Miguel Alvarenga - Honra a Marcelo Loia
nas alturas e paz na terra aos toureiros que não tiveram vontade (nem
habilidade) para triunfar (a não ser Rouxinol) diante dos poderosos e sérios
toiros de Fernandes de Castro - não corresse eu o risco de ainda me acusarem de
estar a utilizar uma frase referencial da Fé Cristã e este teria sido o título
desta crónica da Corrida TV de ontem no Campo Pequeno.
Resumo a corrida em três perguntas e
adorava que alguém me pudesse dar respostas. De outra forma, fico sem perceber
que raio de Festa é a nossa e que trapalhada vai nas cabecinhas bem pensantes
cá do burgo...
Primeira pergunta: por que é que o
Forcado Marcelo Loia não saíu ontem em ombros do Campo Pequeno? (eu sei que são
precisas três voltas à arena para abrir a porta grande, mas então que as
tivesse dado, ou cinco, ou seis, que as merecia!)
Segunda pergunta: por que é que o
director de corrida Tiago Tavares não exibiu o lencinho (de outra cor) que
autoriza o ganadeiro a dar a volta à arena?
Terceira pergunta: exceptuando Rouxinol,
que não fez mais que a sua obrigação ao estar tão bem, como esteve e está
sempre, destacando-se num elenco e num contexto em que não faltava mesmo mais
nada que não fosse ele a sobressair, o que foram ontem fazer ao Campo Pequeno
os outros cinco cavaleiros?
Posto isto, meus amigos, e desta vez
prefiro perguntar a afirmar, pouco mais tenho a dizer da nocturna de ontem. A
não ser meia dúzia de coisinhas, umas com mais importância, outras com menos.
Depois de quatro grandes corridas - e
grandes enchentes - na temporada lisboeta, a corrida de ontem, embora bem
emoldurada de público, foi a que menos gente teve nas bancadas. E, por ser
televisionada e porque era importante mostrar ao mundo que a tauromaquia tem
adeptos e não vai morrer tão cedo, teria sido importante que estivesse cheia.
Mas essa falha deve-se ao cartel, o mais fraquito e o menos apelativo, se
comparado com os anteriores. Era um elenco vulgar de lineu, um cartel de
"mais do mesmo" e numa Corrida TV exige-se muito mais. Diz-se tanta
vez que não se dão oportunidades a determinados toureiros, pois ontem
tiveram-na, não souberam foi aproveitá-la. E, além disso, muito mais além
disso, numa corrida com a tradição e a força desta, ficaram a faltar nomes
sonantes daqueles de que o público gosta, um Moura, um Bastinhas, um Telles,
sei lá...
Tirando Rouxinol, repito, que esteve
muitíssimo bem com o primeiro toiro da noite, o melhor dos seis ou, pelo menos,
o que mais se deixou lidar, os restantes cavaleiros passaram ao lado de uma
belíssima e, se calhar, única, oportunidade de darem um passo em frente. Uns
melhor, outros pior e outros nem por isso, estiveram todos muito por baixo dos
toiros de Fernandes de Castro - toiros sérios, exigentes, mas que permitiram e
que exigiam Toureiros. Os cinco não lhes souberam dar a volta, andaram à mercê
dos toiros e por isso não percebo o que foram ontem ali fazer...
Sónia Matias não esteve mal, nem bem,
esteve só valente como as armas (e como os homens), mas isso está ela sempre,
frente a um toiro que se adiantava, passou, foi aplaudida e até deu volta.
Gilberto Filipe andou positivamente à mercê do Castro, levou um ou dois
empurrões, etc. e tal, nada de especial. Filipe Gonçalves continua a trazer o
toureio mecanizado e feito de casa, quiebros e mais quiebros sem nunca vencer o
piton e depois lá veio o cavalinho das palmas e dos folclóricos
"violinos" e o Campo Pequeno é um templo sério, não é uma praça
portátil para coisas dessas. Francisco Palha até apontou bons ferros, vinha com
ganas, mas era escusado aquele final "à espanhola" e à roda do toiro,
como se Lisboa fosse um pueblo, com ferros e ferrinhos e ainda por cima
encontrões violentos em cada um deles. E Salgueiro da Costa não entendeu o
toiro, o mais complicado (se calhar, não foi isso, quem o complicou foi ele),
mas que pedia cites de largo. Andou sempre em cima dele e a citar em curto, o
toiro esperava e dava-lhe e nem com o seu melhor cavalo resolveu a papeleta.
Voltou a ser uma promessa adiada e já o é há tantos anos...
Tiveram a oportunidade (de ouro) e as
condições (toiros de verdade) para triunfar, precisavam ter dado a verdadeira
dimensão do toureio que noutras ocasiões já todos eles deram deram e acabaram
por deixar ir de vazio o triunfo. E no toureio, como noutras coisas da vida, o
comboio não volta a passar segunda vez...
Agora os toiros. Os de Fernandes de
Castro, ganadaria triunfadora (absolutamente!) do ano passado, não foram
fáceis. Mas é essa mesmo a questão: os toiros não têm que, não podem, ser
fáceis. Se não, isto torna-se demasiado fácil e perde a essência - chamada
emoção. Foram complicados? Não senhor. Não os souberam foi lidar. Foram
sobretudo exigentes, com enorme e respeitado poderio, impuseram seriedade (e a
tauromaquia é um espectáculo demasiado sério para se brincar com ele...) e até
se deram ao luxo de permitir que os toureassem. Só que isso, exceptuando o
grande Rouxinol - que é grande mesmo, anda cá há trinta anos, atingiu uma
plenitude de maestria indiscutível - não aconteceu ontem no Campo Pequeno. Estes
toiros são daqueles que mandam os toureiros para casa. E os cinco de ontem bem
podem ir fazendo as malas, apanhar o comboio e regressar à terra...
Não percebi, por isso, por que razão o
ganadeiro Fernandes de Castro permaneceu o tempo todo num burladero, sem nunca
ter sido chamado à arena - onde devia ter ido em mais de uma ocasião. Falhou
rotundamente o director de corrida em não lhe conceder as mais que merecidas
voltas e falharam, obviamente, os toureiros em chamá-lo, mas isso são contas de
outros rosários... O lenço que concede a volta à arena ao ganadeiro, agora
nesta modernice do novo Regulamento (em que parece que ficou tudo igual, menos
a história dos lenços...) tem outra cor. Pode ser que o director Tiago Tavares
se tivesse esquecido de o trazer, só se foi isso, não sei, talvez tenha sido,
mas não deixa de ser coisa imperdoável...
Por fim, Marcelo Loia. Foi ele o grande
triunfador da Corrida TV, é a ele que devem também erguer agora uma estátua à
porta do Campo Pequeno, mesmo ao lado da que deve ser feita ao "El
Juli".
A sua valentíssima pega fez-me lembrar
as pegas enormes dessa lenda viva da forcadagem que se chama João Cortes. Foi a
melhor pega dos últimos anos no Campo Pequeno, a mais importante desde a
reinauguração da praça, já lá vão nove anos e foi a maior homenagem que Marcelo
Loia, cabo dos Amadores do Aposento do Barrete Verde de Alcochete, poderia ter
feito aos Forcados e ao seu grupo, que está este ano a comemorar meio século de
existência.
Foi um monumento, um hino à arte de
pegar toiros. Marcelo Loia citou com classe, recuou com saber, toureou na cara
do toiro, fechou-se com muito querer e destemida decisão, ficou e dali não saíu
mais. O toiro brigou, rodou para a esquerda e para a direita, os ajudas a
correr atrás dele e o valente forcado colado na cabeça do toiro que nem uma
lapa. Não é fácil ajudar numa pega assim, com o toiro a desviar a rota em todos
os sentidos, mas o grupo esteve enorme e Marcelo foi um gigante. No chão
ficaram sapatos e barretes, na cara do toiro ficou um Forcado do outro mundo,
de uma outra dimensão. Deu uma volta à arena com Sónia Matias e mais uma
sózinho e merecia outra e outra e mais outra e em ombros devia ontem ter saído
do Campo Pequeno, que os Forcados também devem ter tal honra, não são, nunca
foram, segundas figuras, ontem foram mesmo as primeiras.
Daniel Santiago fez a segunda pega
(quinta da noite) dos Amadores do Barrete Verde de Alcochete e foi outro grande
monumento ao Forcado que ali ficou na arena de Lisboa. Entrou nos terrenos do
toiro para citar, soube sair - e isso revela o grande Forcado que é - e recuou
denotando enorme experiência, fechou-se também com braços de ferro e a praça
voltou a explodir numa ovação estrondosa. Uma volta com Palha e outra sózinho e
também aqui a terceira não teria sido de mais - era merecida e era justa.
Os outros dois grupos estiveram apenas e
só regulares. Pelos Amadores do Montijo pegaram João Damásio (à segunda) e
Hélio Lopes (à terceira), que ninguém entendeu, nem eu, por que foi autorizado
a dar a volta à arena, enfim... Pelos do Aposento da Chamusca, pegou primeiro
Francisco Montoya, à quarta, nem sei bem se pegou, se a pega foi mesmo
concretizada, vou ter que ver a
gravação televisiva, que na praça pareceu-me que não, mas posso estar enganado;
e João Saraiva, que salvou a honra do convento ao grupo do grande Pedro Coelho
dos Reis (que desta vez não pegou) com uma belíssima pega.
Também não entendi - ontem foi noite de
se entender pouco de tudo... - por que razão ninguém se lembrou de brindar à
Casa do Pessoal da RTP e ao seu presidente, o empenhado Luis Castro. Depois de
terem estado em perigo as transmissões televisivas, depois do empenho que ele
teve em que tudo voltasse ao normal, esqueceram-se incrivelmente de o honrar
com um brinde, um que fosse. Lamentável. E triste.
Mas é a Festa que temos. E,
infelizmente, aquela que ontem transmitimos ao país na transmissão televisiva.
Que deveria ter sido outra coisa e não foi. Que pena tão grande...
À empresa - que, quanto a mim, deveria
ter deixado este elenco para uma outra corrida, talvez a do emigrante em
Agosto, fortalecendo com outros nomes a importância que teve sempre a Corrida
TV - resta agora anunciar que vai repetir na segunda parte da temporada, porque
é obrigatório mesmo, o Luis Rouxinol e os heróicos forcados do Barrete Verde de
Alcochete. Que voltem - depressa e em força!
Fotos Emílio de
Jesus/fotojornalistaemilio@gmail.com