Mesmo colhido mais que uma vez, Diogo Peseiro não desarmou e teve ontem em Lisboa a sua noite de clara e decisiva afirmação. Tem valor para ir em frente, está mais que aprovado! |
No único novilho que enfrentou, da estreante ganadaria da Quinta de Mata-o-Demo, João Silva "Juanito" deixou o perfume da sua classe e da sua arte |
Provavelmente, terá sido este o momento em que "Juanito" sofreu o corte na mão esquerda que o impediu de continuar a sua actuação |
Parreirita Cigano entusiasmou sobretudo nos ferros curtos, teve uma lide emotiva e que chegou às bancadas |
Dois momentos da actuação de Francisco Parreira frente ao novilho de Canas Vigouroux |
O brinde dos Amadores do Redondo (Rui Grilo) ao autor destas linhas, na primeira das duas pegas que executaram ontem no Campo Pequeno |
A primeira pega dos Amadores do Redondo, por Rui Grilo, consumada à segunda tentativa; e, em baixo, a segunda, executada à primeira pelo novo cabo Hugo Figueira |
Miguel Alvarenga - Começo por aqui, pela
desordem em que decorreu ontem no Campo Pequeno a tradicional ordem das lides.
Compreendo, entendo na perfeição, aceito e respeito - repito, aceito e
respeito - a intenção de Rui Bento de fazer prevalecer o toureio a pé,
sobretudo sabendo-se, como todos sabemos, que mal termina a última pega, o
público desanda e deixa os apeados a falar sózinhos, está farto de acontecer.
Compreendo e entendo que os cavaleiros, os seus apoderados e o próprio director
de corrida não se tenham imposto, como lhes era devido, porque estar no Campo
Pequeno obriga a piar mais fininho e a aceitar o que tiverem que engolir. Lisboa é Lisboa e Lisboa é a capital. Não
sou, nunca fui, antes pelo contrário, defensor das tradições para a eternidade.
No entanto, tenho que reconhecer que existem princípios que são lei e um deles
é o da ordem de lide nas corridas de toiros, novilhadas ou seja o que for,
garraiadas incluídas, que se inicia sempre pela actuação dos cavaleiros. E no
que a isso diz respeito, deixo aqui a minha crítica construtiva: o Campo
Pequeno é a primeira praça do país e uma das primeiras do mundo e deveria, por
isso mesmo, ser a primeira a dar os exemplos. E nunca o contrário. Que foi o
que ontem aconteceu.
Resumindo e concluindo, entendo, aceito
e respeito as circunstâncias que ontem terão motivado esta alteração, até
porque os toureiros a pé eram, na realidade, o prato-forte e o atractivo desta
novilhada, mas também actuavam cavaleiros e forcados e, por uma simples e única
questão de princípio, havia que respeitar a tradição que sempre foi norma das
nossas corridas mistas. Adiante.
Peseiro deu a cara e mesmo colhido, nunca desarmou
Posto isto, venho hoje aqui aplaudir
Diogo Peseiro, que acabou por ser, por infortúnio e azar do promissor
"Juanito", a grande vedeta da
novilhada.
Obrigado a enfrentar três novilhos, o
jovem Peseiro demonstrou - reafirmou, que já todos reconhecíamos os atributos que o têm caracterizado desde que se iniciou - muita decisão, uma enorme vontade de afirmação
(alcançada) e um querer desmedido. Tem ofício, está placeado, apesar de pouco
ter toureado e é um atleta, um verdadeiro atleta, dominador, mandão, com
sentido de lide e argumentos para dar a volta e se impôr, como fez
sobretudo no último novilho, o de Murteira Grave, que não tinha uma investida
franca, era violento, atacava por tarrascadas e acabou rendido ao domínio do
valente novilheiro - que, como fizera há um ano, simulou a estocada sem muleta,
sofrendo impresionante voltareta, mas faz falta que se marque a diferença e ele
marcou-a.
Valente e decidido no primeiro, de
Varela Crujo, que esperou de joelhos à porta dos curros, o arrojado Peseiro voltou a estar "na luta" com o seu
segundo, de David Ribeiro Telles, ambos com qualidade e que lhe permitiram o
desenrolar de variadas faenas. Esteve bem nos tércios de capote e nem sempre
acertado na cravagem das bandarilhas, mas ousado e emotivo, provocando arrepios
nas bancadas. É um toureiro diversificado e com soluções para tudo. E é, acima
de tudo, um toureiro de antes quebrar que torcer. Dos que dão a cara e jamais a
viram a nada. Temos Toureiro!
Diogo Peseiro brindou a primeira faena à
administradora do Campo Pequeno, Drª Paula Resende e também a Rui Bento e ao
Dr. Paulo Pereira; a segunda a Sérgio Nunes, seu companheiro na Academia do
Campo Pequeno; e o terceiro ao público, que lhe agradeceu com calorosa ovação.
"Juanito": classe e
"pinta" toureira
João Silva "Juanito" tem
classe. E muita arte. Está num momento importante, depois de uma triunfal
campanha em Espanha e a sua apresentação no Campo Pequeno motivou muitos
aficionados a vir a Lisboa. Tinha, viu-se, uma falange de apoiantes nas bancadas.
A praça, ontem, registou um terço de entrada e é pena que os (ditos)
aficionados não tivessem acorrido à chamada do Futuro. Os novos valores
mereciam maior entusiasmo em seu redor. Mas nós somos assim... Lamentavelmente.
"Juanito" deu o mote para o
que podia ter sido uma noite em beleza, logo no primeiro novilho da noite, que cabia a Diogo Peseiro, quando interviu num bonito quite de capote, obrigando Peseiro a responder com
uma segunda intervenção, dando mostras de que nenhum deles estava ali para
perder, nem a feijões. Esse primeiro quite prometeu competição, mas depois...
O promissor "Juanito",
elegante, com "pinta" de toureiro e uma muñeca incrível, desenhava
uma bonita faena ao seu primeiro novilho (brindada ao cavaleiro Paulo Caetano,
que foi saudado com forte ovação do público), da estreante ganadaria da Quinta
de Mata-o-Demo, colaborante e de boa investida, quando, ainda sem escutar a
merecida música (o director de corrida ter-se-à atrasado...), ao rematar uma
série com um passe de peito, roçou a mão por uma bandarilha que tinha o arpão
saído e que lhe provocou um corte profundo e lesões em dois tendões.
Quase desmaiou e saíu da arena com a mão a sangrar abundantemente, recolhendo à
enfermaria e depois ao hospital, onde foi operado de madrugada, deixando desta
feita adiada a noite da sua (esperada) glória no Campo Pequeno. Foi azar e foi
pena. Estávamos ali para o ver e para o apoiar, para lhe prestarmos merecido
tributo pela brilhante campanha de novilheiro que este ano fez em Espanha.
Cigano ousado e Parreira "à
Telles"
De novo alterada a (des)ordem de lide, o
quarto e quinto novilhos foram lidados pelos cavaleiros e no final voltou
Peseiro para enfrentar o último. Melhor assim. E desta vez, ninguém arredou pé.
Parreirita Cigano enfrentou um cumpridor
e colaborante novilho de Passanha numa lide emotiva e que brindou a Elisabete
Oliveira, viúva do já saudoso Filipe de Oliveira, cujos filhos Joaquim e João
integram a sua quadrilha. Deu vantagens nos compridos e esteve bem a bregar e a
lidar, destacando-se depois na ferragem curta com cites parados a escassos
metros do novilho e sortes carregadas a vencer o piton contrário, que
resultaram algumas com emoção, mas outras a cilhas já muito passadas, apesar da
boa vontade de fazer as coisas bem feitas. Parreirita é um cavaleiro de alto
risco e dos que põem a carne no assador. A sua actuação teve valor e chegou ao
público.
Francisco Parreira bebeu a água da
Universidade da Torrinha, deixou bem clara a sua admiração pelo toureio
"antigo" quando brindou a António Telles e depois praticou um toureio
de recorte clássico e com pormenores de excelente equitação, com entradas
destemidas à cara do novilho, que pertencia à ganadaria de Canas Vigouroux e
teve excelente comportamento, deixando a ferragem curta cravada com rasgos de
emoção e recortes de grande aprumo, abusando contudo de alguma excessiva
velocidade. Procurou tourear "à Telles" e dá gosto ver um jovem a
enveredar pelo classicismo, há sempre quem goste.
Parreirita e Parreira não estão
afinados, nem toureados, a cem por cento e a pressão de estarem no Campo
Pequeno também terá pesado, mas aproveitaram a oportunidade e demonstraram que,
cada qual em seu estilo, têm uma palavra a dizer no futuro.
Nota alta para os Forcados do Redondo
Por se tratar de um bom grupo e por
comemorar este ano o seu 15º aniversário, o Grupo de Forcados Amadores do
Redondo mereceu estar na Temporada Sensacional do Campo Pequeno, ainda que na
novilhada - e Rui Bento deixou a promessa de que no próximo ano regressaria em
corrida formal.
O valente e consagrado Rui Grilo teve a
amabilidade de me brindar a primeira pega da noite. Justificou assim a decisão
do grupo: "Pelo muito que tem feito em prol da Festa de Toiros e pelo
grande apoio que sempre nos tem dado". E quando disse "nos",
penso que não se referia apenas e exclusivamente ao seu grupo de forcados, mas
aos Forcados em geral. Não sei se mereço ou não a honraria que me dedicaram
ontem, nem me compete a mim avaliá-lo. Mas orgulha-me ser brindado por Forcados
na primeira praça do país, como forma de reconhecimento pelo apoio que sempre
aqui (e noutras publicações) dei e continuarei a dar à Forcadagem. Nunca tive,
ao contrário do que possam pensar alguns, nenhuma guerra, muito menos
animosidade alguma, com Forcados. Pelo contrário - e para que conste. Doa lá a
quem doer (e deve ter doído...), a verdade é esta - e só esta. Obrigado pelo
brinde.
Rui Grilo pegou brilhantemente à
segunda, depois de na primeira tentativa o novilho o ter positivamente
despejado quando a pega estava praticamente consumada. Esteve elegante a citar
e toureiro a recuar, fechando-se com a decisão costumeira - é um Forcado de
eleição.
A segunda pega, brindada à empresa do
Campo Pequeno, foi executada à primeira, com perfeita técnica, pelo novo cabo
Hugo Figueira, outro nome grande dos Amadores do Redondo. Nas duas
intervenções, o grupo esteve sempre coeso e pronto nas ajudas, demonstrando o
bom momento que atravessa. Foi uma passagem honrosa pela primeira praça do país
- merecida, no ano em que cumprem o seu 15º aniversário.
João Cantinho foi ontem o director de
turno, desempenhando com rigor e aficion a sua função. Esteve assessorado pela
médica veterinária Drª Francisca Claudino.
E venha a Gala da próxima quinta-feira,
última corrida da mais fantástica temporada lisboeta desde que a praça foi
reaberta.
Fotos Emílio de Jesus/fotojornalistaemilio@gmail.com