domingo, 9 de maio de 2021

"Duelo" Rouxinol Jr./Prates ontem em Vila Franca - Justiça para todos!

Esta foto espelha bem o sucesso do "duelo" entre Rouxinol Jr.
e António Prates ontem em Vila Franca. Triunfo de mérito
dos dois e a certeza de que há duas novas figuras em
potência no toureio a cavalo. A corrida acabou com a praça
a aplaudir os dois cavaleiros na arena, o ganadeiro António
Veiga Teixeira e o forcado João Matos (V. Franca), autor da
última pega. Os dois grupos, Montemor e Vila Franca, foram
também chamados à praça e era justo que tivessem ido,
mas declinaram com humildade o convite

Portuguêsmente falando, não é qualquer um que "os tem no sítio" para começar a temporada, depois de um ano atípico em que todos tourearam um terço ou menos do que é costume, ainda sem os cavalos rodados, dando a cara com toiros de verdade - como aconteceu sexta-feira e ontem na "Palha Blanco". É preciso muita destreza e um mérito sem fim. Por isso, começo por tirar o chapéu aos cinco cavaleiros, aos três grupos de forcados e a todos os bandarilheiros que se dignaram, em nome do respeito-maior por todos os aficionados, a participar nestas duas grandes e sérias corridas que marcaram um arranque da nova temporada recheado de emoções - e de verdade. Tiro também o chapéu ao empresário Ricardo Levesinho - por ter dado este mote de seriedade e de ousadia ao novo ano tauromáquico! Lamento apenas que o público, apesar das duas enchentes, não tenha esgotado a praça nos dois dias, dentro das restrições impostas pelas novas regras. Falta dinheiro à malta? Pois falta... mas também não sobra aficion. É pena...

Miguel Alvarenga - No ano passado, como devem estar lembrados, houve quarenta corridas e os toureiros tourearam um terço, ou menos, dos espectáculos que costumam tourear. O defeso foi maior que se esperava. A temporada começou tarde. 

E mesmo assim, ainda sem terem actuado, com os cavalos menos rodados do que é habitual para estarem em corridas como estas, com toiros duros (corridas que deveriam ser em Outubro, quando todos já estivessem devidamente rodados), António Ribeiro Telles, Luis Rouxinol e Duarte Pinto (na sexta), Luis Rouxinol Júnior e António Prates (ontem) e os grupos de forcados de Vila Franca (sexta e sábado), de Alcochete (sexta) e de Montemor (ontem), bem como os bandarilheiros de todas as quadrilhas, dispuseram-se a iniciar a temporada, com um mérito e uma destreza sem fim, frente a toiros dos que incomodam e descompõem. 

No caso concreto, toiros das duras ganadarias Dr. António Silva (sexta) e Veiga Teixeira (ontem). É preciso serem mesmo muito grandes para o terem feito. Tiro-lhes o meu chapéu, não me canso de os louvar e, como às vezes sou meio exagerado, até era capaz de liderar um movimento para que lhes erguessem estátuas ao seu mérito em redor da centenária praça "Palha Blanco". Mereciam!

E ao empresário Levesinho, que o honrem com um busto na entrada da praça a dizer assim: "Nos dias 7 e 8 de Maio do ano da graça (ou da desgraça, por estamos ainda com a pandemia às costas...) de 2021, este homem soube pôr os pontos nos iis e elevar bem alto a Tauromaquia, realizando nesta praça duas corridas de toiros com uma verdade e uma seriedade daquelas que páram corações nas bancadas e fazem crescer na arena a raça dos toureiros e dos forcados".

Os Silvas de sexta-feira não foram para brincadeiras. Telles (o triunfador), Rouxinol (que teve sobretudo o mérito de receber um dos toiros com uma sorte de gaiola) e Duarte Pinto (autor de dois ferros curtos de antologia) são toureiros consagrados que já não precisam de provar nada a ninguém - mas estiveram ali a dar a cara.

Os Teixeiras de ontem impuseram e pediram contas. Rouxinol Jr. e Prates, dois jovens em início de carreira, foram lá deitar cartas e provar que vão chegar muito longe. Consagraram-se na alta roda do toureio a cavalo. Agarraram com unhas e dentes esta oportunidade - única! - de mostrarem o que valem. E valem os dois muito. Foi uma grande corrida. Arejaram a monotonia da Festa, disseram que há, de verdade, duas novas figuras. Forçosamente, o empresário vai ter que os repetir este ano na "Palha Blanco" - seria uma injustiça gritante não o fazer. E as outras empresas todas também. Mais do mesmo, todos os dias, já chega.

Dois vencedores

Justiça para todos! Seria tremendamente injusto - e faltaria à verdade - se dissesse que houve um vencedor claro no duelo de ontem. Os dois jovens cavaleiros entregaram-se, deram a cara, demonstraram atitude e provaram que estão ambos bem montados e preparados para todas as "guerras" - repito, apesar de se tratar de um início de temporada, de pouco terem toureado no ano passado e de levarem, logo a abrir, com toiros como os que ontem vimos.

O primeiro toiro era um manso "assassino" daqueles que não há volta a dar. Rouxinol Jr. recebeu-o com a decisão, o querer e a atitude de uma sorte de gaiola, demonstrando nisso todo o mérito e a vontade com que ali estava, sofreu uma aparatosa colhida, mas jamais virou a cara. Voltou a levantar o público das bancadas (e não foi fácil, que ontem senti o pessoal demasiado frio) na lide portentosa e emotiva do quarto toiro, um Teixeira complicado e sério. E fechou a sua intervenção com uma grande actuação no quinto toiro, de melhor nota, mas também sem facilitar nada. Aliás, os toiros. não têm que facilitar. Têm é que dificultar e obrigar os toureiros a superar e a vencer as suas dificuldades. Nem todos os toureiros querem dar a cara com toiros destes - e sei que houve muitos que se negaram a vir toureá-los (cala-te boca!...). Rouxinol esteve enorme. Não houve, nos últimos tempos, um cavaleiro que alcançasse tão depressa o patamar onde ele chegou em tão poucos anos de alternativa.

António Prates é outro jovem que deixou bem claro desde a primeira hora, quando era ainda um toureiro-menino, que ia chegar longe e que ia marcar a diferença. Nem sempre marcou as suas actuações pela regularidade, mas nunca deixou de demonstrar raça, casta, ousadia e uma vontade férrea de não ser apenas mais um. Não é. É já hoje, e sobretudo depois de ontem, uma figura em potência. Está bem montado, está moralizado, tem um valor sem fim - e conquista o público sem alardes de fantasia ou números de atirar poeira os olhos do pessoal. Toureia de verdade, arrisca, põe a carne toda no assador, pisa terrenos impossíveis. Ontem deu o mote para o triunfo frente ao difícil segundo toiro da corrida, reafirmou que estava ali com a decisão dos eleitos no terceiro da tarde, outro toiro que pediu contas e não lhe deu descanso. E levantou a praça no último, o mais bravo toiro da corrida, um Teixeira de bandeira (premiado com volta à arena no final e com a justa chamada do ganadeiro à praça), sobretudo com dois ferros de parar corações.

Feitas as contas, triunfaram forte os dois. E o mais importante foi que deixaram ali escrito, para que ninguém esqueça, que o toureio a cavalo tem duas novas figuras e dois toureiros de raça que dão a cara e não ainda aqui a dançar o folclore.

Dos valentes forcados de Montemor e Vila Franca já disse tudo ontem. Mas não me canso de repetir que estiveram heróicos e elevaram bem alto a nobre e tão portuguesa arte de pegar toiros e enfrentar a morte batendo as palmas ao perigo com um sorriso no rosto.

Os bandarilheiros das quadrilhas de Rouxinol e Prates não tiveram ontem tarefa fácil - antes pelo contrário. No primeiro toiro, então, os de Rouxinol passaram mesmo as passas do Algarve, salvo seja. Mas conseguiram estar, pelo seu mérito, à altura de uma corrida deste calibre. O público de Vila Franca não adora as intervenções deles. Mesmo assim, ontem não houve tantos protestos como na véspera. Destaco a veterania e o saber de Nuno Oliveira, de João Bretes e de Ricardo Pedro, a eficiência de Sérgio Silva e Pedro Noronha. O consagrado Manuel dos Santos "Becas" ontem não esteve nos seus dias, acontece.

A directora de corrida Lara Gregório de Oliveira não é só bonita. É competente e exigente. Dirigiu com saber e aficion. Só he aponto, porque não percebi, a injustiça de não ter autorizado a volta ao forcado Francisco Maria Borges, o herói da tarde, no primeiro toiro da corrida. Posso estar enganado e nesse caso dou a mão à palmatória. Mas parece-me não ter visto o lenço que permitiria (justa e merecidamente) ao Francisco ter ido à praça receber as ovações com que todos o queriam homenagear - e homenagearam mesmo, quando ele atravessou a trincheira, lesionado, mas sem perder o sorriso, em direcção à enfermaria.

Foi uma grande corrida - e, mais importante que tudo, o arranque da nova temporada, ainda em tempos de pandemia, ficou marcado pela seriedade, pela verdade, pelo risco e pela emoção que são, afinal, as grandes essências desta festa de mil perigos e tantas glórias.

Fotos M. Alvarenga

- Já a seguir, não perca os melhores momentos de Rouxinol Jr. e António Prates ontem no mano-a-mano em Vila Franca.