sábado, 22 de maio de 2021

Há 44 anos: houve uma corrida de morte em Mourão

António de Portugal (na foto, com "Espartaco", no Campo 
Pequeno) foi um dos toureiros desta corrida de morte
em Maio de 1977 na praça alentejana de Mourão

Há exactamente 44 anos, a 22 de Maio de 1977, realizou na praça alentejana de Mourão uma corrida em que se estoquearam três toiros por obra e graça dos então novilheiros Pepe Luiz Nuñez, António de Portugal e Paco Duarte. Actuaram a cavaleiros Nélito Santana e Brito Limpo e pegaram os forcados de Moura. Lidaram-se quatro novilhos de António Silva e um de Cunha e Carmo. Curiosamente, pouco se fala desta corrida de morte quando se recordam as que se realizaram depois do 25 de Abril em Portugal. Jaime Amante era ao tempo moço de espadas do novilheiro venezuelano Pepe Luiz Nuñez e recorda esta efeméride para os leitores do “Farpas”

Jaime Amante - O tempo passa a correr, parece que foi ontem, é o que habitualmente afirmamos e na realidade é o que me apraz deixar bem claro, parece que foi ontem.


Na História da Tauromaquia Portuguesa em geral, e especificamente na cronologia das corridas com toiros de morte que se realizaram pós-25 de Abril, raramente surge esta data - Mourão, 22 de Maio de 1977, cumprindo a efeméride no dia de hoje 44 anos.


Domingo, 22 de Maio de 1977, decorria na pacata vila alentejana a sua tradicional Feira Anual, que na actualidade e em outros moldes passou a designar-se por Feira Anual “Saberes e Sabores da Raia''.


O domingo estava soalheiro. Era a Primavera abraçar o Alentejo.


Partimos bem cedo de Vila Franca de Xira, o apoderado e organizador do festejo, João Mascarenhas, os novilheiros Pepe Luiz Nuñez e António de Portugal, o moço de espadas Chana e eu. Em Mourão aguardavam o João José, o Jacinto Fernandes, entre outros, que a memória não dá para tanto.


Em Vila Franca já tinha recebido instruções de que o António ia disposto a estoquear o seu novilho e que o venezuelano Pepe Luiz Nuñez estava solidário com o seu colega. João Mascarenhas ainda não tinha comentado o assunto com o terceiro novilheiro, Paco Duarte. O espectáculo estava montado com gosto e reunia um conjunto de atractivos.


Nélito Santana vinha de uma alternativa triunfal a 15 de Setembro de 1976 na Moita. Era um cavaleiro bastante popular e muito acarinhado pelo público.


Brito Limpo preparava-se para receber a sua alternativa no Campo Pequeno a 30 de Junho do corrente ano, concedida pelo Maestro Manuel Conde.


Pepe Luiz Nuñez era um novilheiro “puntero” venezuelano que tinha chegado a Vila Franca no início do ano. Vinha tentar fazer campanha “à Europa”, como habitualmente muitos toureiros sul-americanos faziam. Foram muitos os toureiros mexicanos e venezuelanos que por esses anos apareceram em Vila Franca de Xira.


António de Portugal era a grande atracção do cartel. O seu histórico reivindicativo da implementação dos toiros de morte em Portugal, já vinha desde o ano anterior na célebre data de 31 de Outubro de 1976 em Vila Franca de Xira e tinha acabado de participar na histórica corrida de 7 de Maio desse ano de 1977 também em Vila Franca de Xira, no fundo o único espectáculo integral que se realizou em Portugal após a revolução.


E por último, Paco Duarte que na semana seguinte, 29 de Maio, se apresentava no Campo Pequeno ao lado de Fernando Guarany na novilhada que a empresa tinha oferecido ao toureiro brasileiro após a sua longa odisseia (inicialmente dentro de um caixão) às portas da Monumental lisboeta.


Tudo estava preparado para mais uma data histórica.


O espectáculo foi bastante agradável e Pepe Luiz Nuñez (de quem eu era moço de espadas), António de Portugal e Paco Duarte, terminaram as lides com três soberbas estocadas; no entanto Paco Duarte executou a sorte com uma “meteysaca” e o novilho só veio a morrer nos curros já depois de recolhido. Por tal facto, foi o único novilheiro que não recebeu ordem de prisão.


Estrategicamente uma carrinha de caixa aberta encontrava-se no exterior da praça, para transportar as carcaças dos toiros abatidos para Vila Franca, facto que não chegou a acontecer, pois a mesma foi interceptada junto a Évora.


O público vibrou entusiasticamente com tal feito e não houve qualquer alteração à ordem pública.


Os novilheiros Pepe Luiz Nuñez e António de Portugal passaram a noite nos calabouços da GNR em Reguengos de Monsaraz.


No dia seguinte, o que para mim já era um hábito, os toureiros foram presentes a Tribunal em Reguengos de Monsaraz sem que antes todos os presentes - todos incluídos - tenhamos ido tomar o pequeno almoço ao Café Central sob o olhar atento de dois guardas que zelavam pelos toureiros detidos...


Lida a sentença, os dois toureiros foram postos em liberdade sob fiança.


De regresso a Vila Franca de Xira, os toureiros foram recebidos por algumas dezenas de aficionados que nos esperavam junto à “Forja”, a aficionada loja de João Mascarenhas e no largo do Tribunal.


Quis o destino ou a aficion, na realidade não sei, que tenha participado em todas as corridas em que se mataram toiros após o 25 de Abril; bem, em todas não, vi na televisão a 12ª Corrida TV, realizada no Campo Pequeno a 20 de Junho de 1974, em que o saudoso Maestro José Falcão matou a estoque o “Cauteleiro”, exemplar da ganadaria de Oliveiras Irmãos.


“Parece que foi ontem”.


Fotos João Carlos D'Alvarenga, M. Alvarenga e D.R.


Jaime Amante (nesta foto com a matadora
espanhola Mary Paz Vega na Nazaré) era ao
tempo moço de espadas do novilheiro 
venezuelano Pepe Luiz Nuñez

António de Portugal com os saudosos repórter fotográfico
Alberto Figueiredo e empresário Alfredo Ovelha

Paco Duarte: o novilho que estoqueou morreu já nos currais
da praça, o que o salvou de também ser preso