segunda-feira, 22 de julho de 2019

Évora, noite grande: a raça de ser Bastinhas, a arte de ser Hermoso

Duas lides empolgantes e a raça de um grande toureiro: o novo Bastinhas
é já um dos mais importantes cavaleiros da nova geração
Triunfo da ganadaria Passanha. Ganadero e maioral deram volta à arena no
quinto toiro
Marcos Bastinhas vive uma temporada de grande apoteose e prestou anteontem
em Évora a maior e mais bonita homenagem que se podia render à memória
de seu pai, o sempre eterno Joaquim Bastinhas
Os toiros Passanha exigiam, não eram fáceis. Mas o difícil torna-se fácil sempre
que Pablo Hermoso entra em cena. Mais duas actuações memoráveis a reafirmar
a arte e a classe que dele fizeram um ídolo da aficion portuguesa
Guillermo brindou a sua primeira actuação em Portugal ao empresário António
Alfacinha
Guillermo Hermoso acusou na primeira lide a pressão da responsabilidade de se
estar a apresentar na Pátria do Toureio a Cavalo. Na segunda, já mais tranquilo,
deu a verdadeira dimensão do seu bom toureio. Quem sai aos seus...


Marcos Bastinhas foi anteontem o grande protagonista de uma noite carregada de simbolismo e de sentimento em que Évora rendeu emotivo tributo à memória de seu pai, Joaquim Bastinhas e em que ele lhe prestou a maior e a mais bonita das homenagens com dois triunfos empolgantes - triunfos de raça e triunfos de alma. Noite de glória também para Pablo Hermoso de Mendoza e estreia brilhante em Portugal do seu filho Guillermo, a nova estrela do rejoneio. Forcados de Évora e de São Manços em aguerrida e triunfal competição e toiros de Passanha que não foram "peras doces" e pediram contas aos artistas, dando emoção e risco à corrida. Pela segunda vez esta temporada, o público esgotou a lotação da praça da cidade-museu

Miguel Alvarenga - Venham os toiros que vierem e os competidores que estiverem. Marcos Bastinhas vive uma temporada apoteótica, ainda marcada por um luto carregado, mas que está a ser memorável e a que está a reagir com a raça e a alma dos maiores - atributos que herdou de seu querido pai. E que melhor homenagem lhe podia ele prestar do que essa?
O público está com Marcos. Mas não está com ele pelo luto. O público está com Marcos pela excepcional temporada que ele está a desenrolar, pelo grande toureiro que se está a revelar. No primeiro ano em que não tem o pai a seu lado, o novo Bastinhas explodiu de vez e tem tido a raça, o valor, a entrega e a arte que estão a fazer dele um dos mais importantes cavaleiros da nova geração.
Anteontem em Évora, vi-lhe lágrimas nos olhos no momento em que, ao início da corrida, recordei em brevíssimas palavras a figura do Maestro. Vi-lhe lágrimas nos olhos quando descerrou o cartaz que perpectua para todo o sempre no páteo de quadrilhas da praça esta noite de tanto significato. Vi-lhe lágrimas nos olhos quando, ao final da primeira e apoteótica lide beijou a terra da arena e olhos os céus.
O Marcos esteve enorme. Com raça, com garra, com atitude. Recebeu o seu primeiro toiro à porta dos curros, foi esperá-lo, aguentou a carga da brutal investida, cravou dois compridos a dar toda a prioridade ao toiro, a aguentar firme até ao último segundo, quarteando-se num palmo de terreno, com a verdade e a emoção do "toureio à Bastinhas". Nos curtos, superou a fatalidade de uma queda, por o cavalo ter escorregado, que podia ter tido consequências bem piores, agigantou-se, cresceu, empolgou numa lide continuada em ritmo de apoteose. À Bastinhas. Público de pé na volta à arena e outra lhe pediram e no centro se ficou, emocionado, a glória do dever cumprido, a força e o significado da homenagem que acabara de prestar ao seu herói. Inesquecível. E nosso - sempre!
No segundo toiro mandou os bandarilheiros para fora e ali ficou, estático, o cavalo e ele, à espera que o toiro saísse. Ferro empolgante em sorte de gaiola. E por aí foi, mais uma lide de alto brilhantismo e onde tudo foi perfeito - e emotivo, e empolgante. Com a sua marca, com a sua diferença - que foram sempre a marca e a diferença desse toureio-outro que durante quatro décadas fez de Joaquim Bastinhas um dos maiores entre os primeiros. A mesma alegria, a mesma empatia, a mesmíssima verdade. Marcos a marcar uma temporada gloriosa, o maior dos marcos da sua carreira, o ano da absoluta e definitiva consagração. A raça de ser Bastinhas.
E a arte de ser Hermoso. Pablo é há muitos anos um ídolo da aficion portuguesa. A sobriedade, a classe, essa magia que faz o difícil parecer fácil. Os toiros de Passanha não eram, ao contrário de outros que tem enfrentado em Portugal, toiros fáceis ou "babosas de cordel". Tinham mobilidade, transmissão, tinham rasgos de bravura, pediam contas, exigiam, não perdoavam e davam trabalho. Toiros emotivos e a impor seriedade. Pablo Hermoso foi o domínio, a maestria, a perfeição, aos anos que anda a aperfeiçoar a perfeição e tudo parece a coisa mais fácil do mundo, a coisa mais simples de executar.
Duas lides monumentais, a força de ter esgotado a praça, a arte de marcar sempre a diferença, a classe de um toureiro inigualável. Único. No segundo toiro, deu duas voltas à arena em clima de verdadeira apoteose.
Pablo chegou a Évora, esgotou a praça, manteve o seu nível de primeiro entre os primeiros e anteontem teve ainda a responsabilidade acrescida de apadrinnhar a estreia em Portugal de seu filho Guillermo, o seu continuador.
Já a marcar também a diferença em arenas de Espanha, de França e do México, Guillermo Hermoso de Mendoza acusou, é compreensível, na primeira lide, o peso da responsabilidade de estar a debutar perante um dos mais exigentes públicos e dos mais entendidos em toureio a cavalo, acusou ainda o andamento do toiro português sem o rojão de castigo e os dois primeiros ferros compridos ficaram descaídos e traseiros. O público não lhe perdoou, meteu-se com ele, assobiou. Mas Guillermo revelou-se também um toureiro de raça, não desarmou, emendou a mão e nos curtos subiu o tom desta sua noite de estreia em Portugal, ainda que com alguns falhanços, alguma irregularidade e com uma lide de altos e baixos.
No último toiro da noite, que também exigia e não era fácil, a música foi outra, sobretudo quando montou o fantástico Disparate e bordou o toureio "à Hermoso", com apurados pormenores de brega, lidando com soberba ligação, cravando ferros de muita emoção e ousada execução. Estreia brilhante e prometedora, depois de um início menos feliz, mas que depressa Guillermo teve arte para emendar, para recuperar e para por fim conquistar o entendido público eborense, que o reconheceu e o premiou com calorosa ovação.
Nota menos positiva, apenas, para a permanente e excessiva intervenção na arena dos bandarilheiros dos dois rejoneadores. Houve capotazos a mais e o público protestou ruidosamente por isso. Não era necessário.
Nota final para enaltecer a actuação dos dois grupos de forcados, Évora e São Manços, cujas exibições já aqui se referiram em pormenor e com detalhe. Destaque para as pegas de Manuel Rovisco (Évora) e do cabo de S. Manços,  João Fortunato, que esteve enorme e fez, sem dúvida, a grande pega da noite. Pelos eborenses foram ainda caras os valorosos João Madeira e Dinis Caeiro e pelos vizinhos de S. Manços pegaram ainda Jorge Valadas e Pedro Galhardo.
Quando há toiros, há emoção. E há espectáculo. Os toiros da ganadaria Passanha há muito que deixaram para trás o inquietante radicalismo e facilitismo dos encastes Murube - o conhecedor ganadero Diogo Passanha mudou o curso à História. Tem hoje uma ganadaria de triunfos - e de sucesso. Os toiros têm mobilidade, transmissão, pedem contas aos toureiros. E dão trabalho. Diogo deu merecida volta à arena no quinto, acompanhado pelo seu maioral e seu braço-direito. Volta marecida - e aplaudida - a premiar um toiro que foi bravo e teve comportamento de bandeira. Todos os outros não destoaram. Houve uns melhores e outros menos bons, mas não houve toiros dos que irritam. Proporcionaram um excelente espectáculo e no contexto geral contribuiram decisivamente para o êxito desta grande noite.
Domingos Jeremias dirigiu muito bem a corrida, com ritmo, com aficion e com bom senso. Com exigência, também. Esteve assessorado pelo médico veterinário Carlos Santana.
A corrida de sábado constituiu mais um êxito para a nova e jovem empresa da praça de Évora. Mais uma lotação esgotada numa noite marcada pela raça de ser Bastinhas e a arte de ser Hermoso.
Corrida das que fazem aficionados.

Fotos Maria Mil-Homens