segunda-feira, 7 de outubro de 2019

Perfume sevilhano de Dias Gomes, o valor de Casquinha e a raça dos Rouxinóis em tarde acidentada na "Palha Blanco"

David Antunes com seu filho e seu tio Dário Venâncio, no momento em que se
homenageava o 60º aniversário da alternativa do Maestro José Júlio, que por
motivos de saúde não pôde estar presente, mas se fez representar por estes
familiares, também eles destacados toureiros de Vila Franca
Maestria de Luis Rouxinol impôs-se na (meia) lide do quarto toiro, de grande
qualidade e que se viria a inutilizar também, como o primeiro
O exigente público de Vila Franca rendeu-se por completo ao toureio de valor
e de arte de Luis Rouxinol Jr em plano de figura - um grande toureiro que se
afirma e consolida de tarde em tarde, a viver temporada brilhante
João Luz consumou à segunda tentativa a única pega dos Amadores de Vila
Franca
Grande tarde de Manuel Dias Gomes. Duas faenas distintas, de grande valor
e sobrada arte, a reafirmar a classe, o temple e o poderio que são apanágios
do seu toureio de bom gosto. Dois recitais
Nuno Casquinha foi violentamente colhido pelo segundo toiro da tarde, terminou
a faena e recolheu à enfermaria, de onde só regressou (foto de cima) para
tourear o seu segundo toiro, sexto da corrida. O matador sofreu apenas lesões
musculares
O primeiro toiro de Palha, que estava a ser lidado a duo pelos Rouxinóis,
partiu o corno direito ao embater violentamente contra as tábuas e foi recolhido
sem levar ferros curtos e sem ser pegado. O quarto (foto de baixo), escorregou
na arena quando perseguia o cavalo de Luis Rouxinol (pai) e lesionou-se na pata
direita, sendo também devolvido aos currais sem ser pegado e sem que o
cavaleiro terminasse a sua triunfal actuação. Pena, porque eram dois toiros
de grande qualidade


O matador Nuno Casquinha sofreu violenta colhida (felizmente sem consequências de maior) e dois toiros inutilizaram-se a meio das actuações dos cavaleiros. Tarde acidentada, mas nem por isso de menor interesse, ontem em Vila Franca. O (difícil) público da "Palha Blanco" rendeu-se ao valor e à arte dos Rouxinóis e Manuel Dias Gomes esteve em grande, reafirmando a classe do seu belíssimo toureio. Os forcados de Vila Franca fizeram só uma pega. No final o público protestou, queria mais um toiro. Mas nada obrigava a isso

Miguel Alvarenga - Em dia de eleições e com mais uma vitória clara e estrondosa da abstenção, os aficionados "votaram" pela Tauromaquia e preencheram mais de dois terços das bancadas da praça "Palha Blanco", em Vila Franca de Xira.
Exigentes, duros, a pedir contas, a "meter mudanças", os toiros da ganadaria Palha não foram fáceis - mas os toiros não têm que ser fáceis, antes pelo contrário. Os toureiros estiveram à altura da seriedade dos exemplares da Adema. Houve toiros aplaudidos e, pela verdade e pela emoção, o ganadero merecia ontem ter tido um reconhecimento especial. Mas ficou esquecido na barreira...
Dois toiros das lides a cavalo inutilizaram-se durante as actuações e por isso os forcados de Vila Franca fizeram ontem uma única pega, ao quinto toiro da tarde, à segunda, por João Luz.
O primeiro toiro da tarde, de nota alta, partiu um corno ao embater violentamente contra as tábuas, quando Luis Rouxinol e seu filho Luis Rouxinol Júnior já tinham cravado quatro ferros compridos (a corrida abriu com a lide a duo).
O quarto, também um toiro belíssimo e que Luis Rouxinol estava a lidar em clima de verdadeira apoteose, partiu uma pata quando escorregou na arena num momento em que perseguia o cavalo e recolheu também aos currais. Não foi pegado também. No final, pelo brilhantismo da sua (meia) lide, Rouxinol foi muito justamente premiado com a volta à arena e o público esteve com ele.
No quinto - que felizmente nada sofreu e chegou ao fim sem se aleijar também, permitindo aos forcados a única pega da corrida - Luis Rouxinol Júnior teve uma actuação empolgante, reafirmando a solidez e a maturidade do seu toureio, destacando uma vez mais a sua consagrada postura de figura.
Na segunda temporada como cavaleiro de alternativa, o jovem Rouxinol continua a evidenciar uma segurança tremenda e a transmitir uma imagem de toureiro feito, como se já tivesse para trás uma mãos cheia de anos de profissionalismo. Esteve simplesmente enorme e o público (complicado, conhecedor e exigente) de Vila Franca rendeu-se por completo à sua arte - que é imensa e se afirma cada vez mais consolidada. Grande toureiro!
No que ao toureio a pé diz respeito, os momentos maiores da tarde foram ontem de Manuel Dias Gomes. Fantásticas e bonitas as lides de capote, deixando na arena aquele perfume sevilhano que caracteriza o bom gosto do seu toureio. Com a muleta, teve duas faenas distintas. A primeira de uma arte profunda e de uma beleza rara, com um toiro sério que ele dominou e hipnotizou em momentos de grande esplendor. A segunda foi uma faena de muita seriedade e mando a um toiro difícil, complicado e perigoso. Manuel esteve grande, conseguindo passes de muito mérito e recortes "pintureros" de arte e de classe. Faena de valor. Deu volta aplaudida no seu primeiro toiro e ficou-se depois entre tábuas no segundo, quando os ânimos do público já estavam exaltados e se protestava nas bancadas exigindo mais um toiro.
Presumo que o público queria os Rouxinóis a duo outra vez, mas o toiro que partiu o corno já tinha levado quatro ferros compridos e o Regulamento é muito claro quando decreta que um toiro que se inutiliza depois de já ter levado um ferro não obriga a que seja substituído por nenhum sobrero. O público não tinha, por isso, razão alguma para protestar e muito menos para exigir mais um toiro. A empresa podia, como já tem acontecido em ocasiões semelhantes, oferecer a lide do oitavo toiro (sobrero), poder podia, mas a hora já ia tardia (sete toiros, mais o tempo que o quarto levou a recolher...) e, convenhamos, os tempos não estão para andar a oferecer (e a pagar) mais toiros...
Nuno Casquinha ontem não teve sorte. O segundo toiro da tarde procurou colhê-lo desde o primeiro instante e acabou por fazê-lo quando já o matador toureava de muleta. Bandarilhou com o poderio costumeiro e iniciou a faena com entrega e vontade, mas a colhida aconteceu, violenta, brutal. Nuno saíu combalido, abreviou a faena e depois recolheu à enfermaria, de onde só saíu já no final da corrida para lidar o sexto toiro. Sofreu, segundo soubemos, lesões musculares, nenhuma fractura, mas mesmo assim veio lidar o seu segundo toiro visivelmente diminuído.
Esteve valente, é um lutador nato, um guerreiro, um toureiro de poder. Está toureado e placeado pela honrosa e gratificante luta que continua a travar no Peru - e isso tem imenso valor. Faena de plena entrega e de esforço - e o público esteve com ele, reconhecendo isso mesmo, o seu valor, as suas ganas. E sobretudo o gesto de, mesmo lesionado, não ter deixado de dar a cara. Deu uma volta à arena. A segunda, por conta própria e sem que o director de corrida tivesse levantado um dedo para a impedir, foi excessiva - e injustificada.
Tarde grande dos bandarilheiros. Dois grandes pares do enorme João Ferreira e outro de João Martins no primeiro toiro de Manuel Dias Gomes, com ambos a receber grande ovações de montera em mão. Mais outro grande par de João Martins no segundo toiro de Dias Gomes e dois mais regulares de Pedro Noronha. Casquinha não bandarilhou o seu segundo toiro e o tércio foi brilhantemente preenchido por André Rocha e pelo recordado "Chamaco", que foi novilheiro moitense promissor. Aplausos para todos eles.
A corrida era de homenagem ao Maestro José Júlio pelos seus 60 anos de alternativa, mas problemas de saúde (nada de grave, graças a Deus) impediram-o de estar presente. Mandou mensagem de gratidão e prometeu que na próxima ocasião já vai estar. Ao início da corrida, o presidente da Câmara de Vila Franca, Alberto Mesquita, esteve na arena a render tributo ao Maestro, que ali esteve ontem representado por seu irmão, Dário Venâncio e por seu sobrinho David Antunes, que se fez acompanhar de seu filho, futura estrela do toureio a pé.
Ricardo Dias dirigiu a corrida, assessorado pelo médico veterinário José Manuel Lourenço. Dirigiu com rigor e com seriedade, só dando música nos momentos certos. Menos rigor e menos seriedade quando permitiu a Casquinha a segunda volta à arena. Mas pronto, por mais injustificada que tenha sido (e foi), vamos aceitá-la, apenas e só, em nome da justiça que é preciso fazer a este toureiro em reconhecimento pela luta que anda há anos a travar nos confins do mundo, em praças distantes de hospitais e onde o risco é imenso em caso de acontecer qualquer fatalidade.
Mas ontem quem merecia as duas voltas era Manuel Dias Gomes e Luis Rouxinol Júnior. Foram eles a arte. Foram eles a afirmação.

Mais logo, todas as fotos: os Momentos da tarde.

Fotos M. Alvarenga