Praça quase cheia ontem no Campo Pequeno para ver três veteranos: Moura, Salvador e Rouxinol. Que ainda "mexem"... e de que maneira! |
Moura: ainda e sempre, o primeiro! |
Rui Salvador não atingiu o êxito sonhado, mas comemorou com a maior das dignidades o 35º aniversário da sua alternativa |
Rouxinol reforçou, sem precisar de provar nada a ninguém, o seu estatuto de grande figurão do toureio |
Podem vir mais 40 anos que não vai nunca aparecer, nem aqui nem noutro planeta qualquer, um génio como João Moura. E não foi só a atitude de "niño prodígio", outra vez, com a sorte de gaiola. Foi tudo. Marcou a diferença numa noite que voltou a ser de glória para Luis Rouxinol e na qual Rui Salvador comemorou com a dignidade de sempre, mas sem o êxito sonhado, os seus 35 anos de alternativa. Bravos e exigentes, à excepção do quinto, os toiros de Veiga Teixeira impuseram até ao último momento a seriedade e a emoção que é preciso haver na Festa. A forcadagem passou as passas do Algarve...
Miguel Alvarenga - Campo Pequeno, quarto toiro. Um Veiga Teixeira, que é o mesmo que dizer, um toiro para homens de barba rija. Rouxinol triunfara forte no toiro anterior, antes do intervalo que já não existe, mas que o público celebra na mesma, indiferente aos avisos da empresa. Entrou João Moura. 41 anos de alternativa, mais de 50 de glória, 60 de vida. E a mesma raça dos tempos primeiros, a mesma vontade de provar o que já não precisa de provar a ninguém neste mundo. Praça em silêncio, público surpreendido com o gesto do Maestro, sózinho no centro da arena, à espera do toiro para o receber com uma sorte de gaiola. Se Rouxinol triunfara, Moura não podia ficar atrás, indiferente ao risco, à forma como sairia o Veiga Teixeira dos currais, como se tivesse ainda que se afirmar, como se andasse à procura de um lugar ao sol, ele que mandou na Festa e que ainda guarda forças, moral e uma dose tremenda de genialidade para mandar outra vez sempre que quer. Incrível!
O primeiro, bravo e exigente toiro de Veiga Teixeira lidara-o ele com a sua maestria de sempre, as distâncias milimétricas, respondendo com sabedoria à exigência do oponente, lidando na perfeição. No segundo, deu uma lição monstra de toureio, de experiência, de classe e de arte. Como se tivesse outra vez 16 anos, como se estivesse ainda em Madrid naquela tarde mágica de Las Ventas com o "Ferrolho", quando deixou a Espanha inteira a falar dele e da hora em que um menino franzino vindo de Portugal acabara de virar ali a mais importante das páginas da história do toureio a cavalo.
Tem obrigatoriamente e para seu bem que fazer rapidamente e em força uma dieta. Os fantásticos bifes "à Galeto" e o geladinho que desde miúdo ali comia com seu pai (escusavas de ouvir isto, João, mas é para teu bem... e nosso, que precisamos de ti!) vão ter que ser esquecidos para todo o sempre. Mas a realidade é que com bifes ou sem eles, com gelados ou sem gelados, ele chega à praça, agiganta-se e acontece sempre o que aconteceu ontem na corrida que todo o país viu pela TVI. E o resto vão ser sempre cantigas...
Podem vir mais 40 anos que não aparecerá nunca, neste ou noutro planeta qualquer, um génio e um toureiro como João Moura. Tenho dito.
Agora os toiros. Exceptuando a "ovelha negra" que foi o quinto, afinal às vezes há "quinto mau", reservado, manso, parado, sem investida e que no final se deitou assim como que a dizer ao forcado "vai chatear outro" (cena triste e degradante, ainda para mais numa corrida televisionada, que em nada abona a favor da Festa e apenas vem dar mais argumentos aos PAN's & Companhia...), os toiros de Veiga Teixeira - como sempre, aliás - impuseram seriedade e emoção, não foram fáceis (mas os toiros bravos não são nunca fáceis, esse é o segredo da essência deste espectáculo de risco e valentia) e proporcionaram um ambiente de emoção, de expectativa, de angústia mesmo, até ao último segundo.
Toiros complicados. Pela sua bravura, pela sua raça e pela sua transmissão. Toiros que fizeram os forcados passar as passas do Algarve e que, por norma, não agradam aos toureiros. Mas a Festa não é coisa de meninos. E é precisamente esta emoção e esta angústia que provocam nas bancadas - e não apenas nas bancadas... - que fazem do espectáculo tauromáquico um espectáculo único e onde se joga a vida a fugir da morte. Quando as coisas não forem assim, fechem as portas e apaguem a luz, que isto acaba.
O ganadero merecia ter dado volta à arena e esse esquecimento por parte da direcção da corrida terá constituído a única nota negativa da nocturna de ontem, a sétima da temporada lisboeta. De resto, foi tudo em grande: a afluência de público, que preencheu três quartos fortes da lotação; a verdade dos toiros; a raça dos toureiros e o valor dos forcados.
Voltando aos toureiros: Rui Salvador comemorou com a dignidade de sempre o 35º aniversário da sua alternativa - que verdadeiramente se celebra hoje, dia 9 de Agosto. Foi homenageado pela empresa ao início da corrida e foi homenageado depois pelo público ao longo das suas lides, que não tiveram o êxito sonhado, mas se pautaram indiscutivelmente pelo grande profissionalismo e pela honestíssima entrega com que sempre o cavaleiro de Tomar está em praça, seja em que cenário e em que circunstâncias for.
Há que reconhecer, antes de mais, o valor de Salvador ao aceitar vir a Lisboa festejar a sua efeméride com toiros deste calibre, sabendo ele de antemão que já passaram trinta e cinco anos desde o seu arranque e que não tem hoje, nem de longe, nem de perto, um cavalo igual aos muitos que a seu lado fizeram história.
O segundo toiro da noite era bravo e pedia contas. A lide teve altos e baixos e no fim Rui Salvador recusou dar a volta à arena, apesar de autorizada pelo director de corrida João Cantinho. O seu segundo toiro foi o tal "quinto mau", manso, parado, sem forças, sempre a escorregar e a cair (o piso também não estava ontem famoso...). Rui empenhou-se e a lide foi esforçada, mas o toiro, decididamente, não se empenhava e não investia. O público acarinhou o toureiro em nome de uma trajectória que nos merece o maior dos respeitos.
Luis Rouxinol foi outra loiça. Reforçou, sem já ter nada que provar a ninguém, o seu estatuto de figurão do toureio e foi indiscutivelmente e no conjunto das duas actuações o grande triunfador da corrida.
Os Veigas Teixeira são toiros ideais para a bravura de um toureiro como Rouxinol. A primeira lide, com um toiro que tinha teclas e pedia o B.I. ao toureiro, foi um verdadeir estrondo. Luis galvanizou o público, pôs a carne no assador, esteve simplesmente magistral e deu, como sempre, contas da sua capacidade de grande lidador.
No sexto, outro toiro sério e bravo, aguentou sem bandarilheiros na arena as fortíssimas investidas iniciais, falhou dois ferros curtos sem se perceber porquê (ou bateram nos compridos ou qualquer coisa ali não bateu certa...) e a seguir encastou-se, fez-se gigante e viveu uma noite louca de emoções, com a praça em permanente delírio, pela brega, pela eficiência na escolha de terrenos e distâncias, pela maestria e pela emoção que pôs em tudo o que fez. Terminou com um imponente par de bandarilhas e ainda um ferro de palmo, deixando o ambiente a ferver.
Bem, na generalidade, as quadrilhas dos cavaleiros. Mais discreta no que toca a capotazos a de Rouxinol, mais intervencionistas as de Moura e Salvador, Compreensível.
Os forcados, como já aqui destaquei mais pormenorizadamente, viveram uma noite agitadíssima e complicada. Com toiros destes não se brinca.
O Grupo de Tomar, um grupo com tanta história e que esta noite vira mais uma página na sua praça, teve uma intervenção louvável, sobretudo pela coesão aque evidenciou nas ajudas, mas principalmente pela excelente intervenção dos dois forcados que pegaram, Ricardo Silva à segunda e Luis Campino à primeira.
O Grupo de São Manços não esteve ontem à altura do desafio com os Teixeiras, nem atingiu o brilhantismo a que nos tem habituado. O valoroso Jorge Valadas dobrou o valente Pedro Fonseca e ao todo foram quatro as tentativas para pegar o segundo toiro da noite, que acabou apenas e só por ser "agarrado" sem pena nem glória. E o cabo João Fortunato, um grande forcado, não pôde brilhar com o "quinto mau", que não pegou à primeira e acabou depois por pegar à segunda, sem emoção, quando o toiro se resolveu por fim a marrar...
O Grupo das Caldas da Rainha tem grandes forcados de cara e um bom rabejador (Duarte Palha), mas o resto não existe. Os ajudas, estarem lá ou não estarem, significou o mesmo. O terceiro toiro foi heroicamente pegado pelo cabo Francisco Mascarenhas à quarta, acabando por sair lesionado e com uma fractura na perna. E o último foi magistralmente pegado por Lourenço Palha, sózinho e apenas com a ajuda do rabejador. Valeu, nesta que foi a grande pega da corrida, a raça, o valor, a vontade e a decisão de Lourenço Palha. Mais nada.
Margarida Vitória Ferreira, da direcção da TVI, assistiu à corrida e foi brindada por João Moura e pelos Forcados de São Manços.
E foi isto que aconteceu ontem no Campo Pequeno. Numa temporada que está a ser marcada, como a anterior, pela seriedade dos toiros.
Fotos Maria Mil-Homens