domingo, 6 de setembro de 2020

Três toureiros importantes marcaram noite triunfal na Nazaré

Triunfo memorável de Marcos Bastinhas, confirmação plena do grande momento de Duarte Pinto e "ferros explosivos" de Francisco Palha marcaram a noite de ontem na carismática praça de toiros da Nazaré. Onde a Festa se vive, de facto, de outra maneira e com um sabor tão diferente. Nota alta para os toiros da ganadaria Passanha

Miguel Alvarenga - Disse um dia o grande Joselito e está perpectuada a sua frase num painel de azulejos na praça espanhola de El Puerto de Santa Maria, que "quem nunca viu toiros em El Puerto não sabe o que é um dia de toiros". E agora digo eu, digo-o há muito, que quem nunca viu toiros na Nazaré não sabe o que é o verdadeiro calor da Festa. Mestre Núncio chamava-lhe "o alguidar", pelas reduzidas (e às vezes assustadoras) dimensões da arena, a mais pequena do país. Marcos Bastinhas chamou-lhe "o vulcão", exactamente pelas mesmas razões: arena mínima e estrutura da praça e das bancadas a fazer lembrar mesmo um vulcão. O público está "em cima" dos toureiros, o ambiente é diferente de qualquer outro.

A carismática praça do Sítio, onde o público também é sempre diferente e vai à corrida para desfrutar e se divertir, mas com conhecimento de causa, não é um público folclórico, é entendido e exigente, foi ontem palco da sua segunda corrida do ano e última. Temporada reduzida a dois espectáculos por obra e (des)graça da pandemia - que foram um sucesso artístico e de público - e que se realizaram pelo empenho de Rui Bento, numa parceria com António Nunes, aos quais se deve o facto de a Nazaré não ter ficado este ano, como outras praças ficaram, fechada e sem corridas.

Com temperatura amena - menos frio que o costume, embora o Verão ali seja sempre Inverno... -, a corrida de ontem resultou agradável e demorou pouco, como agora, felizmente, decorrem todas. Se há males que vêm por bem, repito, a pandemia reduziu a duração dos espectáculos tauromáquicos ao seu essencial - e ainda bem.

Cortesias mais rápidas e suficientes. Oxalá assim continuem para lá da pandemia. Fim das voltas à arena. Basta como estão agora. O público aplaude, toureiro e forcado agradecem e ficamos por ali, sem voltas e voltinhas, tantas vezes exageradas e demoradas. Não há intervalo. E na trincheira está só quem tem mesmo que estar, acabaram-se as enchentes e os curiosos que adoravam pavonear-se entre tábuas e ser vistos por todo o mundo para dar a entender que se estavam ali era porque eram pessoas importantes...

Andaram tanto tempo a discutir o porquê da excessiva duração dos espectáculos tauromáquicos e a tentar encontrar formas de a reduzir e, afinal, veio a pandemia e resolveu-se tudo. Há males, insisto, que vêm por bem.

Só continuo a considerar um verdadeiro escândalo - escândalo mesmo - o desrespeito que as novas normas têm pelos Forcados. São os únicos que se sujeitam ao teste da covid-19, são os únicos que, pela lógica (que muitas vezes é uma batata e aqui é mesmo um batatão...), ali poderiam estar em segurança. E, mesmo assim, são os únicos que entram e saem da trincheira, obrigados a permanecer no exterior quando se lida o toiro cuja pega lhes não compete. Já é tempo de a IGAC pôr fim a esta norma sem senso, sem lógica e, sobretudo, sem qualquer razão de ser e sem o mínimo respeito por quem tanto o merece.

Tenho dito - e vamos à corrida de ontem. Toiros da triunfadora ganadaria Passanha que, não tendo a corpulência nem o peso excessivo que a caracterizam, estavam bem apresentados (pesos na ordem dos 450, 470 quilos), tiveram óptimas qualidades para o toureio, mobilidade e emoção, em suma, serviram na perfeição e contribuíram para o êxito de uma noite ao melhor estilo da Nazaré.

Os três cavaleiros estiveram bem, cada qual ao seu estilo e sem ter havido propriamente grandes "explosões", houve momentos de emoção e de bom toureio.

Marcos Bastinhas, que teve no ano passado a sua consagração definitiva como figura e como um dos líderes incontestáveis do pelotão, tem nesta praça, como o teve seu Pai, uma legião incondicional de apoiantes que vibram e deliram com o seu toureio alegre, contagiante e verdadeiro. Protagonizou dois triunfos soberbos, deixou tudo e todos em euforia - e toureou de verdade. Destaque para os ferros compridos, nos dois toiros, de poder a poder, a dar toda a prioridade aos toiros e dar o mote para actuações triunfais, com ferros de muita emoção, remates ousados e brega perfeita. Terminou as duas lides com o sempre exigido par de bandarilhas, o salto do cavalo, a multidão a aclamá-lo. À Bastinhas. Em grande.

Duarte Pinto reafirmou o momento altíssimo em que se encontra há já várias temporadas. É, repito, um toureiro que está a marcar de forma importante esta temporada atípica. Moralizado, bem montado, a praticar um toureio sério e que transmite emoção, voltou a evidenciar o seu bom gosto quer na brega, quer na forma como cravou, de praça a praça, vencendo o piton contrário, entrando com particular ousadia pelos toiros dentro e pelos terrenos que dão aos toureiros a verdadeira dimensão do seu valor. Duas lides notáveis que o público reconheceu e aplaudiu forte.

Francisco Palha - que na próxima quinta-feira vamos ver pela primeira vez este ano no Campo Pequeno - pôs ontem a praça em delírio com alguns ferros daqueles que fazem parar os corações. Ferros "à Palhinha" que são já a sua imagem de marca e o grande selo de garantia do seu toureio de emoção e alto risco. Andou menos regular no primeiro toiro do seu lote, destacando-se na fase final da lide com o fantástico cavalo Roncalito e os tais ferro de calafrios a pisar a linha de risco. No último toiro da noite, com um cavalo novo que vai dar que falar, voltou a galvanizar o público com ferros dos que "valem dinheiro". Não teve duas lides rematadas, mas teve duas actuações de um mérito enorme.

Em suma, foi uma corrida agradável numa praça com um carisma tão especial. Três cavaleiros de nota alta. Luis Miguel Pombeiro esteve presente, pela função de apoderado de Duarte Pinto, e bem pode ontem ter tido ideias para os cartéis que faltam no Campo Pequeno...

Os dois grupos de forcados, Santarém e Beja, pegaram os toiros de Passanha, havendo a destacar, como anteriormente já ficou pormenorizadamente referido, o triunfo dos escalabitanos.

Nota alta para todos os bandarilheiros que ontem intervieram na corrida, com realce para a forma, aplaudida, com que o valoroso Sérgio dos Santos "Parrita" recebeu e parou o quarto Passanha da noite.

José Soares foi o director de corrida, competente, exigente e aficionado - e esteve assessorado pelo médico veterinário José Manuel Lourenço. Dois inspectores da IGAC supervisionaram o andamento das coisas e a verdade é que, uma vez mais, o público aficionado deu ontem um exemplo de civismo, acatando e respeitando as regras de segurança e distanciamento social que se exigem - para bem de todos. Mas também para bem da continuidade da Festa.

Fotos M. Alvarenga

Duas actuações verdadeiramente galvanizantes de Marcos
Bastinhas, indiscutivelmente um dos líderes do pelotão
e a reafirmar o estatuto de primeiríssima figura

Duarte Pinto a dizer de novo que está num momento altíssimo
e é um dos toureiros importantes desta temporada

Com ferros deste calibre incrível, Francisco Palha aumentou
as expectativas para o vermos na próxima quinta-feira
no Campo Pequeno, pela primeira vez este ano