terça-feira, 18 de fevereiro de 2020

Campo Pequeno: um escândalo e 12 perguntas que não ofendem ninguém



Perguntar nunca ofendeu e já que ninguém se digna dizer nada sobre o que se está a passar e o que se vai passar no Campo Pequeno, mantendo esta inacreditável e cada vez mais sombria incógnita quanto ao futuro da primeira praça de toiros do país, catedral da tauromaquia lusa há 128 anos, vamos aqui deixar algumas questões. Pode ser que um dia alguém se digne elucidar-nos…

1 Desde que há seis anos foi decretada a insolvência da anterior sociedade, a SRUCP, que geria a praça do Campo Pequeno, sabe-se (ou pensa-se, porque nunca ninguém o esclareceu, como se impunha) que houve dois concursos (públicos, mas pelos vistos demasiado privados) para a venda da sociedade. Até hoje, nunca ninguém divulgou, como é usual fazer-se em qualquer concurso público, qual era o caderno de encargos e, sobretudo, quem foram e quanto ofereceram as empresas que se candidataram. Sabe-se agora que a concessão do Campo Pequeno foi vendida a Álvaro Covões, mas ninguém sabe quem foram os outros concorrentes. Porquê tanto mistério e tanta falta de clareza num processo que deveria ter sido público e transparente? Podem esclarecer-nos?

2 A quem coube a decisão final quanto ao vencedor do concurso e porque razão Álvaro Covões foi o eleito? À Administração da Insolvência, ao BCP ou à Casa Pia? Quem decidiu e porque decidiu nesse sentido? Não pomos, de modo algum, em causa a idoneidade, a seriedade e a experiência de Álvaro Covões como grande e consagrado empresário que é, mas gostávamos de saber quem concorreu com ele e as razões que levaram a ser ele o eleito.

3 Em Espanha, ninguém se pode candidatar à gestão de uma praça de toiros sem ter, para trás, um currículo que prove experiência na gestão de outras praças. Bem sabemos que Portugal não é Espanha, mas o que pesou na venda da exploração de uma praça de toiros, ainda para mais a primeira do país, a um empresário não taurino? E alguém, ProToiro ou qualquer outra instituição, alguma vez abordou os concorrentes quanto às suas intenções sobre a continuidade das corridas de toiros no Campo Pequeno? Ou foi um concurso “à balda” onde ninguém teve em consideração o facto de se tratar de uma praça de toiros, construída para dar touradas, correndo-se o risco de um dia se vir a desvirtuar o principal objectivo para que foi edificada?

4 Sempre se falou, ou constou, num valor de 91 milhões de euros como preço efectivo a pagar pela compra da sociedade do Campo Pequeno. Sabe-se também que há poucos anos um empresário tauromáquico terá abordado o BCP e oferecido 50 milhões, o que foi recusado. Covões comprou por cerca de um terço do valor real, por 36 ou 37 milhões. Por que razão não houve da parte de pessoas ligadas ao meio taurino interesse em se juntarem e comprarem a sociedade, que pelo menos teria ficado em “boas mãos” (de taurinos), não pondo em risco tudo o que agora está a ser realmente posto em risco? Ou pensavam todos que o valor continuava a ser 90 milhões e ninguém esclareceu os potenciais interessados de que, afinal, podiam "comprar" o Campo Pequeno por um terço desse valor?...

5 Sabe-se também que a empresa Springwater, proprietária da Top Atlântico e que também está na gestão da Monumental de Madrid, teve interesse na compra e negociou mesmo com o BCP durante quase um ano, nunca tendo logrado atingir os seus objectivos. Porquê?

6 O que se passa concretamente agora e porque razão ninguém informa nada? A providência cautelar interposta pelo anterior administrador João Borges suspende realmente o negócio e Álvaro Covões vai ter que aguardar pela decisão do Tribunal do Comércio para iniciar a sua actividade empresarial no Campo Pequeno?

7 Se o Tribunal der razão a João Borges, a venda é anulada e volta tudo à estaca zero? Voltam os Borges, mantém-se a administradora da insolvência Paula Resende a gerir a praça ou o Tribunal nomeia uma Comissão de Gestão?

8 Se isso acontecer, quem enganou Covões? Ou melhor: Álvaro Covões, Pires de Lima e Sérgio Monteiro, empresários com larga experiência no mundo dos negócios, não tinham conhecimento dos processos judiciais interpostos pela Família Borges? Não sabiam que estavam a comprar uma sociedade onde mais tarde ou mais cedo surgiriam estes problemas? Se não sabiam, foram enganados e terão que ser indemnizados. Se sabiam, é estranho que tivessem avançado no negócio mesmo assim...

9 Tudo isto são questões pertinentes e que, a serem esclarecidas, afastariam de uma vez por todas as mil e uma suspeitas que rodeiam todo este processo e que até a eurodeputada Ana Gomes já veio a público questionar. Pergunta-se: porque continuam todas as partes em silêncio?

10 Diz-se agora que está em curso uma investigação do Ministério Público à gestão da insolvência. E que a mesma já decorre há alguns meses e não apenas depois das suspeitas levantadas por Ana Gomes. Paula Resende, a administradora da insolvência, já esclareceu que não é arguida, mas sim testemunha nesse processo. Quem são então os arguidos e que razões motivaram a entrada em cena do Ministério Público?

11 E agora o que realmente mais nos importa: Álvaro Covões, se continuar, se o negócio não for anulado pelo Tribunal, não vai promover corridas de toiros, já disse que o seu negócio é a música. Mas não se pode esquecer de que comprou uma praça de toiros - que é um espaço utilizado há 128 anos para dar precisamente corridas de toiros. Vai subarrendar datas a vários empresários, a um só? E porque razão ainda não se sentou à mesa com Rui Bento, o anterior gestor taurino da praça que a dirigiu nos últimos 14 anos?

12 E para terminar: sabe-se, não é novidade para ninguém, que qualquer processo em Tribunal, neste país, se arrasta tempos sem fim. Se não houver nenhuma decisão judicial nos próximos meses, o Campo Pequeno fica mesmo sem touradas este ano? O Dia da Tauromaquia vai ser mesmo o único festejo de 2020 na primeira praça do país? E ninguém reage, mesmo depois de se perceber que estamos mesmo a ficar com a corda no pescoço?… Cruzam todos os braços e deixam andar, que seja o que Deus quiser?…

Foto Guilherme Alvarenga