Miguel Alvarenga - "Dizer que à sua ganadaria só lhe faltava matar um toureiro para ser lendária é o mesmo que ter um restaurante e dizer que só lhe falta que morra um comensal envenenado para ser o melhor. É de loucos!"- as palavras são do matador de toiros espanhol Israel Lancho, em declarações ao site cultoro.es, onde se insurge contra o ganadeiro português João Folque, proprietário da mítica ganadaria Palha, depois do que considerou "comentários menos felizes" por este proferidos na semana passada em Madrid, quando participou num colóquio promovido pela Associación El Toro.
Israel Lancho até chama "terrorista" ao ganadeiro luso. Assim: "Dizer que se busca uma agressividade sem mais, não é ser um ganadero, é ser um terrorista".
João Folque ainda não veio a público responder aos mimos do toureiro Israel Lancho - que, a meu ver, só se podem entender e até mesmo aceitar, se tivermos em conta que o toureiro ia perdendo a vida colhido em 2009 em Las Ventas, Madrid, por um toiro de Palha (como o recordamos em baixo nas fotos de Ricardo Relvas).
Nesse contexto e sob esse prisma, talvez até possamos de alguma forma entender a reacção e os comentários de Israel Lancho à "fome de tragédia" expressa pelo ganadeiro João Folque nas declarações que proferiu.
Israel Lancho lamenta que nessa fatídica tarde de 2009 o ganadeiro João Folque tenha permitido que o seu maioral fosse à arena quando ele estava na enfermaria em estado gravíssimo e a lutar pela vida.
Mas a realidade é que uma coisa não tem a ver com a outra. E nesse ano de 2009, precisamente por essa corrida, a ganadaria Palha foi eleita pela empresa Taurodelta como a triunfadora da Feira de Santo Isidro.
Não acredito que João Folque alguma vez tenha desejado que um toiro seu matasse um toureiro. Ao dizer o que disse, fê-lo em sentido figurado, assim como que a lembrar a fama granjeada pela histórica ganadaria Miura depois de "Islero" ter morto "Manolete".
Israel Lancho ressentiu-se, precisamente pelo facto de um toiro de Palha quase lhe ter acabado com a vida na arena de Madrid. Entende-se. Tem que se entender. Daí a vir defender que é "terrorista" um ganadeiro que cria toiros agressivos...
Devo confessar que não tenho qualquer intimidade com o ganadeiro João Folque. Cumprimentamo-nos cordialmente quando nos cruzamos nas praças - só isso. Não sou seu advogado de defesa. Nem tenho que o ser.
Mas dou-lhe toda a razão. E a Israel Lancho, embora o entenda - não.
A tauromaquia, em Espanha e em Portugal, perdeu nos últimos anos grande parte da sua essência, da sua razão de ser, quando os toiros (salvo excepções, e a ganadaria Palha é uma delas) deixaram de ser agressivos e passaram a ser dóceis e amiguinhos dos toureiros...
Em toda a História, o espectáculo tauromáquico foi um cenário de vida e de morte, de tragédia e de glória. De grandes triunfos e de tardes dramáticas, como a de "Manolete" em Linares, a de "Paquirri" em Pozoblanco, a do nosso José Falcão em Barcelona. E a de Israel Lancho em Madrid, graças a Deus sem as consequências fatais das referidas anteriormente.
E se todos os toiros fossem como são os Palhas, como são os Teixeiras, os Graves, os Miuras, certamente que a Festa ainda hoje era Brava - e não haveria tantas desistências entre os seus adeptos e tanta falta de interesse como a que hoje há.
O toiro foi feito para ser agressivo. Não faz sentido nenhum que seja dócil e amiguinho do toureiro. Por isso Folque tem razão. E Israel Lancho não.
Fotos cultoro.es e Ricardo Relvas
A brutal cornada de Israel Lancho em 2009 em Madrid, colhido por um toiro Palha |