamentavelmente, excessivos e desnecessários capotazos em
todos os toiros.
Houve brindes a Paula Villaverde, viúva
do sempre lembrado João Villaverde, um brinde de Rouxinol à equipa médica da
praça "Palha Blanco" e outro de Filipe Gonçalves a Jorge Ortigão
Costa.
Eficiente e exigente, como se impõe, não
permitindo aos cavaleiros que viessem dar as voltas que não mereciam nos
segundos toiros, esteve Manuel Gama em evidência a dirigir a corrida, assessorado pelo médico veterinário Dr. José Manuel Lourenço, pecando
única e simplesmente por não ter colocado à vista o lenço que permite ao
ganadeiro vir à praça. António Francisco da Veiga Teixeira merecia-o
plenamente, sobretudo no quinto toiro - e para ele e para a sua ganadaria vai o
meu enorme olé, a terminar esta crónica.
Fotos Emílio de Jesus/fotojornalistaemilio@gmail.com