Abel Correia e sua Mulher, Rosária. "Agora vou descansar e recarregar baterias, continuo a ser empresário, mas não faz sentido que venha a apoderar alguém..." |
Abel Correia e João Moura puseram na
passada sexta-feira e depois da corrida que se realizou em Elvas, um ponto
final na relação de apoderamento que os uniu durante dez anos - não na forte
relação de amizade que cimentaram ao longo de uma década e que permanece
intocável. "Olhámo-nos olhos nos olhos e dissemos claramente um ao outro
que era a hora de terminar", conta o ex-apoderado. Na primeira entrevista
que dá depois do "divórcio", Abel fala da sua marcante experiência ao
lado da maior figura do toureio a cavalo, das "pessoas que vai recordar
para sempre" - e também do futuro onde, garante, "não se vislumbra
nenhum novo apoderamento". Não esconde que na hora de decidirem que tudo
tinha chegado ao fim, "houve lágrimas de parte a parte". Também as houve enquanto me concedeu esta entrevista, onde foram várias as vezes em que se emocionou e comoveu a falar da gratificante experiência que foram estes dez anos ao lado da maior figura do toureio mundial.
Entrevista de Miguel Alvarenga
- Foi um fim há muito anunciado,
Abel?...
- Não propriamente... Mas já há algum
tempo tínhamos entendido que eu não deveria continuar, não propriamente no que
diz respeito ao apoderamento do João Moura, que embora esteja em grande forma,
como se viu sexta-feira em Elvas, está na fase final da sua carreira; mas
sobretudo no que diz respeito ao Miguel, que está em fase de lançamento e
precisa de alguém altamente profissional e que esteja a cem por cento a seu
lado e eu, neste momento da minha vida e com a minha empresa também em fase de
renovação, não posso dar-lhe o apoio de que necessita. Noutros tempos, eu ia
duas, três vezes por semana a Monforte, agora o trabalho não me permite essa
disponibilidade e reconheço que o Miguel merece mais e, sobretudo, precisa de
mais. Era tempo de virarmos a página e já tínhamos equacionado isso há uns
meses. Esperámos pela última corrida do João, a de Elvas e assim que terminou
conversámos. Olhámo-nos olhos nos olhos e dissemos os dois que terminava tudo
ali. Houve lágrimas dos dois lados, não nego que foi uma conversa com alguma
emoção e já também alguma nostalgia. Mas terminámos da forma que sempre desejei
e o João também, isto é, sem zangas, sem chatices de espécie alguma, de comum
acordo e de modo amigável. Tudo tem um começo, um meio e um fim, estivémos
juntos dez anos, orgulho-me de ter sido o apoderado que mais temporadas esteve
ao lado do Maestro João Moura e agora... a vida continua, vamos continuar a
encontrar-nos certamente, a jantar, a beber copos, a amizade permanece e sai
fortalecida, obviamente, depois de dez anos de tanta coisa que passámos juntos.
- Chegou aos toiros há quase vinte anos,
alguma vez imaginou que seria um dia apoderado de João Moura?
- Nunca tal me passou pela cabeça.
Sempre fui aficionado, ia às corridas e desde muito cedo fui um grande
admirador do João Moura, mas nunca imaginei que alguma vez pudesse vir a
assumir na sua carreira e a seu lado o papel que desempenhei durante dez anos.
A minha primeira aparição no mundo dos toiros foi quando organizei em Pegões
uma corrida comemorativa dos dez anos de alternativa do Luis Rouxinol... ele já
fez vinte e cinco anos há dois ou três anos... Eu mal conhecia o João Moura
quando em finais de 1999, início do ano 2000, por intermédio do nosso comum amigo José Prates, me convidou a
ser seu apoderado, acabara de romper com Fernando Camacho. O "culpado" de tudo foi o meu amigo José Prates! E estive dez anos ao lado de João Moura, orgulho-me muito disso, tudo o que hoje sei de toiros aprendi com o
João, foi uma experiência altamente marcante e hoje posso confessar que sou
ainda mais mourista e defendo-o em todo o sítio. É o maior, é o número-um e é o
mais profissional que conheci.
- O Abel também apoderava o Miguel...
- Tenho o orgulho de ter assistido ao
lançamento do João Júnior e de ter assistido à primeira actuação em público do
Miguel. O Miguel tem também todas as condições para ser uma primeiríssima
figura, mas as coisas não estão fáceis, sobretudo depois de este ano o João
Júnior ter apostado forte em Portugal e se ter revelado o melhor de todos. Não
é fácil haver nos cartéis lugar para três Mouras e o João está a destacar-se
com toda a força. Isso torna mais complicada a afirmação do Miguel, mas
acredito que vai triunfar e vai também marcar. E neste momento, repito, eu não
tinha disponibilidade para estar cem por cento dedicado ao Miguel.
- Tem alguma ideia de quem lhe vai
suceder?...
- Não, nem sequer abordámos esse
assunto. O João Moura não precisa propriamente de um apoderado. Penso que o
bandarilheiro de confiança da Casa Moura, o João Ganhão, vai assumir um papel
mais activo nesse sentido e o João Moura deverá ser, porque o fará melhor que
ninguém, o orientador do Miguel. É possível que encontrem alguém com mais nome
para ser o apoderado, mas penso que as coisas vão ficar assim, com o João Moura
a comandar o apoderamento do Miguel. É preciso profissionalismo e melhor
profissional que o João não existe.
- Que balanço destes dez anos, Abel?
- Faço um balanço super positivo. Para
mim, foi uma experiência fantástica, conheci pessoas extraordinárias, estive em
locais onde nunca imaginava estar, saio altamente enriquecido. Ter estado dez
anos ao lado de João Moura foi como que uma lição de vida. Vivemos grandes
momentos, outros piores, mas só vou recordar os bons momentos que vivemos. Os
maus são para esquecer...
- Lembre-me alguns desses bons momentos...
- Sei lá, foram tantos! Em tantas praças,
Madrid por exemplo, Lisboa, sei lá. Lembro, acima de tudo, todas as pessoas
boas que passaram pela equipa nestes dez anos. E a todos quero publicamente
agradecer. À Filipa (Mulher de João Moura), primeiro que a todos, uma grande
Mulher e uma amiga. A dois grandes mouristas que sempre estiveram ao lado do
João e o seguem para todo o lado, o Carlos Barreto e o Cabecinha (pai), o
companheiro dos galgos. E a um casal extraordinário, Francisco Romão Tenório e
Dona Margarida. Pessoas que jamais vou esquecer e às quais me ligarão para
sempre fortíssimos laços de amizade e também de gratidão e de respeito. Aos que
estiveram contra mim e em alguma ocasião me tentaram prejudicar, direi apenas
que já esqueci tudo...
- Foi uma experiência gratificante, já o
reconheceu, mas foi também uma mais valia para si. Era o Abel dos Pneus e
passou a ser o apoderado de João Moura... É uma realidade, não é?
- Claro que é e não a ignoro. Chamavam-me
Abel dos Pneus por o meu negócio seram os pneus e porque comecei na Festa por
organizar na praça de Alcochete, todos os anos, a Corrida dos Pneus. Havia quem
me chamasse Abel dos Pneus de forma depreciativa, mas nunca me importei com
isso. O meu negócio continuam a ser os pneus e não me incomoda absolutamente
nada que me continuem a chamar assim. Fui apoderado do Maestro João Moura e
muitos tiverem que "engolir" isso, alguns com visível inveja, mas
isso acontece sempre que uma pessoa ganha algum protagonismo. E eu orgulho-me
de nunca me ter vangloriado junto de ninguém e de nunca me ter servido do facto
de ser o apoderado de João Moura. Orgulho-me de ter desempenhado essa missão
com humildade, com seriedade e com profissionalismo, fazendo o meu melhor,
dando o meu melhor em prol de um objectivo e de uma equipa que era liderada
pela maior figura do toureio mundial. Foi, repito, um orgulho enorme para mim
ter estado dez anos a seu lado e só tenho a agradecer a todos os que comigo
colaboraram nesse tempo.
- Ganhou amigos e também, obviamente,
inimigos, incompatibilizou-se com algumas pessoas e nomeadamente com algum
sector da crítica. São espinhas que ainda tem na garganta?
- É óbvio que ganhei amigos e também
inimigos. No papel que desempenhei durante estes dez anos, isso era provável
que acontecesse. Mas só me incompatibilizei, e o João também, com pessoas que
não valiam nada. Passei à frente disso tudo. Às vezes enganamo-nos na vida com
certas pessoas e foi isso que aconteceu. Mais nada.
- Ameaçou várias vezes que no dia em que
deixasse de apoderar João Moura daria uma grande e bombástica entrevista e
revelaria muita coisa que sabia... ainda não será esta entrevista, pois não?
- É verdade que lhe disse isso várias
vezes e que pensei muita vez abrir o livro e contar muito do que sei, mas as
coisas já estão tão más que só as iria piorar...
- Referia-se concretamente a quê?...
Referia-me a muita coisa que não está
bem na Festa, as não iria contar novidade nenhuma a ninguém. Olhe, referia-me,
por exemplo, aos que andam por aí a pagar para tourear e a tirar lugar aos que
são profissionais e vivem disto... Mas isso são contas de outros rosários, que
toda a gente conhece e em que não vale a pena neste momento tocar... Tenho pena
que as coisas estejam assim, tenham chegado a este ponto, mas é a realidade e
isso só prejudica quem é profissional e quem vive da tauromaquia, como é o caso
de João Moura. Mas acredito que mais tarde ou mais cedo tudo se clarificará e
ficará quem tem que ficar.
- E agora, Abel, o que vai ser o seu futuro
no mundo da tauromaquia? Vai voltar a apoderar algum toureiro?
- Não tenciono, digo-o com verdade,
apoderar ninguém. Nem fazia sentido que o fizesse. Depois de apoderar o Maestro
Moura e seu filho Miguel, seria difícil para mim vir a apoderar alguém, até
porque nada seria igual. Prefiro guardar esta experiência como um ciclo que
vivi intensamente e que muito me enriqueceu. Apoderei o toureiro máximo e agora
não faz sentido voltar a apoderar nenhum outro. Mantenho a minha empresa e
continuo a ser sócio do João Pedro Bolota e do Possidónio Matias na Monumental
do Montijo. Vou continuar na Festa, a divertir-me, a fazer o que gosto e a
viver esta paixão que tenho desde pequeno. Neste momento vou descansar um pouco
e recarregar baterias.
Fotos Emílio de Jesus, Maria Mil-Homens e Hugo
Teixeira/Arquivo