Melhor era mesmo impossível. O Campo Pequeno encerrou ontem a sua temporada com lotação esgotada, transmissão televisiva e um ambiente a lembrar os tempos antigos, uma corrida séria e de alta qualidade de António Raúl Brito Paes e triunfos apoteóticos dos seis cavaleiros e dos dois grupos de forcados. A época fechou com chave de ouro. Agora o futuro do Campo Pequeno é uma incógnita. Mas haja o que houver, é importante que saibamos honrar e louvar todo o trabalho levado a cabo primeiro pela Família Borges, depois por Paula Resende - e sempre por Rui Bento
Miguel Alvarenga - O que a partir de ontem vai acontecer é ainda uma incógnita. A adjudicação do Campo Pequeno pode mudar de mãos, a equipa de Tauromaquia que tão brilhantemente teve aos comandos nos últimos anos Paula Mattamouros Resende e Rui Bento - e anteriormente a Família Borges, há que recordá-lo com toda a justiça - pode ou não continuar e o número de espectáculos tauromáquicos pode manter-se ou diminuir. Tudo pode acontecer e os próximos meses, até final do ano, ditarão o futuro. Que é também o nosso - o de todos os aficionados.
E haja o que houver, que todos saibamos enaltecer, louvar e aplaudir o trabalho desta equipa brilhante - que não foi fácil, mas foi grande e deixa marcas. Oxalá continue.
Foi com alguma nostalgia, mas nenhuma apreensão, que toda a equipa se reuniu ontem à noite, depois da corrida, num histórico jantar no Restaurante "Rubro", depois do enorme e marcante sucesso que foi a última corrida da temporada. Com lotação esgotada, honras de belíssima transmissão televisiva realizada pelo histórico Manuel Rosa Pires e um ambiente a lembrar os tempos de ouro, com triunfos apoteóticos dos seis cavaleiros, dos dois grupos de forcados e da ganadaria - com todos os toiros, mesmo os dois menos "participativos" (o primeiro de Prates e o quinto de Ana Rita) a virem a mais e a crescerem ao longo das lides. Triunfo indiscutível da ganadaria de António Raúl Brito Paes - seis toiros com imensa transmissão, notável qualidade e fantástica apresentação, seis estampas.
O que vou escrever a seguir é apenas e só uma (desnecessária, creio, porque todos viram ontem a corrida pela televisão) análise do que senti e do que vivi na praça, naquele ambiente fantástico e com aqueles triunfos memoráveis.
António Prates confirmou com a maior e nais bonita das dignidades a sua alternativa e reafirmou que não chegou aqui para ser apenas mais um. Lidou o primeiro toiro, depois da habitual cerimónia de confirmação da alternativa - acto imposto, e bem, aos cavaleiros, como sucede em Madrid com os matadores, pela equipa que geriu o Campo Pequeno desde a sua reinauguração. O toiro, meio distraído de início, foi vindo a mais e Prates lidou-o de forma ousada e empolgante, denotando já alguma maturidade e muita segurança. Actuação empolgante e que deu o mote para o que viria a ser uma noite triunfal para todos.
Seguiu-se António Ribeiro Telles, que no final do cortejo evocativo das touradas reais foi aclamado por todo o público quando recebeu o Galardão Prestígio 2019 outorgado pela empresa da primeira praça do país e que ontem consagrava não apenas uma carreira de glória mas também o facto de António ali estar pela centésima vez naquela arena desde que tomou a sua alternativa.
Lide "à António", memorável, em crescendo de ferro para ferro, com a maestria que dá gosto ver e nos enche as medidas por todos os pormenores que o Mestre ali desenha, como se fosse um pintor. Assim se toureia! E não há palavras que o descrevam. Esteve simplesmente enorme!
Rui Fernandes acabara de ser pai pela segunda vez, tivera uma semana de mil emoções, toureava (apenas...) a sua quinta corrida da temporada em Portugal, depois dos recentes e brutais triunfos em Almeirim e na Chamusca e de uma época recheada de esplendor em Espanha - e chegava ao Campo Pequeno com as ganas de um miúdo e para mostrar o que vale. Que é muito - e todos lhe reconhecemos isso. Sózinho ficou no centro da arena, esperando o toiro - que foi o toiro da noite e proporcionou depois merecida honra ao ganadero de volta à arena - para uma emotiva sorte de gaiola, a que se seguiu uma lide a todos os títulos memorável. Rui é um toureiro dos primeiros, um caso dos mais notáveis nas últimas duas décadas do toureio nacional e está num momento de uma tremenda segurança, confiança, maturiade - que também quer dizer consagração. A praça ia vindo abaixo!
João Moura Caetano toureava este ano pela primeira vez em Lisboa e depois de ter refeito a sua quadra, na sequência da perda de dois dos seus melhores cavalos no ano passado, o que o deixou compreensivelmente menos seguro no início da época e o levou a assumir a opção de recusar as corridas para que no princípio a empresa o convidara. Tudo se alterou a meio da temporada com a aquisição dos magníficos cavalos "Campo Pequeno" e "Baco" e Caetano está de novo em alta e no seu melhor - como ontem se viu. A suavidade e o temple com que toureou com o "Campo Pequeno" foram momentos de uma rara beleza e perfeição que o público premiou com calorosas e explosivas ovações. Caetano chegou este ano tarde à capital - mas veio mais que a tempo.
Ana Rita estava neste cartel por todo o seu mérito. E louve-se a empresa pela oportunidade que lhe deu e pela justiça que lhe fez. A pontuar todas as tardes em arenas de Espanha, a jovem cavaleira pôde ontem demonstrar a todos os portugueses as razões porque está classificada entre os dez primeiros cavaleiros no escalafón (ranking) espanhol. O seu toiro, com mais de 600 quilos, como quase todos, foi o menos fácil e o que menos permitia, mas a toureira, com o ofício e o traquejo ganhos nas suas campanhas do outro lado da fronteira, deu-lhe a volta e acabou com o público completamente rendido à sua entrega, à sua ousadia e à sua graça. Toureira de raça, toureira de valor.
Luis Rouxinol Júnior fechou a temporada lisboeta com mais uma actuação apoteótica e a confirmar o estatuto de figura que alcançou em tempo recorde - pelo seu valor. Não me lembro, nos últimos anos, de um toureiro atingir os patamares a que ele chegou em apenas dois anos de alternativa. É um toureiro sólido, confiante, tranquilo - e que empolga tudo e todos. Toiro sério e exigente, toureiro maduro e marcante, dos que fazem história, dos que não viram nunca a cara, dos que arriscam e levam sempre a melhor. Triunfo importante a fechar uma das melhores corrida da temporada.
Os forcados de Montemor e do Aposento da Chamusca, como já aqui referi anteriormente, protagonizaram também uma noite de enorme sucesso - e de plena consagração. E, convém não esquecer, a parada estava muito alta nesta praça depois do triunfo anterior do Grupo de Lisboa na última nocturna. Os dois grupos estiveram à altura e no final, quando atravessaavam a arena, o público reconheceu isso mesmo nas calorosas ovações com que os despediu.
Foi boa, com bom senso, com justiça e com o rigor que se exige na primeira praça do país, a direcção de Tiago Tavares, que esteve ontem assessorado pelo médico veterinário Jorge Moreira da Silva.
E termino como comecei: haja o que houver, venha que futuro vier, os últimos anos do Campo Pequeno ficarão para sempre marcados pelo cunho que lhes foi imposto pela "Dama de Ferro" Paula Resende e pela seriedade e justiça com que Rui Bento e toda a sua equipa estiveram aos comandos de um barco cujo rumo nem sempre esteve facilitado e algumas vezes enfrentou algumas tempestades. Mas eles conseguiram sempre dobrar todos os Cabos das Tormentas. E o Campo Pequeno voltou nos últimos treze anos a ser o grande fiel da balança e o maior dos palcos da Tauromaquia nacional. Oxalá assim continue. Para bem de todos - e sobretudo e principalmente da Festa.
Fotos Frederico Henriques/@Campo Pequeno