segunda-feira, 11 de janeiro de 2021

Dois anos sem o meu querido Emílio

28 de Agosto de 2018, na festa dos meus 60 anos

Eras mesmo, Emílio, o melhor de todos nós. Brincámos tantas vezes com essa coisa, com essa frase que haveria de ser, querias tu, o título do artigo que eu escreveria no dia em que morresses. Mas isso eram as nossas loucuras, as nossas brincadeiras - que alguns entendiam e outros nunca vão entender...

Tu não ias morrer nunca, dizia-te eu. Era lá possível que um dia tudo acabasse? Mas acabou. Há exactamente dois anos. E sempre que me lembro de ti, e olha que me lembro todos os dias, apetece-me escrever coisas novas, coisas mais. Mas hoje não consigo, Emílio. Está um frio dos diabos. E estamos a viver um tempo horrível com uma pandemia que nunca mais acaba e tantas vezes imagino o que dirias tu se ainda por aqui estivesses. "Ó Miguel não saias de casa, não vás jantar com ninguém, cuida-te, cuida da Maria Ana e do Guilherme, do Santiago, a Fatucha que se resguarde em casa", sei lá mais o quê...

E assim sendo, porque me faltam as palavras e as ideias, preferi assinalar este dia tão triste - mas tu não gostavas de tristezas, vivias a vida com uma alegria contagiante e intensa! - voltando a publicar aqui o artigo que escrevi há dois anos, 11 de Janeiro de 2019, na tarde em que te foste embora. Aqui vai, Emílio. Um abraço do tamanho do mundo, estejas agora onde estiveres - e acredito que estás a olhar por todos nós, pelos Amigos, pela Fernanda, pelo Bruno e o Hugo, pelos netos de que tanto gostavas.


sexta-feira, 11 de janeiro de 2019

Morreu o melhor de todos nós


E agora? Agora, sei lá. "Conhece este senhor que está aqui consigo?", perguntou ontem a enfermeira. Ontem estava muito pior, mas sempre lúcido. E respondeu: "Então não sei? É o Miguel, o meu irmão". "Deus abençoe o Santiago", o meu neto, foi a última coisa que me disse, depois de "adoro os teus filhos" e "é tão bom que estejas aqui". Merda de vida. E agora? Sei lá...


Miguel Alvarenga - Agora, sei lá. Vim para casa, sentei-me em frente ao computador e quero escrever, quero escrever muito. Tudo. "Morreu o melhor de todos nós" era o título com que brincávamos há mais de vinte anos. Fizeste-me prometer que era este o título da "notícia que vais escrever depois de eu morrer" e eu cumpri, está lá em cima, é essse o título da notícia que eu nunca queria escvrever. Na segunda-feira fui ver o Emílio com o Rui Bento. "Já podes escrever a tal notícia. Morreu o melhor de todos nós. Sabes tanta coisa, tens tanta história para contar, podes fazer uma coisa bem bonita, como só tu sabes", disse. Nunca na vida vi ninguém enfrentar a morte como o Emílio. "Já não me vão ver mais nenhuma vez vivo"... Mas vimos. Na terça, na quarta, ontem (já mal) e ainda hoje, esta manhã.

Tenho, sim. Tenho tantas histórias para lembrar, tanta coisa para contar, tanta parvoíce que vivemos juntos quarenta anos. Juntos, parece que ficávamos infantis. Rimos tanto. Também chorámos. E agora choro eu sózinho - que merda, Emílio.

Força eu tenho. Tenho imensa. Morreu o meu Pai e eu tive força. Morreu o meu amigo Rui e eu tive força. Vou ter que a arranjar de novo. Às vezes, Emílio, tenho a mania que tenho a força toda do mundo - mas depois não a tenho. Hoje perdi-a toda. Acredita. Estou aqui agarrado à merda do computador e as lágrimas caem-me pela cara abaixo. Quero escrever tudo e não consigo. Nem quero. Sei lá. Que merda de vida.

Hoje de manhã falou-me o António Telles. "Gosto tanto dele, queria tanto ir aí dar-lhe um abraço". Depois telefonaram todos. Tinhas tantos amigos e todos gostavam tanto de ti.

"Morro, mas morro com uma paz de espírito tão grande, sem rancor a ninguém, é tão bom ter tantos amigos", disseste-me anteontem.

Furaste todas as regras, como disse a Drª Tânia. Ninguém tem um cancro e dura seis anos. Lutaste e venceste que nem um herói, mas um dia haveria de chegar o fim. Eras uma força da natureza, eras toda uma vida. Sempre a sorrir. Sempre para a frente. Fizeste há dias um esforço enorme para ir a Elvas despedir-te do nosso querido Bastinhas. Aí percebi que já não estavas nada bem.

Repara, Emílio, eu estou para aqui a escrever, mas nem sei bem o que digo. Nem sei bem o que fazer. E a Fernanda, e o Bruno e o Hugo e os teus queridos netos, de que ainda esta manhã falaste? Agora ficamos todos sem ti.

Hoje já não falámos, já pouco falavas. Ontem, quando me vim embora, disseste que adoravas os meus filhos e eles também te adoram, disseste que era muito bom eu estar ali e eu não podia estar noutro lado e disseste "que Deus abençoe o Santiago". E a nossa conversa ficou por aí. Quando saí do hospital percebi que tinha mesmo ficado por aí. Que já te restavam poucas horas.

Fui ao velório do Jorge, outro querido amigo, o irmão do Rui Bento. E esta manhã quando falei ao Hugo, ele disse-me que estavas pior outra vez. Corri de Vespa para o hospital, a ver se chegava ainda a tempo. E cheguei. Ainda te vi vivo, mas já num sofrimento, acho, e numa angústia e numa inquietação que anunciavam o fim.

Agora estás em paz, Emílio. Estás tu e isso é que é o mais importante. Mas não estou eu. Nem estamos todos os que te amamos.

Que foste diferente, que foste importante, que marcaste toda a gente, que eras o número um, isso são coisas que não é preciso dizer. Todos sabemos que sim.

Mas agora foste embora. E eu quero escrever tudo e não me sai nada. E sinto um vazio tão grande. E vou ter tantas saudadas. E adoro o meu irmã e a minha irmã, mas tu eras outro irmão, o mais velho, que eu tinha e agora já não tenho mais...

E sei lá o que vou fazer agora. E sei lá como vou viver estas saudades, lidar com esta merda de não te poder falar mais.

Eu depois volto a escrever. Um beijo, meu querido.


Fotos D.R.